sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

DO DESASTRE DE SAÚDE PÚBLICA EM 2020 OU DA BREVE ANÁLISE PARA EVITAR UMA VERDADEIRA CALAMIDADE EM 2021

Hora de balanços, agora que terminou 2020. Vou tentar ser muito sintético e simples (algo complicado, assumo), não recorrendo a análise estatísticas complexas, para mostrar como 2020 foi um ano desastroso, não por causa da pandemia (que representou 5,6% das mortes, quando o acréscimo foi de 11,1% em relação à média dos últimos cinco anos) mas pela gestão da crise do ponto de vista de Saúde Pública. E para mostrar o risco que corremos se o Governo insistir no erro que foi cometendo ao longo de 2021.

Como tenho, a espaços referido, há dois factores determinantes para a evolução da mortalidade total ao longo dos meses de um ano: os surtos gripais (nos meses de Janeiro a Abril e entre Outubro e Novembro) e as esporádicas ondas de calor no Verão (que podem aumentar bastante os óbitos, embora por escassos dias sobretudo em Julho e Agosto).

Sem ondas de calor e sem gripes, a mortalidade (de base) em Portugal situa-se, grosso modo, em redor dos 250 óbitos por dia. Desse modo, em situação normal temos estes valores em grande parte do período entre Maio e Setembro. Nos gráficos, este nível está marcado na linha verde.

Nos restantes períodos (Outono e sobretudo Inverno), embora haja sempre um aumento da mortalidade, as variações interanuais estão muito dependentes das condições ambientais e das estirpes gripais mais letais (H3N2 à cabeça), mas também dependem daquilo que sucedeu nos períodos imediatamente anteriores.

Por norma (e a econemetria debruça-se sobre esse assuntos), existe uma autocorrelação forte na mortalidade entre dois Invernos, de sorte que raramente temos dois Invernos igualmente muito mortíferos porque as pessoas potencialmente mais vulneráveis passam para um número muito inferior. Por esse motivo, é expectável que num qualquer ano, quando muito só exista um período (de algumas semanas) com mortalidade acima de 350 óbitos (a fasquia que, empiricamente, mostra que um surto gripal se assume de forma letal). Ou seja, se essa fasquia dos 350 óbitos (marcada a azul nos gráficos) surge na primeira parte do ano (sobretudo Janeiro ou Fevereiro) é pouco expectável que venha a repetir-se no mesmo ano em Novembro ou Dezembro, tal como se observa nos gráficos no período 2009-2019.

Por outro lado, mas nem sempre de forma evidente, a mortalidade no Verão pode tendencialmente ser menor ou maior em função do que sucedeu no Invermo anterior. Desse modo, será expectável que, se o Inverno for muito mortífero, o Verão será "ameno", ou se o Inverno for "ameno", o Verão estará mais sujeito a um incremento de mortes, sobretudo se surgirem ondas de calor.

Enfim, isto apenas para salientar que tudo está interligado, de modo que, geralmente, a variação da mortalidade ao longo do ano apresenta um perfil em U largo, com a mortalidade em redor dos 350 em Dezembro e Janeiro (picos de mortalidade) e com os meses menos mortíferos em Julho a Setembro (excepto com raros picos por via de ondas de calor).

Ora, analisando o perfil da mortalidade diária em todos os anos desde 2009 verifica-se tudo aquilo que acima descrevi. Sem tirar nem pôr. Em 2020 tudo foi diferente.

Com efeito, embora o mês de Janeiro de 2020 tenha tido uma mortalidade diária acima dos 350 óbitos em alguns dias, o surto gripal não foi particularmente agressivo (comparando com o ano anterior, de 2019, confirmando-se o que acima referi). O aparecimento da covid veio trazer um acréscimo inusitado da mortalidade em Março e Abril. Porém, este "mal" deveria ter tido uma consequência "boa": aquilo que seria expectável a seguir era uma diminuição MUITO substancial da mortalidade durante o Verão, sobretudo porque a covid esteve quase ausente entre Junho e Setembro.

Contudo, tal não aconteceu: o Verão de 2020 foi de longe o mais mortífero de que há registo, não sendo (como o INSA já salientou) justificável pelo tempo quente. Não houve nenhum dia com menos de 250 óbitos (abaixo, portanto, da linha verde) e grande parte dos dias esteja acima dos 300 óbitos dias. Reparem que há vários anos, no período em análise, em que não existe nenhum dia com mais de 300 óbitos.

Por fim, também não era expectável, e nem sequer justificável pelos números de vítimas por covid, que a partir de Outubro surgisse um novo acréscimo de mortalidade, assim tão elevado, sobretudo pelo que se passara nos nove meses anteriores, até porque uma das principais causas de mortes (doenças respiratórias) esteve em declínio, por força da diminuição para metade das infecções respiratórias. Ou seja, seria expectável que em Outubro o número potencial de mortes fosse menor, porque os meses anteriores tinham "ceifado" os mais vulneráveis.

Por essa via, o acréscimo de mortes a partir de Outubro parece-me completamente "contra-natura", e evidencia, para quem quiser abrir os olhos, um preocupante sinal de colapso no SNS - isto é, morreu-se anormalmente mais de outras doenças -, sobretudo porque se acentuou um perfil de mortalidade completamente atípico. Aliás, sinal de que a "culpa" não é directamente do SARSC-CoV-2 observa-se no aumento percentual superior aos óbitos registados em casa ou noutro lugar em relação ao que se registou em meio hospitalar. Pior ainda: registamos quatro períodos em 2020 (o último dos quais a prolongar-se por 2021 adentro) com mais de 350 óbitos diários. Uma coisa nunca vista!

Esta é uma análise curta e simples daquilo que vejo com os poucos dados que possuo. A DGS tem e pode ter mais dados para outro tipo de análises, e para confirmar (ou desmentir) que estamos perante uma perigosíssima calamidade de Saúde Pública que nada a ver com a covid em si, mas tão-só com a estratégia seguida. Manter a estratégia de TUDO PARA A COVID deu um péssimo resultado nos últimos nove meses. Prolongar isto pelos meses que se seguem será um verdadeiro desastre. Eu não tenho medo da covid, mas começo a ter mesmo muito medo do resto, E o resto é, na verdade, TUDO.















1 comentário:

  1. É de louvar o seu trabalho. Aprecio especialmente os gráficos que vai produzindo.

    Bem haja.

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