Decidi analisar para Portugal a evolução da taxa de internamentos (geral e em UCI, unidades de cuidados intensivos) por covid desde o início da pandemia, escolhendo períodos de 15 dias (não considerei 15 de Março, porque, naquela altura, havendo poucos casos, internava-se quase todos os positivos, quer fossem ou não graves).
Algumas evidências (muito) interessantes:
1 - O número de casos activos em 13 de Outubro é, nos períodos em análise, o mais elevado de sempre (32.964), quase o quadrúpulo de 1 de Abril (8.757), no pico da mortalidade por covid.
2 - Apesar desse aumento, o SARS-CoV-2 mostra-se aparentemente muitíssimo menos perigoso: no dia 1 de Abril estavam internados 119 doentes por 1.000 casos activos, dos quais 27 em 1.000 em UCI, enquanto em 13 de Outubro estão apenas internados 28 doentes por 1.000 casos activos, dos quais 4 em cada 1.000 nas UCI.
3 - O aumento dos casos activos no último mês e meio (mais que duplicou entre 1 de Setembro e 13 de Outubro, passando de 12.627 para 32.964) não mostra qualquer agravamento significativo da "agressividade" da doença: os internamentos passaram de 23 por 1.000 casos activos para 28, enquanto em UCI subiram apenas de 3,2 para 4,0 por 1.000 casos activos.
4 - Observa-se uma evidente estabilização da taxa de internamamento (geral e em UCI) desde 15 de Maio, com rácios que têm variados entre 23 e 39 por 1.000 casos activos (significa uma variação entre 2,3% e 3,9%) ao nível dos internamentos. No caso dos internamentos em UCI, o valor a 13 de Outubro (já em pleno Outono) é mesmo mais baixo que em pleno Julho.
Esta análise coloca em cima da "mesa" quatro hipóteses, que se podem conjugar:
a) o SARS-CoV-2 perdeu "agressividade", sendo agora incapaz de obrigar a níves de internamento (geral e em UCI) similares aos de Abril;
b) os casos positivos estão inflacionados por via da testagem massiva de pessoas sem sintomas. Deste modo, a taxa de internamentos nos meses mais recentes mostra-se enganadora, porque inclui, no denominador, valores não reais, porquanto se está a incluir muitos falsos positivos, ou seja, pessoas que não estão infectadas (apesar do resultado positivo) e, nessa medida, jamais podem desenvolver a doença e, nessa medida, nunca podem ser internados e muito menos seguirem para as UCI.
c) a mudança do perfil de infectados activos ao longo dos meses (impossível de ser comparado porque a DGS continua sem me conceder autorização para aceder à sua base de dados), resultando daí que, estando a covid a afectar população muito mais jovem, faz assim decair bastante a taxa de intermamentos.
d) o número de pessoas vulneráveis (maiores de 85 anos), que constituem um grupo muito susceptível a ser internado (e mais ainda em UCI) caso seja infectado, diminuiu significativamente nos últimos meses (este ano já morreram 40 mil pessoas com mais de 85 anos, sendo que a covid terá tido um peso inferior a 3% do total). Daqui resulta, indirectamente, uma impossibilidade de aumento relevante das taxas de internamento, sabendo-se que estas abrangem sobretudo os mais idosos.
Em todo o caso, esta análise confirma a percepção de estarmos muito longe de uma situação catastrófica, e temo muito mais que o SNS continue a meio gás, por via do clima de pânico que se está a reinstalar em força, e que advenha daí impactes negativos em termos de mortalidade total a curto e médio prazos.
Muito obrigada por se dar a este trabalho de informação.
ResponderEliminarhttps://www.health.harvard.edu/blog/which-test-is-best-for-covid-19-2020081020734
ResponderEliminarFalar em falsos positivos quando é praticamente unânime que não há falsos positivos mas pode haver falsos negativos requer atualizacao científica por parte do autor
Caro anónimo, está equivocado. O artigo que refere assume que os testes são feitos a pessoas com sintomatologia compatível com covid, e não a pessoas que não apresentam sintomas e, portanto, a probabilidade de estarem doentes é relativamente próxima da % de casos activos. Neste momento existem em Portugal cerca de 30 mil casos activos e mesmo assumindo que são o dobro, significaria que a incidência é de apenas 0,6%, Mesmo que fosse de 1%, nestas condições, se se testarem pessoas sem quaisquer sintomas (testes aleatórios), a probabilidade de falsos negativos é praticamente zero e o problema está nos falsos posititivos. A lógica mostra que não é muito provável encontrar falsos negativos quando, na verdade, a prevalência da doença é baixas, mas o teorema de Bayes explica-lhe isso. Deixo-lhe aqui um link com informação onde pode simular aquilo que acabo de referir, Cumprimentos. https://www.bmj.com/content/369/bmj.m1808?fbclid
ResponderEliminarSendo que o número de infetados é muito enganador e está sobre-estimado (assim como em abril estaria sub estimado dado que os critérios para testar eram muito mais apertados), será possível fazer uma comparação entre o número de doentes internados/UCI nesta altura do ano este ano e em anos anteriores? Sabemos que a mortalidade por covid permanece irrelevante, mas seria importante saber se esta tão apregoada sobrecarga do sns é uma realidade ou uma ficção! Obrigada pelas preciosas análises!
ResponderEliminarApresentarei em breve uma análise mas adianto que a ocupação não é maior agora. Aliás, costuma ser muito maior nos meses de Inverno, período da gripe.
Eliminara) É uma hipótese, de facto. E porquê? Pela perspectiva adaptativa/evolutiva: quanto mais letal for o vírus (matando mais hospedeiros), menos provável é que se dissemine e assim acaba perdendo vantagem face a outras versões/estirpes com comportamento menos agressivo, que "convivem" com os hospedeiros vivos e estes replicam e propagam mais eficazmente as partículas virais para a população susceptível.
ResponderEliminarb) Os falsos positivos podem surgir não apenas em assintomáticos, mas também em doentes, por ex. com pneumonia causadas por agentes comuns (por ex. o pneumococo). Dificilmente haverá pneumonia neste país, bacteriana ou viral, que não seja testada para o SARS-CoV-2. Positivando o teste (não importa se verdadeiro ou falso), a pneumonia passará a associar-se a COVID-19. No limite, até a certificação do óbito é passível de ser falseada por um resultado positivo no teste.
e) Atrevo uma outra hipótese/alínea: a iatrogenia associada aos doentes COVID-19 pode estar a diminuir, resultando em menor mortalidade. Se os doentes hospitalizados estiverem a ser tratados de forma mais conservadora (com recurso criterioso a ventilação mecânica), com menos experimentalismo terapêutico (cloroquinas e afins), e sobretudo mantendo doentes não graves fora do ambiente hospitalar (minimizando exposição a infecções nosocomiais concomitantes), tal poderá estar a reduzir risco de mortalidade evitável associada à COVID-19.