sábado, 28 de março de 2020

DOS VELHINHOS, DA GRIPE E DA COVID

Mais números. Desculpem, tem de ser. Para entender as coisas tem de ser. Para evitar pânicos e, sobretudo, corrigir procedimentos, agora e no futuro, porque sobre o passado eu vou mostrar-vos um bom (mau) exemplo. Hoje coloquei já aqui a evolução da mortalidade aquando da gripe sazonal de 2016-2017 entre Dezembro e Janeiro. Os valores nos picos foram assustadoramente elevados.
Pois bem, notem agora na evolução da mortalidade por faixa etária. Quase toda a mortalidade (e as subidas), que teve um contributo fundamental do surto gripal, se concentrou na faixa etária superior aos 75 anos. Nas outras faixas as variações foram, em termos absolutos, muito reduzidas, significando que a gripe não terá sido, para essas idades, muito letal.
No segundo gráfico podem também observar as médias móveis de 7 dias (que fiz para atenuar variações e mostrar tendências), identificando-se claramente dois períodos de ataque gripal. Só a partir de Fevereiro de 2017 os níveis de mortalidade para os maiores de 75 anos ficaram aos níveis habituais. Neste interim terão morrido (estimativas minhas) cerca de 3.700 idosos com mais de 75 anos apenas por causa da gripe (além daqueles que faleceram por outras doenças)! Explicarei a quem desejar o pressuposto para esta estimativa.
Fiz ainda mais uns cálculos. Quis saber qual a efectiva taxa de mortalidade no período entre Dezembtro de 2016 e Fevereiro de 2017, tendo em consideração as estimativas da população (para cada faixa etária) em 2016, segundo o INE. Contas feitas, eis qual foi a taxa de mortalidade nestes três meses afectados por um surto gripal:

Maiores de 75 anos - 2,44% (ou mais correctamente 24,4 óbitos por mil)
65-74 anos - 0,42% (ou 4,2 óbitos por mil)
< 65 anos - 0,06% (ou 0,6 óbitos por mil)

Por miúdos, significa isto que dos idosos com mais de 75 anos em finais de Novembro de 2016, 2,44% morreram até Fevereiro de 2017. É algo brutal!
A taxa de mortalidade neste período para os idosos com mais de 75 anos foi, muito por via de uma "simples" gripe, cerca de 6 vezes superior aos da faixa das pessoas com idade entre 65-74 anos e cerca de 40 vezes superior à da faixa de pessoas com menos de 65 anos.
Em suma, em surtos gripais os idosos são sempre particularmente sensíveis. São agora com a covid-19; são sempre também num surto gripal como o de 2016-2017.A diferença é que em 2016-2017 não fizemos absolutamente nada e agora estamos a fazer como se nunca esta situação tivesse sucedido.
Para que faço eu estas análises? Talvez sobretudo para reflectirmos sobre a estratégia que se deveria tomar em termos de saúde pública nuna sociedade que, como nunca, tem tantos idosos. E essa estratégia pode passar por, em vez do pânico, tomar sistemáticas medidas profilácticas especificamente para os idosos, sobretudo em períodos críticos, antecipando surtos (incluindo os surtos de gripe "comum"), e que não impliquem estados de emergência da dimensão mundial que assistimos, nem colapsos dos sistemas de saúde e da própria economia, como os que observamos em grande parte dos países, mesmo nos mais desenvolvidos.
 


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