Na última semana tem ocorrido uma situação deveras estranha num país dito desenvolvido: um pico de mortes em meio hospitalar não é acompanhado por um crescimento no afluxo às urgências hospitalares. Julgo que apenas num cenário de terramoto é que seria suposto isto suceder: as pessoas que seguiriam para o hospital estavam já em tão mau estado que uma parte significativa acabaria por morrer; e as outras tão apavoradas ficam pelas réplicas que, mesmo sentindo problemas, não arredam pé dos escombros.
Reparem: nas duas primeiras semanas de Janeiro deste ano, apesar da existência simultânea de uma pandemia (que veio substituir, nesta época, os habituais surtos gripais) e de uma intensa vaga de frio, o afluxo de urgência reduziu-se 32,5% em comparação com o período homólogo dos últimos quatro anos (165.464 vs. 245.290).
Ao invés, a ocorrência de óbitos em meio hospitalar pelas mais variadas causas foi, para o mesmo período deste ano, de 4.922. Houve dias com mais de 400 óbitos, coisa inédita deste que existem registos. O pior ano anterior, para este período, era 2017 com 3952 óbitos em meio hospitalar.
Temos obviamente que contabilizar, em 2021, o contributo dos óbitos por covid, mas deveríamos também deduzir os óbitos que previsivelmente ocorreriam de pneumonias decorrentes da gripe (que praticamente desapareceram), bem como as mortes que deveriam ser atribuídas a outras causas mas que pela metodologia covid acabam por ser culpa do SARS-CioV-2.
Mas a questão é essencialmente esta: em anos anteriores, as variações da intensidade dos surtos gripais e as vagas de frio tinham uma relação directa com o afluxo às urgência. Significa que se usarmos uma métrica (atenção: uma métrica é um indicador que fornece informação sobre variáveis não necessariamente correlacionadas) que cruze os óbitos em meio hospitalar com a afluência às urgência, essa métrica deve ser constante.
Porém, vejam o que sucede nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020. Esta métrica sofre ténues variações quer entre anos, quer entre dias do mesmo ano: Comparando estes anos, está relativamente estável entre os 13 e os 17 (óbitos diários nos hospitais por 1.000 utentes atendidos nas urgências). Normal, portanto.
Que sucede em 2021? Dispara 30 óbitos por 1.000 utentes, tanto por causa do aumento significativo de mortes como pela redução do afluxo às urgência. Mais que duplica em comparação com quase todos os anos. Na segunda semana chega a ter dias com o índice em 37.
Estes valores mostram uma significativa anormalidade do SNS que reflecte o estado do país: perdeu o controlo da pandemia e das outras doenças, ganhou em pãnico da população. O resultado está num lamentável aumento das receitas dos cangalheiros.
Fonte: SNS e SICO-eVM
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