Portugal tem a vantagem de ser um país pequenino. Andar apenas a tratar de pouco mais de 10 milhões de almas tem a sua vantagem. Uma desgraça nunca parece grande à escala mundial. Morrem 218 pessoas em Portugal, isso parece não ser nada se os Estados Unidos anunciarem 3.000.
Porém, sucede que os tais 3.000 em terras do Tio Sam são menos de 100 em terras de Viriato. E, portanto, por estas e por outras, passamos despercebidos.
Foram incansáveis as notícias sobre os Estados Unidos, o Brasil, o México, até a Índia sobre os milhares de mortos. Aterradores. Nós, porém, até chegámos, supostamente, a ser (auto-)rotulados de "milagre" pela forma como nos estávamos a portar no combate á pandemia. Uma estratégia que, obviamente, se devia à extraordinária capacidade política do Governo.
Contudo, enquanto outros países apostaram numa melhoria dos seus serviços de saúde, o nosso extraordinário Governo foi a banhos, confiando que bastava suspender consultas, exames, diagnósticos e tudo o resto para ir safando o barco. Deu-se mesmo ao luxo de deixar candidamente que o número de médicos baixasse em 918 entre Janeiro e Setembro de 2020, mas fizesse o truque de destacar que houvera um aumento de 548 entre Setembro de 2019 e 2020 (vd. imagem em baixo, retirado do relatório do SNS).
A realidade é esta: em plena pandemia (que não existia em Setembro de 2019) o Governo não teve capacidade de resposta para a saída de mais de 900 médicos. Queria agora um milagre? Temos excesso de doentes ou falta de camas e de médicos?
No entanto, aquilo que mais me surpreende é a (in)capacidade de análise crítica dos portugueses, e com a nossa conivente Imprensa à cabeça. Mortes nos Estados Unidos? Culpa do Trump. Mortes no Brasil? Culpa do Bolsonaro. Mortes na Itália? Culpa da soberba transalpina. Mortes na Índia? Culpa do subdesenvolvimento daquele desgraçado país. Mortes na Espanha? Culpa de não serem como nós.
Enfim, e foi-se olhando sempre para os outros, enquanto a população se fragilizava de meses sem assistência médica. E não se investia. E mentia-se com as supostas 17.700 camas ali prontas para qualquer coisinha, embora afinal outro documento do SNS dissesse que afinal eram apenas 2.120.
Os milagres, porém, por vezes acabam. E então revelam-se todas as fragilidades. Mas nunca as fragilidades do Governo, que nunca falha, nunca nada admite.
E quando tudo se desmorona, culpa os portugueses. Como se a culpa de uma invasão que trucida um povo seja culpa do povo e não do Estado que não reuniu as condições para estancar o avanço do inimigo e proteger o povo. Os contratos sociais que tacitamente assinamos não é para que um Governo culpe o seu povo, como este está a fazer. Mas aquilo que me causa mais irritação é ver esse mesmo povo, pequenino, concordar com o Governo, e aceitar que este o culpe por o invasor o ter invadido.
E por agora é tudo.
Deixo-vos apenas, para reflexão, uma análise que compara a situação de Portugal com os 10 países com mais mortes por covid em número absoluto. Mostra-se aqui o valor máximo (pico) da pandemia, medido com base na média de sete dias e em função da população portuguesa (padronização). Se Portugal (que está agora no valor máximo, com 167 óbitos diário, em média móvel) fosse um país da dimensão dos Estados Unidos ou da Índia ou do Brasil, hoje estaríamos a ser notícia a nível mundial. E duvido que ninguém achasse que o Governo era alheio a isto.
Mas como somos um país pequenino com governantes pequeninos, a culpa disto é só dos portugueses, que merecem o devido castigo: manterem-se pequeninos e serem governados por governantes pequeninos.
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