quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

DAS REVELAÇÕES OU DA HISTÓRIA DO ACERTO NA PREVISÃO E OUTRAS COISAS MAIS IMPORTANTES

O prometido é devido.  E gostaria muito que esta longa explicação fosse lida pelo maior número possível de pessoas.

Vou explicar como esta madrugada, previamente acertei, até à unidade, na mortalidade por covid anunciada esta tarde pela DGS.

Porém, mais importante do que isso, desejo demonstrar que estamos perante um de dois cenários:

Cenário 1 – O tratamento dos doentes-covid piorou assustadoramente desde Setembro, e sobretudo a partir de Janeiro.

Cenário 2 – Sobretudo com a vaga de frio deste Janeiro, a DGS está a manipular as estatísticas da mortalidade por covid para “mascarar” acréscimos de mortalidade não-covid, que denunciariam o colapso do SNS na assistência de outras doenças com repercussões nos óbitos totais.

Talvez a melhor forma de compreenderem será através de uma analogia.

Imaginem que têm um café e eu vos empresto 100 copos para servir 100 clientes. No dia a seguir, vocês dizem-me que um se partiu. Posso dizer que 1% dos copos se partiram. Aplicando aos internamentos da covid (e sempre com base nos dados da DGS), dir-vos-ei que em Setembro, em cada 100 internados num determinado dia, observava-se sensivelmente uma morte no dia a seguir. Ou seja, tal como nos copos, a taxa de mortalidade nos internamentos era de 1% (vd. nota 1 em baixo).

Imaginem agora que o fluxo de clientes do café (ou internados covid) aumentam para 1.000 clientes e, portanto, eu vos empresto 1.000 copos. Por causa desse aumento em 10 vezes do número de copos, já eu sabendo que se partia 1 em cada 100, eu esperava que se partissem 10 copos. Porém, no dia a seguir vocês avisam-se que se se tinha partido 25 copos. Ou seja, partiram-se 15 copos a mais do que seria expectável, e portanto a “taxa de mortalidade” dos copos passou de 1% para 2,5%. Este valor de 2,5% corresponde à taxa de mortalidade que, efectivamente, se passou a observar entre a segunda metade de Novembro e todo o mês de Dezembro nos hospitais com internados por covid.

Isto é, a mortalidade absoluta por covid decorreu do aumento de pessoas internadas (a média diária de pessoas em internamento em Setembro foi de 491; e na segunda metade de Novembro e em Dezembro subiu para uma média de 3.119), mas também houve um agravamento porque se passaram a partir mais copos, ou seja, a não sobreviverem em cada dia do último mês do ano tantas pessoas,  em proporção, como sucedia em Setembro.

Como espero que já tenham percebido a mecânica, abandono a analogia dos copos, e centro-me no que aconteceu em Janeiro com os doentes-covid. Apesar de um aumento diário do stock diário de internados (resultante dos internados do dia anterior e dos fluxos de entradas e saídas), que levou a uma subida de 2.858 em 1 de Janeiro parar 4.368 no dia 14 de Janeiro – e que, por si só, resultaria num acréscimo de mortalidade, aquilo que se observou foi um nova e impressionante escalada na taxa de mortalidade dos internados, de sorte que, num pulo, se passou a situar próximo dos 3,5%, se considerada, como fiz, a média móvel de sete dias. Ou seja, indica uma redução de taxa de sobrevivência diária nos internados de 96,5% no dia de ontem, o que contrasta com cerca de 99% em Setembro. 

Isto pode parecer uma coisa de pormenor, mas tem um efeito brutal na mortes por covid. Com efeito:

a) Se eu aplicar uma taxa de mortalidade de 3,5% aos internados do dia 12 de Janeiro (4.220), eis que obtenho os 148 óbitos para o dia 13 (ontem), o valor que adivinhei (AQUI ESTÁ A REVELAÇÃO MUI SIMPLES).

b) Se eu aplicar uma taxa de mortalidade de 2% (que era a que tinha, com muito ligeiras variações, entre a segunda metade de Novembro e o final de Dezembro) aos internados do dia 12 de Janeiro (4.220), teria então 106 óbitos. Ou seja, menos 42 pessoas mortas apenas num só dia pelo efeito exclusivo da taxa de mortalidade. 

c) Se eu aplicar uma taxa de mortalidade entre 1% e 1,5% (que foi a que se registou em grande parte de Setembro e Outubro) aos internados do dia 12 de Janeiro (4.220), teria então entre 42 óbitos (taxa de 1%) e 63 óbitos (taxa de 1,5%). Ou seja, entre menos 85 e 106 pessoas mortas apenas pelo efeito da taxa de mortalidade. 

Reparem não são valores irrelevantes, mesmo nada irrelevantes, e recentram, na minha opinião, a discussão em termos da eficácia do SNS na resposta à epidemia. Sendo certo que existe uma relação entre maior número de internados por causa do aumento de casos positivos, existe um efeito importantíssimo na eficácia dos serviços hospitalares. 

Este brutal e muito repentino agravamento da taxa de mortalidade pode ter várias explicações (entre as quais a maior debilidade dos internados por causa da repentina vaga de frio), mas também pode resultar na incapacidade do Governo no reforço do SNS para o atendimento dos doentes-covid, não ainda ao nível de camas, mas nos recursos humanos. Ou seja, não podemos continuar a aceitar que o ónus do problema fique sistematicamente do lado dos infectados, quando, na verdade, está muito no lado do SNS, na sua capacidade de resposta ao afluxo de internados.

Porém, e seria bom que os médicos dos hospitais (e a su Ordem) se pronunciassem, e que nos digam se sim ou se não estão a conseguir salvar, proporcionalmente agora, tantas pessoas como em Setembro. E se não estão, porquê. 

Porque se afinal estão a salvar a mesma proporção (isto é, a taxa de mortalidade não se mexeu), então tem de se concluyir que a DGS anda a manipular dados para não mostrar que há excesso não-covid (Cenário 2); só que, fazendo-o, deixa um “rabo” de fora. 

Na verdade, não há grande escapatória: se não está a suceder um acréscimo de óbitos não-covid por causa da ruptura do SNS, está então a ocorrer um acréscimo não natural de mortes por covid por causa da ruptura do SNS. Não há mesmo escapatória possível. A não ser andar a culpar os portugueses, tornado-os bodes expiatórios, mas sem a parte do expiatório.

Nota 1: O número de internados anunciados é o “stock” ao final do dia decorrente do número de internados no dia anterior, adicionados aos novos internamentos e deduzidas as saídas, que podem ser por duas vias: os doentes que receberam alta e aqueles que faleceram. A taxa de mortalidade do dia N é, assim, a divisão dos óbitos nesse dia pelo todos os internados do dia anterior (que era a população susceptível de morrer). Noutro prisma, por exemplo, uma taxa de mortalidade no dia N pode ser “transformada” em taxa de sobrevivência dos internados do dia N-1 no dia N, quer porque continuavam internados quer porque tinha recebido alta. 



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