sábado, 2 de janeiro de 2021

DAS COISAS DA VIDA OLHANDO PARA A MORTE

Uma evidência de que não foi a covid que tornou o ano de 2020 como o mais mortífero de que há registo (e já falarei sobre isto) é olharmos para o perfil da mortalidade ao longo do ano em confronto com os anos anteriores.

Como talvez fosse bom todos saberem algo óbvio - a começar pelos "iletrados" jornalistas -, ao longo do ano há dias em que morre muita gente, e há outros em que morre pouca gente. Em Portugal, com estações claramente distintas, isto está tudo ligado: morrem menos pessoas num período do ano mais ameno (sobretudo o Verão), porque morrem mais pessoas num período mais agreste (Inverno). Se o clima fosse estável, seria expectável que a mortalidade fosse razoavelmente similar ao longo do ano.

Por norma em Portugal, embora tendencialmente haja uma diminuição em virtude do envelhecimento populacional (que aumenta a mortalidade absoluta, sem ser por causa da covid), em mais de metade do ano os óbitos diários abaixo dos 300 "devem" ocupar pelo menos metade do ano. Entre 2009 e 2019, registaram-se entre 188 e 252 dias com menos de 300 óbitos por ano. Estes dias estão concentrados exclusivamente na Primavera e no Verão. No oposto, durante o Inverno encontram-se os dias mais mortíferos (gripes!), embora possam também ocorrer de forma esporádica no Verão com repentinas mas felizmente curtas ondas de calor.

Assim, o maior ou menor número de dias de um qualquer ano com mais de 400 óbitos geralmente indica uma maior agressividade dos surtos gripais. Por isso, nem preciso de ir confirmar, olhando para o gráfico 1,. que os anos de 2012, 2015, 2017, 2018 e 2019 tiveram surtos gripais de alguma agressividade num determinado período, porque registam mais de 20 dias com mortalidade diária acima de 400 óbitos.

Tudo isto para dizer que, olhando para o "perfil" de 2020, não há forma de culpar a covid pelo que sucedeu. Mesmo se descontar a redução que houve na mortalidade por pneumonias, apenas em 57 dias a covid foi responsável por mais de 50 óbitos. Teve algum impacte mas não justifica o que se vê no perfil da mortalidade de 2020. Além disso, note-se que entre Junho e Setembro (122 dias), a covid praticamente despareceu, havendo apenas cinco dias com mortalidade por esta causa pouco acima dos 10 óbitos. Ou seja, mesmo com covid, se o SNS não estivesse de pantanas, deveríamos ter mortalidade diária mais reduzida, muito abaixo dos 300 óbitos diárias, e até próximo dos 250 óbitos diários. Mas isso não sucedeu.

De facto, observa-se uma situação completamente atípica no perfil de mortalidade em 2020, e que confirma a existência de uma origem "estrutural", que eu continuo a insistir dever-se ao estado comatoso do SNS. Em ternos simplistas, direi que o " problema" de 2020 não foram os dias em que a covid mais atacou (Março e Abril, e depois Outubro, Novembro e Dezembro); foram sim os dias em que a covid pouco atacou, ou seja, a parte final da Primavera e o Verão. E, além disso, tendo o Verão sido particularmente mortífero não seria expectável haver tantas mortes, mesmo por não-covid, a partir de Outubro. Isto revela sobretudo um elevado grau de vulnerabilidade da população a todo o tipo de afecções, o que se mostra dramático.

Aliás, vejam que em 2020 apenas se registaram 75 dias com menos de 300 óbitos, e posso adiantar que somente houve 2 dias com menos de 250 óbitos. No período em análise, o pior ano era o de 2016 com 188 dias com menos de 300 óbitos. Vejam a diferença. No caso dos dias com menos de 250 óbitos, em 2019 tinham-se registado 19 dias.

Em suma, 2020 teve um Verão anormalmente mortífero, quando a covid não estava a matar. Ou seja, não se pode, portanto, culpar o SARS-CoV-2.

Na verdade, o acréscimo de mortalidade em 2020 acabou por ser generalizado a quase todo o ano, com quatro ondas de mortalidade, uma coisa completamente atípica, sendo que apenas duas coincidem com uma maior incidência da covid.

Em 2020 a percentagem de dias com menos de 300 óbitos baixou para apenas 20% (quando estava sempre acima dos 50%) e a percentagem de dias com mais de 350 óbitos subir para uns incríveis 38%, quando o valor mais elevado era então o de 2018 com 21%.

Isto são níveis dramáticos, que pouco têm de covid e são tão persistentes que custa a acreditar que não haja um plano de emergência pública que estanque esta mortandade, e que ao invés se assista a campanhas do Governo/SNS para não se ir aos hospitais se se sentir doente. Tudo isto é absurdo. Tudo isto começa a raiar crime.

De facto, é verdadeiramente assustador constatar como a estratégia absurda e obtusa para lidar com uma doença que matou menos de 7.000 pessoas num ano (mas que teve um impacte líquido de menos de 4.000 óbitos, porque as pneumonias mataram menos) tenha colocado de pantanas um sistema de saúde mais ou menos "estável".

Enfim, vamos pagar bem caro toda esta aventura, empurrados por António Costa e seu Governo, por uma Direcção-Geral da Saúde mais preocupada com questões políticas e por um grupo de especialistas de visão míope, Aliás, muitos já pagaram. Com a vida.




1 comentário:

  1. "Ninguém sabe o que é a morte, mas não faz muita diferença porque também nunca sabemos o que é a vida".
    A. Lobo Antunes numa das verdades que tem escrito.
    oliveira

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