Sempre assumi, praticamente desde o início da pandemia, ser evidente que a covid era uma doença infecciosa que constituía um perigo efectivo, do ponto de vista da Saúde Pública, apenas para a população mais idosa (maiores de 80 anos), e marginalmente para uma franja de pessoas vulneráveis (com determinadas comorbilidades).
Foram também incontáveis os alertas que fui fazendo, ao longo dos meses, sobre a imperiosa necessidade de encontrar uma estratégia sólida e eficaz para os lares, onde vivem cerca de 100 mil pessoas com uma média de idade a rondar os 85 anos. Também me foi sendo cada vez mais evidente que esse grupo etário dos maiores de 80 anos (que tem constituído cerca de 2/3 do total das mortes com covid) não estavam a ser infectado pelos grupos etários mais jovens segundo uma lógica geracional, isto é, serem os filhos ou netos a contaminarem os pais ou avós.
Na verdade, olhando agora para a taxa de incidência dos casos positivos por grupo etário - que já não actualizava há alguns meses (e houve um pulo enorme deste Novembro) -, mais se confirma um padrão associado à mobilidade e à sociabilidade (vd. gráfico, sobretudo as barras vermelhas). Quem se movimenta mais e socializa mais tem maior probabilidade de se infectar. Com efeito, a incidência dos casos positivos cresce do grupo etários dos 0-9 anos para os 10-19 anos, e atinge um topo (7,2%) no grupo dos 20-29 anos (estudantes e jovens adultos). A seguir há um contínuo decréscimo nos grupos etários mais velhos, até chegar aos 3,3%, no grupo dos 70-79 anos, a primeira faixa dos reformados. Porém, depois não continua a descer para o grupo seguintes (maiores de 80 anos), e isso é um grandíssimo problema.
De facto, é a partir dos 80 anos que, claramente, se está a perder a guerra. Numa idade com menores contactos sociais e mobilidade (até em comparação com o grupo dos 70.79 anos), os maiores de 80 anos apresentam actualmente uma taxa de incidência acumulada de 6,8%, a segunda maior, pouco atrás do grupo líder (20-29 anos). Em comparação mais uma vez com o grupo antecessor, o crescimento desde Novembro é colossal, passando de 1,8% para 6,3% (mais 4,5 pontos percentuais), enquanto na faixa etária dos 70-79 anos se passou dos 0,9% para 3,3% (subida de 2,4 pontos percentuais).
Como é de admitir que a esmagadora maioria das pessoas do grupo dos 70-79 anos não é institucionalizada (ou seja, não vive em lares), enquanto cerca de 15% das cerca de 670 mil pessoas com mais de 80 anos vive em lares, será de admitir fortemente que é nos lares que está a raiz do problema. Ou seja, são os cerca de 100 mil idosos institucionalizados em lares que estarão a "empurrar" para cima a elevada taxa de incidência dos maiores de 80 anos.
Quanto? Ninguém sabe porque as informações sobre a situação dos lares continua sem ser validada e conhecida com rigor. Custa a DGS divulgar esses dados com detalhe, e nem parece que haja medidas no terrenos para inverter esta elevadíssima taxa de incidência (só desde o início do ano, em 13 dias apenas, subiu ,2 pontos percentuais).
Vejam que é aqui que estamos a perder a guerra (como, aliás, uma parte importante dos países do mundo ocidental). E não devia acontecer. Numa estratégia eficaz, seria, digo eu, aceitável e até exigível que a taxa de incidência dos maiores de 80 anos fosse (não digo já menor) similar à da faixa dos 70-79 anos, isto é, 3,3%, em vez dos 6,3%. Se assim fosse, significava que em vez de se contabilizarem 42.057 casos positivos desde o ínicio da pandemia, se teria afinal 22.374 casos, o que significava menos 19.683 infecções. E isto é muito.
Se em populações jovens, mais mil menos mil casos positivos, e mesmo mais 20 mil ou menos 20 mil, vai dar ao mesmo (ou seja, níveis nulos ou quase nulos de mortalidade), nos maiores de 80 anos essas diferenças contam. E muito.
De facto, se a taxa de incidência nos maiores de 80 anos fosse de 3,3%, em vez de 6,3%, uima redução dos tais 19.683 casos positivos significaria, à actual taxa de letalidade de 15%, menos cerca de 2.950 vidas perdidas.
Vejam bem. Vejam porque tenho insistido na questão dos lares, e considerado ser um esforço inglório, inútil e contraproducente (de todos os pontos de vista) as tentativas de controlar todas as infecções por covid na população, perante a baixíssima gravidade para a esmagadora maioria da população portuguesa. A guerra contra a covid está nos lares, onde sim é bastante mortífera, sobretudo por via das debilidades quer dos utentes quer das próprias instituições.
Confesso que as mudanças estruturais para reformar os lares teriam de ser hercúleas, mas não seria melhor isso do que assistirmos a estúpidos confinamentos, ao colapso da vida social, da Economia, da própria Saúde Pública? Torna-se premente tratar esta pandemia com racionalidade, de contrário continuará a causar (ou causará) mais mortes colaterais do que o próprio vírus. E não salvaremos os velhos.
O SARS-CoV-2 é mais virulento como agente nosocomial (nos lares e, não esquecer, nos hospitais) do que quando a infecção é contraída na comunidade, provavelmente por doses infectantes mais elevadas em ambientes "concentradores".
ResponderEliminarAssinala algumas das prováveis razões porque em África a pandemia não adquiriu a gravidade que se receava: poucos velhos, poucos lares, poucos hospitais. Na Ásia, com melhores resultados apesar de populações envelhecidas, há menor institucionalização (tanto em lares, como em hospitais), para além de muito menor proporção de obesos na população face aos países ocidentais, mas isso é outra história...
Creio que há aqui algo que não está a ser levado em consideração, mas que mais tarde vai ter de ser, nem sei bem como. É que aquilo que é chamado de "casos"/infecções está completamente inquinado por falsos positivos, isto é, não o são. Depois há o problema de a mesma pessoa ser contada mais que uma vez pois cá contabilizam-se os testes feitos e seu resultado e não propriamente as pessoas. Imagine-se a quantidade de testes feitos pelo presidente ao longo de todo este tempo, ou os 17 ou 18 positivos feitos pelo Ronaldo.... Vai ser um 31 depurar tudo isto para se terem números reais.
ResponderEliminarE ainda te faltam os dados da mortalidade nos lares, pois se tivesses poderia ficar ainda mais claro que os problemas mais sérios se situam na faixa etária +80 em lares e não de forma genérica nessa faixa.
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