sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

DA IGREJA DA SANTA CACHIMANA OU DA CIÊNCIA A MARTELO

O Excelentíssimo Senhor Doutor João Júlio Milheiro Cerqueira, Omnipotente Pastor da Igreja da Santa Cachimana, vulgo Scimed - Ciência Baseada na Evidência, é homem de Fé, mas com dúvidas. 

Ontem questionou, retoricamente, os seus fiéis sobre em quem confiar: se em "hereges" ou se no European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC); se em "hereges" (onde me incluiu) ou em políticos dos Governos europeus que impuseram lockdowns.

Do alto do seu cachinguento pedestal, trescalou o Excelentíssimo Senhor Doutor a prova irrefutável contra o impenitente "herege", vulgo eu, que consta, enfim, do printscreen de uma notícia do Jornal de Negócios. Bem sabemos que o Jornal de Negócios, tal como outros distópicos órgãos, é a Evidência que faz Luz na Igreja da Santa Cachimana, onde o seu Maioral-Presbítero até consegue, como se confirmou há dias, ler por antecipação relatórios demográficos produzidos no futuro, e não a ser feitos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), como costumeiro, mas sim pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). 

Ora, manifesta-se patente que o Sumo-Sacerdote da Igreja da Santa Cachimana não necessita jamais de ir à Fonte da Sabedoria: neste caso, ler mesmo o relatório do ECDC. Basta-lhe o Jornal de Negócios. E assim faz escusa em ler sequer a página 6 do dito relatório que refere tão-só isto: "Portugal has observed a notable increase in the number of all reported cases of COVID-19 in recent weeks. This increase HAS BEEN ATTRIBUTED [destaques meus] mainly to the relaxing of the NPIs during the end-of-year festive season but also, to a lesser extent, to the spread of the VOC 202012/01 in some regions of the country" (vd. aqui).

Ó pá, deixemo-nos de pormenores gramaticais. O Excelentíssimo Senhor Doutor, também Doutrinador-Mor da Igreja da Santa Cachimana, não é obrigado a ler aporrinhantes relatórios de 29 páginas do ECDC para dar sentenças aos fiéis. Nem tão-pouco tem necessidade em saber línguas de povos bárbaros, de sorte que se mostra irrelevante, excepto ao aporreado Rigor, saber que se uma entidade diz que "tem sido atribuído" uma determinada causa a um certo efeito, não significa que essa entidade a esteja a atribuir ou sequer confirmar qualquer relação. Não digam vós, seguidores do demo, que, se assim pretendesse estabelecer inequívoca relação, o ECDC teria escrito "is attributed" ou "was attributed", em vez de "has been attributed", ou sido ainda mais explícito  com um simples "is", assumindo assim clara relação causa-efeito... Mas, adiante, homens de pouca Fé! Acreditem no Excelentíssimo Senhor Doutor, o Supremo Girigote da Igreja da Santa Cachimana..

De igual modo, o Excelentíssimo Senhor Doutor, com funções de Tanateiro-Chefe da Igreja da Santa Cachimana, não precisa sequer de ler absolutamente nada para garantir que os lockdowns são a Supimpa Maravilha criada por políticos rectos a bem do indisciplinado Povo. Quem não achar ser a primícia maravilha do mundo civilizado é um "herege" que deve morrer na fogueira, com direito a ventilador de uma UCI a bombar por debaixo das brasas.

Aliás, que se cuide o etíope  Tedros Adhanom Ghebreyesus, director-geral da Organização Mundial de Saúde, pelo ímpio comunicado do passado dia 31 de Dezembro de 2020 onde se refere o seguinte: "However, these measures [lockdowns] can have a profound negative impact on individuals, communities, and societies by bringing social and economic life to a near stop. Such measures disproportionately affect disadvantaged groups, including people in poverty, migrants, internally displaced people and refugees, who most often live in overcrowded and under resourced settings, and depend on daily labour for subsistence. (vd aqui).

Quem não souber traduzir, sempre pode ir perguntar ao presumido Mandraqueiro-Gunga da Igreja da Santa Cachimana, o Excelentíssimo Senhor Doutor João Júlio Milheiro Cerqueira. E levem-lhe 248 caixas de Alka-Seltzer, se faz favor.





2 comentários:

  1. Isto é o chamado "toma lá que já almoçaste" a esse bornal que não se coíbe de debitar alarvidades sem fundamento. Ou melhor, cujo suposto fundamento que ainda por cima é citado, contradiz a narrativa que ele tenta a todo o custo pregar aos fiéis e por fiéis, vulgo, monges de pala nos olhos.

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  2. Caro Pedro, Tenho vindo a acompanhar o seu blog há umas semanas, assim como os escritos de outras pessoas que têm exercido o seu direito e dever de proporcionar contraditório às (falaciosas) narrativas oficiais e mediáticas, contribuindo assim para a necessária e saudável reflexão sobre este tema que assumiu uma centralidade exagerada nas nossas vidas. Agradeço e sinto-me alinhado com muitas das suas análises e críticas mas permito-me sugerir que refreie o seu tom e os seus ataques pessoais que considero contraproducentes por reproduzirem o mesmo baixo nível de certos comentadores da nossa praça - incluindo o inenarrável dr JJC. Também a escolha do adjectivo etíope para se referir ao director da OMS me pareceu infeliz por invocar discursos xenófobos pouco recomendáveis. Sugeria ainda que evitasse recorrer à linguagem bélica (muito usada por variados governantes e comentadores) para se referir à pandemia - considero-a contraproducente e inapropriada, evidenciando aliás a abordagem errada à própria pandemia, que espelha, por sua vez, a nossa relação doentia e maligna com a natureza. Finalmente, gostaria de chamar a atenção para o conceito de sindemia invocado por R. Horton (editor da Lancet)* para descrever a pandemia, que convoca uma visão sistémica que integra outros factores médicos e sociais, e que deveria suscitar abordagens mais adequadas à mitigação da Covid-19. Esta abordagem tem suscitado alguns comentários, também por cá**, mas infelizmente (embora previsivelmente) um total desdém da parte dos decisores políticos. Saudações cordiais.
    * https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)32000-6
    ** https://casadasaranhas.com/2021/01/21/sera-isto-uma-pandemia/

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