No início da pandemia. confesso-vos que apreciei bastante a postura do virologista Pedro Simas, pela forma descontraída, e até pedagógica, como abordava a "vida" dos vírus entre os humanos, colocando em correcta perspectiva os "estragos" da pandemia até à fase em que o SARS-CoV-2 se tornaria endémico (mesmo que continuando a matar pessoas, como sucede com o H3N2, que nos "visita" periodicamente desde que causou a gripe de Hong Kong, que, apenas no período 1968-1969´, matou entre 1 e 4 milhões de pessoas).
Porém, com a crescente atenção pública e política sobre si, deslumbrou-se (vejam a sua felicidade há uns tempos quando foi convidado para cozinhar no programa da Cristina Ferreira), além de ainda ter tido tempo para se meter em "negócios" de feitura de máscaras anti-covid nos intervalos de perpétuo comentador da imprensa.
Ver alguém mudar de forma tão drástica de postura, passando a alguém que defende agora confinamentos e restrições a torto e a direito, já é um pouco lamentável. Vê-lo a aldrabar, já passa dos limites.
Disse ele hoje na SIC que os falsos positivos são raros (coisa que revistas internacionais mostram que não são nada, pela simples aplicação do Teorema de Bayes), afirmando ainda que, no caso do teste positivo (seguido de vários negativos) de Marcelo Rebelo de Sousa, seria pouco provável que se estivesse perante um "falso positivo", alegando que laboratórios de investigação que realizam este tipo de testes têm elevado controlo de qualidade.
Sucedem, porém, duas coisas. Em investigação não há a pressão de fazer testes à pressa nem se analisa as quantidades que se andam a fazer nos últimos meses. O erro humano na recolha e processamento das amostras (que determina os falsos positivos) é incomensuravelmente superior nos laboratórios que agora analisam os PCR em relação a laboratórios de investigação. Além disso, os laboratórios que processam dezenas de milhares de testes por dia não estão, pelo que sei, a ser alvo de qualquer vistoria e/ou controlo de qualidade. Mais: há agora no mercado uma quantidade enorme de tipos de testes PCR de empresas distintas (há largas centenas), algumas sem garantias de qualidade. Por exemplo, a FDA (uma espécie de Infarmed norte-americano, em ponto melhor) tem vários casos de testes PCR retirados do mercado por falta de qualidade (vd. aqui). Ignoro se algumas destas marcas estejam presentes em Portugal.
[Já agora, a FDA tem uma excelente explicação sobre a probabilidade dos falsos positivos, sobretudo para os testes de antigénio, impingindo por cá pela Cruz Vermelha, que deveriam levar a que se deitasse tudo ao lixo, cf. se pode observar aqui]
No entanto, o mais surpreendente de Pedro Simas foi vê-lo a encontrar uma obtusa hipótese para o caso Marcelo, enquanto descartava o "falso positivo" ou uma infecção inicial (que determinaria uma "recomendação" de quarentena). Disse ele que tudo apontaria para que Marcelo estivesse na "fase final da infeção".
Desculpem: Pedro Simas está a brincar com o pagode ou com as pessoas com alguns neurónios. Marcelo, já se sabe, é talvez o português que mais testes à covid fez, de tal modo que arrisca a ficar com as narinas á Savimbi por causa de tantas zaragatoas pelo nariz dentro. Como pode assim estar em numa fase final de infecção sem nunca ter sido testado?
O malabarista Simas responderia, por certo, já o estou a imaginar: "porque os testes negativos anteriores afinal estavam errados. Ou seja, os seus testes negativos eram 'falsos negativos; Marcelo estava doente mas não sabia por estar assintomático, E assim por causa dos falsos negativos é bom confinarmos toda a gente".
A Ciência é agora isto.
P.S. Mas para saber se Marcelo está na fase final de uma infecção, há uma prova dos 9: fazer um teste serológico. Porém, só se fosse num laboratório de Marte, porque a confiança que eu tenho agora aos nossos laboratórios está abaixo de zero.
"O RT-PCR não é uma cultura viral e não permite determinar se o vírus é viável e transmissível."
ResponderEliminarLiotti FM, Menchinelli G, Marchetti S, et al. Assessment of SARS-CoV-2 RNA Test Results Among Patients Who Recovered From COVID-19 With Prior Negative Results. JAMA Intern Med. Published online November 12, 2020. doi:10.1001/jamainternmed.2020.7570
Basicamente:
176 doentes COVID-19 receberam alta do isolamento após: melhoria clínica, ausência de febre por 3+ dias e 2 testes RT-PCR negativos com 24 horas de intervalo.
Estes doentes recuperados foram reavaliados entre 21 de Abril e 18 de Junho (em média 48,6 dias após o diagnóstico). Repetiram então zaragatoa nasal e orofaríngea para RT-PCR e ainda teste serológico específico para o SARS-CoV-2, IgG/IgA.
Constatou-se que 96,6% apresentaram anticorpos e... 32 dentre os 176 recuperados (18,2%) voltaram a testar positivo no PCR. Dentre os 32, apenas um dos recuperados - idoso, com hipertensão e diabetes - tinha ARN viral replicativo e veio a desenvolver sintomas, apesar de possuir anticorpos. Já os restantes 31 recuperados que retestaram positivo, embora sem ARN replicativo, permaneceram assintomáticos.
Em suma, com base neste estudo, apenas 3% dos recuperados (um indivíduo) que obtiveram um resultado positivo no teste PCR é que desenvolveram sintomas e se detectou ARN replicativo. A maioria (97%) dos resultados positivos em recuperados sem manifestação de doença ou potencial para infectar eram falsos. As partículas de vírus até podem lá estar, muitas semanas depois da infecção, mas se aquelas não representam vírus viáveis para causar doença ou infectar, um resultado positivo é falso se assim interpretado.