terça-feira, 31 de março de 2020

DOS EFEITOS COLATERAIS DA COVID

Obviamente é um mero exercício (muito, muito) simplista, mas é o que dá estar em quarentena. Os efeitos do estado de emergência parece estar a reduzir, compreensivelmente, a letalidade da sinistralidade rodoviária, mas não os acidentes de trabalho. Os homicícios também diminuíram, e até agora o isolamento (e as dificuldades financeiras) não tem feito disparar os eventuais suicídios (pelo menos não estão acima de Janeiro... o Ano Novo não é bom conselheiro para gente deprimida).


DA IRRESPONSABILIDADE

Marcelo Rebelo de Sousa é, desde que se tornou Presidente da República, mais do que um simples cidadão. É, do ponto de vista constitucional, uma instituição. Tem direitos e deveres reforçados, o que lhe impõe até limites de cidadania. Por exemplo, para se ausentar do país, em tempos normais, tem até de pedir autorização formal do Parlamento. Obviamente, está subjacente em tudo isto, com maior ou menor formalismo, a protecção física da instituição Presidente da República. Por isso mesmo, mostra-se um absurdo que Marcelo Rebelo de Sousa, que não se pode esquecer que é Presidente da República, ande em tempos de pandemia a fazer comprinhas no supermercado de Cascais, como sucedeu neste domingo, ainda mais estando ele integrado num grupo de risco. Ninguém as pode fazer por ele? Não há serviços da Presidência que o alimentem? E, já agora, a OMS e a própria DGS não desaconselham o uso de máscaras para quem não está infectado? Isto é só parvoíce ou apenas uma grande irresponsabilidade?


5º BOLETIM DO ACRÉSCIMO DE MORTALIDADE

Alerta-se para o facto de a DGS ter vindo a rectificar o número de óbitos da última semana, que sofreram assim um acréscimo. Relativamente ao meu boletim anterior, o dia 29 tinha inicialmente um registo de 301 óbitos e passou agora para 342.

Com base nos registos de 30 de Março da mortalidade geral (325 óbitos) e por covid-19 (mais 20 óbitos, passando assim para 160), estimo assim um acréscimo na mortalidade não explicada pela covid-19 de 553 óbitos (que confronta com 492 óbitos ontem). Este valor tem em conta os 160 óbitos por covid-19, de acordo com os dados da DGS.
O acréscimo de mortalidade não explicada é, para o período em análise, de cerca de 37 óbitos por dia na segunda quinzena de Março, um ligeiro aumento em relação ao dia de ontem (35 óbitos por dia).
Analisando o histórico da mortalidade na última década, os valores da desde 16 de Março são elevados para o período em análise (em média por dia mais 9,74% comparativamente à primeira quinzena de Março), mas ainda inferiores aos surtos de gripes (como na época de 2011/12, 2014/15 e 2016/2017), já que, nestes casos se ultrapassaram os 400 óbitos por dia. Nessa linha, a situação será considerada preocupante se os óbitos subirem, por dia, acima de 400. Aparenta existir uma estagnação no acréscimo de mortes não explicadas, o que pode, nesta fase, ser um sinal positivo dentro do cenário actual, mas continua a dar alguns sinais de preocupação.
Os pressupostos desta análise constam no primeiro boletim.
Mortalidade registada no período 16mar-30mar (15 dias)
2020: 5.072 óbitos (338 por dia, mais 2 do que o período 16mar-29mar);
2019: 4.659 óbitos (311 por dia, igual ao período 16mar-29mar);
Últimos 10 anos: 4.652 óbitos (310 por dia, menos 1 do que o período 16mar-29mar).

Mortalidade registada no período 1mar-15mar
2020: 4.622 óbitos (308 por dia)
2019: 4.980 óbitos (332 por dia)
Últimos 10 anos: 4.983 óbitos (332 por dia)

Variação diária efectiva (%) entre 16mar-30mar e 1mar-15mar
2020: +9,74%
2019: -6,45%
Últimos 10 anos: -6,64%

Mortalidade expectável 16mar-30mar2020: 4.359 (291 por dia)
Ano da última década com menor mortalidade média 16mar-30mar ---> 2014: 291 óbitos por dia

ESTIMATIVA DO ACRÉSCIMO DE MORTALIDADE EM 2020 NO PERÍODO 16mar-30mar: 713 óbitos (48 por dia)
ÓBITOS OFICIAIS POR COVID-19 NO PERÍODO 16mar-30mar: 160 óbitos (11 por dia)
ESTIMATIVA DE ÓBITOS NÃO EXPLICADOS NO PERÍODO 16mar-30mar: 553 óbitos (37 por dia)

segunda-feira, 30 de março de 2020

DOS IMPACTES DA COVID



Em termos de ambiente têm surgido notícias de melhorias assinaláveis. Pena não as pudermos usufruir...


DOS EFEITOS RELATIVOS DA COVID-19

Fiz um exercício simples de padronizar a mortalidade da covid-19 para a dimensão de Portugal, isto é, óbitos por 10 milhões de habitantes, excluindo os países com menos de 1 milhão de habitantes. À escala mundial registam-se 45 mortes por 10 milhões de habitantes. A situação então é a seguinte nos 20 "piores":
1 - Itália - 1.780
2 - Espanha - 1.570
3 - Holanda - 500
4 - Bélgica - 440
5 - França - 400
6 - Suíça - 380
7 - Irão - 330
8 - Reino Unido -180
9 - Portugal - 140
9 - Suécia - 140
11 - Dinamarca - 130
12 - Áustria - 120
13 - Irlanda - 90
14 - Estados Unidos - 80
15 - Alemanha - 70
16 - Noruega - 60
16 - Panamá - 60
18 - Eslovénia - 50
18 - Chipre - 50
20 - Grécia - 40

4º BOLETIM DO ACRÉSCIMO DE MORTALIDADE

Alerta-se para o facto de a DGS ter vindo a rectificar o número de óbitos da última semana, que sofreram assim um acréscimo. Relativamemnte ao meu boletim anterior, o dia 28 tinha inicialmente um registo de 317 óbitos e passou agora para 327.

Com base nos registos de 29 de Março da mortalidade geral (301 óbitos) e por covid-19 (19 óbitos), estimo assim um acréscimo na mortalidade não explicada pela covid-19 de num total de 492 óbitos (que confronta com 519 óbitos ontem). Este valor tem em conta os 140 óbitos por covid-19, de acordo com os dados da DGS. O acréscimo de mortalidade não explicada é, para o período em análise, de cerce de 38 óbitos por dia, uma redução em relação ao dia de ontem (40 óbitos por dia).

Analisando o histórico da mortalidade na última década, os valores da desde 16 de Março são elevados para o período em análise, mas ainda inferiores aos surtos de gripes (como na época de 2011/12, 2014/15 e 2016/2017), já que, nestes casos se ultrapassam os 400 óbitos. Nessa linha, a situação será considerada preocupante se os óbitos subirem,por dia, acima de 400. A redução na média diária de óbitos não explicada pelo covid-19, acompanhada por uma ligeira redução na mortalidade no dia de ontem, é uma boa notícia, mas a acompanhar em função dos próximos dias e de eventuais rectificações da DGS.
Os pressupostos desta análise constam no primeiro boletim.
Mortalidade registada no período 16mar-29mar (14 dias)
2020: 4.706 óbitos (336 por dia, menos 2 do que o período 16mar-28mar);
2019: 4.352 óbitos (311 por dia, mais 4 do que o período 16mar-28mar);
Últimos 10 anos: 4.355 óbitos (311 por dia, menos 1 do que o período 16mar-28mar).

Mortalidade registada no período 1mar-15mar
2020: 4.622 óbitos (308 por dia)
2019: 4.980 óbitos (332 por dia)
Últimos 10 anos: 4.983 óbitos (332 por dia)

Variação diária efectiva (%) entre 16mar-29mar e 1mar-15mar
2020: +9,09%
2019: -6,37%
Últimos 10 anos: -6,36%

Mortalidade expectável 16mar-29mar2020: 4.074 (291 por dia)
Ano da última década com menor mortalidade média 16mar-29mar ---> 2014: 291 óbitos por dia
ESTIMATIVA DO ACRÉSCIMO DE MORTALIDADE EM 2020 NO PERÍODO 16mar-29mar: 632 óbitos (45 por dia)
ÓBITOS OFICIAIS POR COVID-19 NO PERÍODO 16mar-29mar: 140 óbitos (10 por dia)
ESTIMATIVA DE ÓBITOS NÃO EXPLICADOS NO PERÍODO 16mar-29mar: 492 óbitos (35 por dia)

domingo, 29 de março de 2020

DO ANDAR A DORMIR... ou a negra realidade italiana pré-covid

Vamos ser, mais uma vez, claros, e apresentemos mais números. Tem de ser, porque parece que agora haver 100 mortes é mais grave do que haver 5.000 mortes em anos anteriores (estou a exagerar propositadamente).
Ora, devemos fazer uma pergunta: a situação na Itália, com mais de 10 mil mortes por covid-19, é catastrófica? É, claro que sim! Mas então que acham destes valores de mortalidade por causa dos "corriqueiros" surtos gripais naquele país entre 2013/14 e 2016/17? Vejam em baixo e pensem se não se andou a dormir na forma...

(nota: artigo científico publicado em 2019, no International Journal of Infection Diseases, tendo colocado o abstract)
2013/14 - 7.027 óbitos
2014/15 - 20.259 óbitos
2015/16 - 15.801 óbitos
2016/17 - 24.981 óbitos

Total - 68.068 óbitos



3º BOLETIM DO ACRÉSCIMO DE MORTALIDADE

Alerta-se para o facto de a DGS ter vindo a rectificar o número de óbitos da última semana, que sofreram assim um acréscimo. Por exemplo, o dia 25 de Março tinha inicialmente um registo de 316 óbitos e passou agora para 350; o dia 26 de Março passou de 330 para 376; e o dia 27 de Março passou de 331 para 343.

Em parte devido a esta rectificação e face aos valores mais recentes, estimo assim um acréscimo na mortalidade não explicada pela covid-19 de num total de 519 óbitos (ontem era de 376) desde 16 de Março até 28 de Março. Este valor tem em conta os 119 óbitos por covid-19, de acordo com os dados da DGS. O acréscimo de mortalidade não explicada é, para o período em análise, de cerce de 40 óbitos por dia.

Analisando o histórico da mortalidade na última década, os valores da desde 16 de Março são elevados para o período em análise, mas ainda inferiores aos surtos de gripes (como na época de 2011/12, 2014/15 e 2016/2017), já que, nestes casos se ultrapassam os 400 óbitos. Nessa linha, a situação será considerada preocupante se os óbitos subirem,por dia, acima de 400.
Os pressupostos desta análise constam no primeiro boletim.
Mortalidade registada no período 16mar-28mar (13 dias)
2020: 4.395 óbitos (338 por dia, mais seis do que o período 16mar-27mar);
2019: 4.004 óbitos (307 por dia, menos 7 do que o período 16mar-27mar);
Últimos 10 anos: 4.050 óbitos (312 por dia, menos 2 do que o período 16mar-27mar).
Mortalidade registada no período 1mar-15mar
2020: 4.622 óbitos (308 por dia)
2019: 4.980 óbitos (332 por dia)
Últimos 10 anos: 4.983 óbitos (332 por dia)
Variação diária efectiva (%) entre 16mar-28mar e 1mar-15mar
2020: +9,72%
2019: -7,23%
Últimos 10 anos: -6,22%
Mortalidade expectável 16mar-28mar2020: 3.757 (289 por dia)
Ano da última década com menor mortalidade média 16mar-28mar ---> 2014: 291 óbitos por dia
ESTIMATIVA DO ACRÉSCIMO DE MORTALIDADE EM 2020 NO PERÍODO 16mar-28mar: 638 óbitos (49 por dia)
ÓBITOS OFICIAIS POR COVID-19 NO PERÍODO 16mar-28mar: 119 óbitos (9 por dia)
ESTIMATIVA DE ÓBITOS NÃO EXPLICADOS NO PERÍODO 16mar-28mar: 519 óbitos (40 por dia)

sábado, 28 de março de 2020

DOS VELHINHOS, DA GRIPE E DA COVID

Mais números. Desculpem, tem de ser. Para entender as coisas tem de ser. Para evitar pânicos e, sobretudo, corrigir procedimentos, agora e no futuro, porque sobre o passado eu vou mostrar-vos um bom (mau) exemplo. Hoje coloquei já aqui a evolução da mortalidade aquando da gripe sazonal de 2016-2017 entre Dezembro e Janeiro. Os valores nos picos foram assustadoramente elevados.
Pois bem, notem agora na evolução da mortalidade por faixa etária. Quase toda a mortalidade (e as subidas), que teve um contributo fundamental do surto gripal, se concentrou na faixa etária superior aos 75 anos. Nas outras faixas as variações foram, em termos absolutos, muito reduzidas, significando que a gripe não terá sido, para essas idades, muito letal.
No segundo gráfico podem também observar as médias móveis de 7 dias (que fiz para atenuar variações e mostrar tendências), identificando-se claramente dois períodos de ataque gripal. Só a partir de Fevereiro de 2017 os níveis de mortalidade para os maiores de 75 anos ficaram aos níveis habituais. Neste interim terão morrido (estimativas minhas) cerca de 3.700 idosos com mais de 75 anos apenas por causa da gripe (além daqueles que faleceram por outras doenças)! Explicarei a quem desejar o pressuposto para esta estimativa.
Fiz ainda mais uns cálculos. Quis saber qual a efectiva taxa de mortalidade no período entre Dezembtro de 2016 e Fevereiro de 2017, tendo em consideração as estimativas da população (para cada faixa etária) em 2016, segundo o INE. Contas feitas, eis qual foi a taxa de mortalidade nestes três meses afectados por um surto gripal:

Maiores de 75 anos - 2,44% (ou mais correctamente 24,4 óbitos por mil)
65-74 anos - 0,42% (ou 4,2 óbitos por mil)
< 65 anos - 0,06% (ou 0,6 óbitos por mil)

Por miúdos, significa isto que dos idosos com mais de 75 anos em finais de Novembro de 2016, 2,44% morreram até Fevereiro de 2017. É algo brutal!
A taxa de mortalidade neste período para os idosos com mais de 75 anos foi, muito por via de uma "simples" gripe, cerca de 6 vezes superior aos da faixa das pessoas com idade entre 65-74 anos e cerca de 40 vezes superior à da faixa de pessoas com menos de 65 anos.
Em suma, em surtos gripais os idosos são sempre particularmente sensíveis. São agora com a covid-19; são sempre também num surto gripal como o de 2016-2017.A diferença é que em 2016-2017 não fizemos absolutamente nada e agora estamos a fazer como se nunca esta situação tivesse sucedido.
Para que faço eu estas análises? Talvez sobretudo para reflectirmos sobre a estratégia que se deveria tomar em termos de saúde pública nuna sociedade que, como nunca, tem tantos idosos. E essa estratégia pode passar por, em vez do pânico, tomar sistemáticas medidas profilácticas especificamente para os idosos, sobretudo em períodos críticos, antecipando surtos (incluindo os surtos de gripe "comum"), e que não impliquem estados de emergência da dimensão mundial que assistimos, nem colapsos dos sistemas de saúde e da própria economia, como os que observamos em grande parte dos países, mesmo nos mais desenvolvidos.
 


DA GRIPE, DA COVID E DO PÂNICO

Alguém se lembra do que sucedeu em 2 de Janeiro de 2017? Não? De certeza? Pois,eu digo-vos o que sucedeu em 2 de Janeiro de 2017. Foi o dia mais letal em Portugal desde que existem registos diários consultáveis. Foram registados 578 óbitos apenas em 24 horas! O máximo da quinzena que estamos a viver, em plena covid-19, foi de 368 óbitos, no dia 24 de Março.
Ora, o que sucedeu então no dia 2 de Janeiro de 2017? Bom, foi "apenas" o pico de um "habitual" surto de gripe comum, nessa época um bocado mais agreste. Começou na segunda quinzena de Dezembro de 2016 e foi progressivamente piorando: na véspera do Natal alcançou-se quase 450 óbitos, cerca de uma centena de mortes a mais do que o habitual. A seguir agudizou-se, com o tal pico em 2 de Janeiro de 2017, e só se resolveu cerca de duas semanas mais tarde. Os relatórios da DGS e diversos estudos revelariam uma sobremaortalidade causada por esse surto de gripe da ordem dos quase 4.500 óbitos.
Isto para dizer que, felizmente, não estamos ainda nesta situação, mas temo que, se a covid-19 for mesmo tão má como tem sido "pintada", a situação possa tornar-se catastrófica, ou seja, que se supere em alguns dias os 500 óbitos no total (para todas as causas). No entanto, o que eu quero chamar a atenção é que passámos, toda a sociedade passou pelo gripe de 2016-2017 como cão por vinha vindimada. Não houve boletins diários da DGS, não houve estado de emergência, não houve quarentena, não houve actividades económicas paradas, não houve preocupações com lares de idosos, como a protecção de médicos e de doentes, e aceitámos uma mortalidade elevadíssima com completa indiferença.
Não estou, obviamente, a dizer que as medidas que estão a ser tomadas sejam excessivas. Estou apenas a dizer que, provavelmente, estamos agora a tomar medidas excepcionais para uma situação gravíssima porque, como sociedade, nunca nos preocupámos quando ocorrerm situações graves. Mas sobretudo gostava que se reflectisse sobre isto.

Nota: O gráfico que apresento é da evolução dos óbitos entre Dezembro de um ano e Janeiro do ano seguinte para 2016-17, para o ano de 2019-20 (a mais recente época gripal) e a média dos anos de 2009-10, 2010-11, 2011-12, 2013-14, 2015-16, 2017-18, 2018-19 e 2019-20.

2º BOLETIM DO ACRÉSCIMO DE MORTALIDADE /
Segundo relatório, considerando dados da Vigilância da Mortalidade da DGS:
Não observo grande variações no excesso de mortalidade relativamente a ontem, estimando uma acréscimo na mortalidade não explicada pela covid-19 de um total de 376 óbitos (ontem era de 376) desde 16 de Março até 27 de Março.
Analisando o histórico da mortalidade estamos ainda muito longe da situação da gripe sazonal de 2016-2017 que teve dias com mais de 500 óbitos. Analisarei com detalhe essa situação (que não deu parangonas) logo que me for possível. Os pressupostos desta análise constam no post de ontem.
Mortalidade registada no período 16mar-27mar (12 dias)
2020: 3.986 óbitos (332 por dia, igual ao período 16mar-26mar);
2019: 3.782 óbitos (315 por dia, mais 2 do que o período 16mar-26mar);
Últimos 10 anos: 3.756 óbitos (314 por dia, menos 1 do que o período 16mar-26mar).

Mortalidade registada no período 1mar-15mar
2020: 4.622 óbitos (308 por dia)
2019: 4.980 óbitos (332 por dia)
Últimos 10 anos: 4.983 óbitos (332 por dia)

Variação diária efectiva (%) entre 16mar-27mar e 1mar-15mar
2020: +7,80%
2019: -5,07%
Últimos 10 anos: -5,78%

Mortalidade expectável 16mar-27mar2020: 3.510 (293 por dia)
Ano da última década com menor mortalidade média 16mar-27mar ---> 2014: 291 óbitos por dia

ESTIMATIVA DO ACRÉSCIMO DE MORTALIDADE EM 2020 NO PERÍODO 16mar-27mar: 476 óbitos (40 por dia)
ÓBITOS OFICIAIS POR COVID-19 NO PERÍODO 16mar-27mar: 100 óbitos (8 por dia)
ESTIMATIVA DE ÓBITOS NÃO EXPLICADOS NO PERÍODO 16mar-27mar: 376 óbitos (31 por dia)

sexta-feira, 27 de março de 2020

DO COLAPSO DO SNS ou ADENDA MUITO PREOCUPANTE AO 1º BOLETIM

Regresso ao tema. Se há muita gente em pânico com o coronavírus, eu estou a começar a ficar mais preocupado com o impacte indirecto no sistema de saúde pública. Se os números oficiais da covid-19 estiverem correctos, então o SNS está a colapsar e a não dar satisfação aos cuidados de saúde dos mais idosos em geral, que, não morrendo de covid-19, estão a morrer de outras afecções. Os números da mortalidade nas faixas mais idosas começam a mostrar uma tendência muito assustadora!
Com efeito, estive agora a analisar a mortalidade por faixa etária e a comparar a primeira quizena de Março com o período 16mar-26mar, e confrontar com o ano passado (testarei com outros anos mais tarde).
Pois bem, o anormal acréscimo de mortalidade está quase todo concentrado na faixa dos maiores de 75 anos, o que não sendo surpreendente em si, é muito preocupante pela dimensão. Desde 16 de Março registaram-se 250 óbitos por dia de pessoas com mais de 75 anos, que confronta com 226 óbitos diários na primeira quinzena. Para este faixa etária, no ano passado registaram-se 237 óbitos diários na primeira quinzena, descendo depois para 217 óbitos por dia no período 16mar-26 mar.
Esta evolução muito preocupante para a faixa etária mais idosa (um acréscimo de mortalidade diária entre as duas quinzenas de 10,6% quando no ano passado se verificara um decréscimo 8,5%) não encontra paralelo com as outras faixas etárias que apresentando, em alguns casos, mesmo valores diários inferiores aos do ano passado. Por exemplo, na faixa etária dos 55-64 anos o período 16mar-26mar deste ano regista menor mortalidade (21 óbitos por dia) do que a registada na primeira quinzena de Março (24), o que parece revelar que a quarentena está a salvar vidas neste grupo (por via, porventura, da redução de acidentes no trabalho).

Nota: O gráfico tem o início da escala a partir dos 200 óbitos.

1º BOLETIM DO ACRÉSCIMO DE MORTALIDADE

Vou iniciar uma análise, previsivelmente diária, sobre as variações da mortalidade desde a segunda quinzena de Março. Para os cálculos utilizarei os dados da Vigilância da Mortalidade da DGS e considerarei os valores da mortalidade deste ano, do ano passado e do período (2010-2019, i.e., a média dos últimos 10 anos), considerando os valores dos períodos Janeiro-Fevereiro, primeira quinzena de Março e período a partir de 16 de Março. Para estimar a mortalidade que seria expectável a partir de 16 de Março no presente ano ter-se-á em conta a variação que se verificou nos outros dois períodos de referência entre a primeira quinzena de Março e o período em análise (no caso de hoje, o período de 16 de Março a 26 de Março). A título de exemplo, para o período em análise seria expectável que se verificasse uma redução de mortalidade entre 5,5% (média dos últimos 10 anos) e 5,6% (ano passado). 
A mortalidade expectável calcula-se em função da variação nos últimos 10 anos entre o período em análise e a primeira quinzena de Março. Se o valor alcançado por este cálculo for inferior ao valor médio mais baixo alcançado num dos anos da última década, optar-se-á por esse valor mínimo dos últimos 10 anos.

Assim, considerando os valores à data de 26 de Março, temos a seguinte situação:

Mortalidade registada no período 16mar-26mar
2020: 3.655 óbitos (332 por dia);
2019: 3.446 óbitos (313 por dia);
Últimos 10 anos: 3.452 óbitos (314 por dia).

Mortalidade registada no período 1mar-15mar
2020: 4.622 óbitos (308 por dia)
2019: 4.980 óbitos (332 por dia)
Últimos 10 anos: 4.983 óbitos (332 por dia)

Variação diária efectiva (%) entre 16mar-26mar e 1mar-15mar
2020: +7,83%
2019: -5,64%
Últimos 10 anos: -5,53%

Mortalidade expectável 16mar-26mar2020: 3.202 (291 por dia)
Ano da última década com menor mortalidade média 16mar-26mar ---> 2014: 291 óbitos por dia


ESTIMATIVA DO ACRÉSCIMO DE MORTALIDADE EM 2020 NO PERÍODO 16mar-26mar: 453 óbitos (41 por dia)

ÓBITOS OFICIAIS POR COVID-19 NO PERÍODO 16mar-26mar: 76 óbitos (7 por dia)

ESTIMATIVA DE ÓBITOS NÃO EXPLICADOS NO PERÍODO 16mar-26mar: 377 óbitos (34 por dia)

NOTA: Depois de ontem ter feito um post sobre o anormal acréscimo da mortalidade em Portugal nesta segunda quinzena de Março, tenho recebido vários comentários questionando sobre a validade de atribuir este fenómenos directamente ao covid-19. Efectivamente, pode bem suceder que este acréscimo se deva a outros factores, ou seja, as mortes não são provocadas pelo coronavírus, podendo ser devido, por exemplo, ao facto de as pessoas com outras afecções não se dirigirem aos hospitais e acabarem assim por morrer. Ora, embora eu considere que o acréscimo seja demasiado elevado para não ser atribuído em grande parte ao covid-19, na verdade considero muito preocupante que as autoridades de Saúde não se preocupem com estes números. Com efeito, se este acréscimo (superior a 40 mortes) não se deve ao covid-19 (que ontem oficialmente contribuiu com 13 mortes), então a outros factores serão.E cabe às autoridades de Saúde tomar medidas para conter esses eventuais factores. Porque, na verdade, nem só de covid-19 pode viver um sistema de saúde pública.

quinta-feira, 26 de março de 2020

ACREDITEM: A MORTALIDADE DA COVID-19 É BEM SUPERIOR

ACREDITEM: A MORTALIDADE DO COVID-19 É BEM SUPERIOR / Bem sei que este post vai ser pouco lido. Também bem sei que, mais tarde ou mais cedo, a imprensa acordará e começará então a ter um olhar mais crítico sobre o «boletim diário» sobre o covid-19. Em todo o caso, aqui vai o alerta: as mortes por covid-19 em Portugal pecam por defeito. E muito. Na verdade, aqui em baixo explico como tenho a convicção, para não dizer a certeza, de já terem morrido por esta doença mais de 300 pessoas no nosso país.
Vamos à sustentação, baseando-me nos dados oficiais da Vigilância da Mortalidade da DGS (evm.min-saude.pt), que contabiliza os óbitos por dia em todo o país, permitindo assim comparações com os anos anteriores, desde 2009. Há dias já fizera uma breve análise, mas desta vez refinei a análise, considerando três períodos: Janeiro-Fevereiro (60 dias); primeira quinzena de Março (1-15 de Março); o período entre 16 e 25 de Março (10 dias).

Conforme podem confirmar nos quadros em anexo, Janeiro-Fevereiro de 2020 foi um período particularmente pouco mortífero em comparação com o ano de 2019 e a média de 2010-2019, tendo-se registado, respectivamente, menos 2.440 (-10,2%) e menos 667 óbitos (-3,0%). Estes números indicam assim que, para os primeiros 60 dias do ano de 2020 registou-se uma média de 358 óbitos diários, que contrasta com 399 óbitos diários em 2019 e 369 óbitos diários no período 2010-2019.

O mês de Março, sendo já período com meteorologia menos agreste, apresenta geralmente uma mortalidade inferior à dos dois meses anteriores. E a segunda quinzena de Março é, por regra, menos mortífera do que a primeira. Com efeito, na primeira quinzena de Março tanto de 2019 como do período 2010-2019 morreram, em média, 332 pessoas por dia, descendo para 314 e 315 óbitos diários entre 16 e 25 de Março.

E é aqui que está o problema; o grande problema como o nosso tenpo presente. E daí com o covid-19. De facto, seguindo a tendência dos meses anteriores, a primeira quinzena de Março de 2020 foi também menos mortífera em comparação com os anos anteriores, registando menos 7,2% de óbitos em confronto com 2019 e a média de 2010-2019. Porém, de uma forma claramente abrupta, mas consistente, a partir do dia 16 de Março, o ano de 2020 passa a deter uma mortalidade inusitada. Conforme se pode observar no quadro em baixo, analisando este período de 10 dias, o presente ano regista mais 6,1% e 5,6% de óbitos em comparação, respectivamente, com 2019 e o período 2010-2019. Ou seja, de repente, passa de pouco mortífero para muito mortífero.

Ora, sendo expectável que se registe – e é isso que se observa estatisticamente – uma redução na mortalidade de cerca de 4,5% entre a primeira e a segunda quinzena de Março, então seria expectável, face aos óbitos da primeira quinzena, que no período entre 16 e 25 de Março deste ano se registassem 2930 óbitos. Contudo, a DGS indica a ocorrência de 3.325 óbitos. Tendo em consideração que oficialmente morreram 60 pessoas com covid-19 entre 16 e 25 de Março, há assim um acréscimo anómalo de 335 mortes. Anómalo ainda mais sabendo-se que as condições de qualidade do ar (que tantas mortes causam) e de mortalidade associada ao tráfego e ao trabalho se reduziram em virtude da quarentena. Portanto, se este acréscimo elevado (cerca de 33 pessoas a mais por média diária) não for por covid-19 de «rabo escondido», convinha então que a DGS investigasse. Pode sempre haver outro vírus à solta e não sabermos.

Por fim, acrescento que não estou a dizer que as autoridades de saúde estejam a mentir. Estarão, provavelmente, sim, a não fazer muito esforço para dizer a verdade. Se as pessoas morrem de covid-19 mas não se faz a despistagem na autópsia, nunca serão contabilizadas como vítimas do vírus. E ficamos com uma estatísticas mais bonitas. Mas essas pessoas morreram à mesma, claro.




quarta-feira, 25 de março de 2020

DAS FASES

Passar da fase da contenção da covid-19 para a fase da mitigação não significa nenhum evolução positiva. Significa apenas que estamos quase na fase da “puta da confusão”.

terça-feira, 24 de março de 2020

DA REALIDADE DOS NÚMEROS

O boletim diário sobre o covid-19 em Portugal (e no Mundo), apesar de aparentar rigor numérico, jamais conseguirá apurar a verdadeira dimensão dos efeitos desta pandemia. Por razões compreensíveis, uma parte das mortes diárias (em Portugal rondam as 300) podem muito bem estar a ser causadas pelo vírus sem passar pelo sistema hospitalar (e sem assim haver certidão de óbito com despistagem do coronavírus), como aliás sucedeu há 10 anos com o H1N1 e como a própria Alemanha admite neste momento para o covid-19. Conseguir-se-á, sim, saber a extensão da mortalidade por métodos indirectos, um dos quais será a variação da mortalidade.


Pois bem, fiz agora uns breves cálculos para comparar a mortalidade em Portugal desde Janeiro de 2020 com o período homólogo anterior e com a média dos últimos 10 anos (2010-2019), mas depois também «fraccionei» o ano em dois períodos (entre 1 de Janeiro a 8 de Março; e entre 9 de Março e 23 de Março, ou seja, os últimos 15 dias - vd. nota em baixo).

Como podem observar nos quadros em baixo, a mortalidade desde 1 de Janeiro é bastante mais baixa do que a do ano passado (-8,6%), devido a um inverno menos rigoroso, sendo ainda mais reduzida no período 1/1-8/3 (-10,4%). Em comparação com a média dos últimos 10 anos, 2020 regista nestes dois períodos também menos óbitos (-3,2% e -4,0%, respectivamente nos dois períodos em causa).
Porém, observa-se uma significativa alteração quando se observa o período posterior a 8 de Maraço. Com efeito, nos últimos 15 dias, de forma abrupta, o ano de 2020 passa a ser mais mortífero: mais 1,5% do que em 2019 e mais 1,1% em relação à média dos últimos 10 anos. A variação em termos absolutos é maior do que a dos óbitos oficiais por covid-19. E reitere-se: o ano de 2020, antes destas duas últimas semanas estava a ser bastante menos mortífero.

Ou seja, garantir que morreram já mais do que 33 pessoas por covid-19 em Portugal será sempre uma especulação. Mas uma especulação com uma elevada probilidade de ser verídica.

Nota: Como 2020 é ano bissexto (tal como foi 2012 e 2016), o dia 29 de Fevereiro compara, neste caso) com o dia 1 de Março dos anos não-bissextos, e assim sucessivamente. Deste modo, para os anos não bissextos, o último dia desta análise é o dia 24 de Março dos anos não-bissextos compara com o dia 23 de Março dos anos bissextos. Os dados foram recolhidos do sistema de Vigilância da Mortalidade da DGS.



terça-feira, 3 de março de 2020

O QUE NOS DIZEM AS MORTES PELO VÍRUS SOBRE A QUALIDADE DOS SISTEMAS DE SAÚDE NO MUNDO?

Artigo de opinião no Público (edição de 3 de Março de 2020)

Após semanas de expectativa, que mais não fizeram que alimentar um pânico crescente, Portugal confronta-se finalmente com a “ameaça” do coronavírus no seu território. Porém, a confirmação, por agora, de dois casos positivos de Covid-19 – que seria sempre uma inevitabilidade, desde que o vírus “entrou” na Europa, e num espaço sem fronteiras – pode servir também para avaliarmos o nosso sistema de saúde e, porventura, as políticas de saúde pública. É certo que não deveríamos precisar de vírus letais para confirmar se os investimentos e os gastos públicos em saúde são eficazes e eficientes, mas em situações críticas, além de salvar pessoas, deveremos perder algum tempo a aferir o quão longe estamos de uma situação, não direi perfeita, mas adequada. Até porque isso também salvará vidas no futuro, ou as prolongará com qualidade.

De facto, e sem a presença do Covid-19, a gripe “comum” é um importante risco de saúde pública em Portugal. De acordo com os dados do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, na época 2018-2019, e com uma actividade de “intensidade moderada”, a gripe causou 3331 óbitos, representando um excesso de mortalidade de cerca de 2800 pessoas. Acresce uma média diária de 16 mortes e 80 internamentos por pneumonia, que pode surgir no decurso de gripe. É este, em traços gerais e aparecendo aqui como indicadores, o estado de situação do país antes de qualquer “estado de sítio” causado por Covid-19.

Nos próximos dias, por certo, virão os responsáveis políticos garantir que o país está preparado para um surto de Covid-19, mas também será certo que, se a situação descambar, também aparecerão as justificações sobre as dificuldades em situações de catástrofe. Ora, é aqui que reside uma questão basilar: se os surtos, as pandemias e as epidemias podem ser imprevisíveis, um sistema de saúde que, à partida, tenha níveis de qualidade superior em situações ditas normais terá maior capacidade de adaptação e de resposta eficaz em situações anormais.

Com efeito, ainda que possa ser prematuro traçar indicadores definitivos enquanto uma pandemia se mantém activa, mostra-se relevante aferir os níveis de incidência e a taxa de mortalidade do Covid-19 nos diferentes países e confrontá-los com a qualidade dos seus serviços de saúde em situação corrente. Assim, excluindo o cruzeiro Diamond Princess – que a OMS contabiliza separadamente –, neste momento existem dez países e territórios com mais de uma centena de casos: seis asiáticos (China, Coreia do Sul, Irão, Japão, Singapura e Hong Kong) e quatro europeus (Itália, Alemanha, França e Espanha). Compreensivelmente, a taxa de incidência na Ásia, sobretudo em redor da China, é muito mais elevada, porque na Europa os primeiros casos são de Fevereiro, mas quando se analisam as taxas de mortalidade (sem correcção), cuja média actual é de 3,4%, observam-se situações muitíssimo distintas. Por exemplo, enquanto na China essa taxa atinge os 3,6% e no Irão os 4,4% (que se agravará, por certo, tendo em conta que foram contabilizados cerca de 500 novos casos nos últimos dias), na Coreia do Sul apenas se atinge 0,6% (26 mortes em 4335 casos, i.e., poucas mortes num país onde a taxa de incidência até é superior à da China), e não se registaram ainda mortes em Singapura (108 casos). No Japão, com 239 casos detectados desde Janeiro, a taxa de mortalidade é de 2,2% e em Hong Kong de 2%, já ligeiramente inferior à da Itália (2,4%), onde os primeiros casos são da segunda quinzena de Fevereiro.

Ora, mesmo ainda havendo muito a desvendar do “comportamento” do Covid-19, não se pode julgar que estes resultados são fruto de um acaso ou de caprichos virais. Se se confrontar estas taxas de mortalidade com os dados relativos à Saúde do Índice de Prosperidade do Legatum Institut, as diferenças apontadas deixam de ser surpreendentes. De facto, a Singapura é o país com melhores indicadores de Saúde, que incluem atributos relacionadas com acesso e qualidade de tratamentos médicos, sendo que Singapura, Japão, Coreia do Sul e Hong Kong ocupam também as seis primeiras posições a nível mundial. O Irão, que tem a mais elevada taxa de mortalidade por Covid-19, ocupa a 88.ª posição, enquanto a Itália é 17.º e a China 21.º. O facto de Portugal estar apenas na posição 30 nos indicadores de Saúde do Índice de Prosperidade não deve ser motivo para pânico em relação ao Covid-19. Talvez devesse, sim, ser motivo de indignação em tempos normais, uma vez que, provavelmente, um melhor desempenho das políticas públicas de saúde nos elevasse nos rankings mundiais de Saúde e se evitasse, também por isso, umas quantas mortes e sofrimento nas épocas normais, quer para a gripe normal, quer para outras muitas maleitas.