sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

DO CONTO DE NATAL COMO PARTE DA ANTOLOGIA "A GRANDE NARRATIVA"

Há toda uma narrativa, já enraizada no Povo, pela Imprensa e Governo, de ter sido o Natal e o Ano Novo que fizeram disparar em Janeiro os casos positivos, os internamentos e as mortes. 

Ou seja, a culpa foi exclusivamente das pessoas e dos seus encontros familiares e com amigos, e não é culpa da natureza de um vírus sazonal, nem é culpa dos contactos nos transportes ou no emprego, nem é culpa do Governo que não soube equipar o SNS com meios necessários para uma doença que, pelos protocolos impostos, necessitava de um reforço de meios para este Inverno.

Bem se sabe que a transmissão do SARS-CoV-2 é maior do que as de outros agentes infeciosos. Porém, também é certo que, nos outros Invernos e nos outros Natais e festividades do Ano Novo, as pessoas tiveram incomensuravelmente uma muitíssimo maior proximidade, o que deveria, se assim fosse líquido, ter desencadeado nas semanas seguintes muiíssimas mais infecções, e portanto muito mais gripes e outras infecções respiratórias.

Será sempre assim? Fui ver. E a resposta é. não!

Peguei nos registos do SNS das gripes e outras infecções respiratórias do dia 23 de Dezembro dos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, comparando-os com o dia 14 de Janeiro do ano seguinte.

No período 2020-2021, embora com níveis muito mais baixos, é certo que as infecções respiratórias aumentaram. Porém, nos anos 2016-2017, 2017-2018 e 2019-2020, os casos de infecção respiratória em 14 de Janeiro eram inferiores aos registados na antevéspera do Natal anterior. Em 2018-2019 aumentaram, mas não me parece que tenha existido comportamentos diferentes das pessoas durante as festividades, Sucedeu assim porque, enfim, não se controla tudo, mesmo sabendo que existe uma sazonalidade nas infecções respiratórias, não se podendo determinar uma causa directa entre Natal/Ano Novo e aumento de infecções respiratórias.

Em suma, a ideia enraizada do Natal e Ano Novo terem feito disparar as infecções respiratórias, e, por dedução, os casos positivos de covid, carece de evidência. Mas faz já parte da Grande Narrativa de culpabilização dos portugueses.

Fonte: Monitorização da Gripe e Outras Infecções Respiratórias (SNS, aqui).

2 comentários:

  1. "Bem se sabe que a transmissão do SARS-CoV-2 é maior do que as de outros agentes infeciosos."

    Esta afirmação precisa ser fundamentada; parece-me incorrecta, pelo que passo a explicar.

    A "transmissão" do SARS-CoV-2 é teoricamente igual à dos outros vírus: nenhum tem asas nem outros meios próprios de locomoção, por isso estão dependentes de factores externos, os quais são regidos pelas leis da Física. Assim, teoricamente, este vírus será transmitido da mesma forma que qualquer outro cujas partículas infecciosas tenham aproximadamente as mesmas dimensões e massa. Disse "teoricamente" porque se trata de um ponto verificável empiricamente mas que, tanto quanto sei, ainda não foi verificado.

    Possivelmente, o que o autor pretendia dizer é que o "contágio" é maior. Mas mesmo este conceito não resolve tudo, pois ele próprio resulta de vários factores de que vou destacar apenas dois, quiçá os mais importantes.

    Por um lado, o contágio depende de uma coisa que grosseiramente caracterizo como a quantidade de partículas infecciosas _emitidas_ por um doente por unidade de tempo e durante quanto tempo. Estes dois aspectos, a "velocidade" e o tempo durante o qual um doente emite partículas infecciosas, têm consequências epidemiológicas distintas, sobre as quais não vou elaborar agora, porque não vêm a propósito. O que cabe realçar é que o contágio depende da "quantidade" de partículas infecciosas _emitidas_ por cada paciente e não da sua transmissão/transporte pela acção dos factores externos que a operam (admitindo-se, razoavelmente, que essa quantidade está muito abaixo da saturação do meio de transporte; saturação que, naturalmente, condiciona a transmissão: qualquer canalizador sabe que não adianta ligar uma torneira à rede da água com um cano mais largo porque isso não aumentaria o caudal da dita torneira, que é condicionado pelo calibre da canalização da rede; o caudal da torneira só pode aumentar até à "saturação", isto é, até esgotar a capacidade da canalização da rede).

    Por outro lado, o contágio depende de características do "contagiado": tem capacidade de defesa contra o vírus e outras agressões externas (complemento, macrófagos,...), tem alguma condição que lhe cause imunodeficiência, já contactou com o vírus e tem anticorpos contra ele, tem "memória imunitária" inespecífica desenvolvida por contacto com vírus semelhantes, etc. Quando se trata de um vírus "novo", é natural que a maioria destes sistemas de imunidade adquirida não estejam presentes e portanto, ao nível da população, haverá uma elevada proporção de indivíduos contagiados em condições (atenção, o que vem a seguir é importante!) comparáveis de "quantidade" de partículas infecciosas no seu ambiente. Em suma, também do ponto de vista do "receptor" do contágio não me parece que tenha sido demonstrada uma maior "sensibilidade" (digamos assim) que não resulte, apenas, do desconhecimento, pelo sistema imunitário, de um agente infeccioso novo. Quero eu dizer: em situação endémica, depois de algum tempo de contacto das populações humanas com este vírus, depois de o mesmo ter interagido com o sistema imunitário da generalidade da população, está será mais ou menos susceptível a ser infectada por este vírus do que por qualquer outro de dimensões e massa análoga e com a mesma "quantidade" de partículas infecciosas em circulação?

    Em resumo, talvez fosse mais correcto dizer que o contágio do SARS-CoV-2 parece ser, no estado actual da epidemia, maior do que o de outros agentes infecciosos semelhantes.

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  2. "Bem se sabe que a transmissão do SARS-CoV-2 é maior do que as de outros agentes infeciosos."

    Esta afirmação precisa ser fundamentada; parece-me incorrecta, pelo que passo a explicar.

    A "transmissão" do SARS-CoV-2 é teoricamente igual à dos outros vírus: nenhum tem asas nem outros meios próprios de locomoção, por isso estão dependentes de factores externos, os quais são regidos pelas leis da Física. Assim, teoricamente, este vírus será transmitido da mesma forma que qualquer outro cujas partículas infecciosas tenham aproximadamente as mesmas dimensões e massa. Disse "teoricamente" porque se trata de um ponto verificável empiricamente mas que, tanto quanto sei, ainda não foi verificado.

    Possivelmente, o que o autor pretendia dizer é que o "contágio" é maior. Mas mesmo este conceito não resolve tudo, pois ele próprio resulta de vários factores de que vou destacar apenas dois, quiçá os mais importantes.

    Por um lado, o contágio depende de uma coisa que grosseiramente caracterizo como a quantidade de partículas infecciosas _emitidas_ por um doente por unidade de tempo e durante quanto tempo. Estes dois aspectos, a "velocidade" e o tempo durante o qual um doente emite partículas infecciosas, têm consequências epidemiológicas distintas, sobre as quais não vou elaborar agora, porque não vêm a propósito. O que cabe realçar é que o contágio depende da "quantidade" de partículas infecciosas _emitidas_ por cada paciente e não da sua transmissão/transporte pela acção dos factores externos que a operam (admitindo-se, razoavelmente, que essa quantidade está muito abaixo da saturação do meio de transporte; saturação que, naturalmente, condiciona a transmissão: qualquer canalizador sabe que não adianta ligar uma torneira à rede da água com um cano mais largo porque isso não aumentaria o caudal da dita torneira, que é condicionado pelo calibre da canalização da rede; o caudal da torneira só pode aumentar até à "saturação", isto é, até esgotar a capacidade da canalização da rede).

    Por outro lado, o contágio depende de características do "contagiado": tem capacidade de defesa contra o vírus e outras agressões externas (complemento, macrófagos,...), tem alguma condição que lhe cause imunodeficiência, já contactou com o vírus e tem anticorpos contra ele, tem "memória imunitária" inespecífica desenvolvida por contacto com vírus semelhantes, etc. Quando se trata de um vírus "novo", é natural que a maioria destes sistemas de imunidade adquirida não estejam presentes e portanto, ao nível da população, haverá uma elevada proporção de indivíduos contagiados em condições (atenção, o que vem a seguir é importante!) comparáveis de "quantidade" de partículas infecciosas no seu ambiente. Em suma, também do ponto de vista do "receptor" do contágio não me parece que tenha sido demonstrada uma maior "sensibilidade" (digamos assim) que não resulte, apenas, do desconhecimento, pelo sistema imunitário, de um agente infeccioso novo. Quero eu dizer: em situação endémica, depois de algum tempo de contacto das populações humanas com este vírus, depois de o mesmo ter interagido com o sistema imunitário da generalidade da população, está será mais ou menos susceptível a ser infectada por este vírus do que por qualquer outro de dimensões e massa análoga e com a mesma "quantidade" de partículas infecciosas em circulação?

    Em resumo, talvez fosse mais correcto dizer que o contágio do SARS-CoV-2 parece ser, no estado actual da epidemia, maior do que o de outros agentes infecciosos semelhantes.

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