sexta-feira, 9 de outubro de 2020

DO VERÃO E DO NATAL DOS VELHOS (COM UM APELO)

 Marcelo Rebelo de Sousa está preocupado com o Natal dos velhinhos. Devia estar antes preocupado só com os velhinhos. Marcelo Rebelo de Sousa está preocupado com o Inverno dos velhinhos. Devia estar antes ter estado mais preocupado com o Verão dos velhinhos.

Enfim, eu já bem sei que isto é fazer chover no molhado; que a DGS, o Governo o Presidente da República, a Propaganda Mediática (leia-se, imprensa) e a maioria das pessoas que já corporizou em si o medo não mudarão de perspectiva. Que vai tudo ainda piorar nesta assassina "obsessão pela covid" que está a matar mais do que a covid. Mas, mesmo de férias, na bela Atenas (onde não se vêem muitas máscaras e a prevalência da covid é bem menor que em Portugal), não consigo aguentar e lá fiz mais umas análises.

Infelizmente, eu sei que não se vai querer jamais assumir (e a OMS é responsável por isso) que a covid se tornou particularmente mortal, pelo menos na Europa (e em Portugal) porque o surto gripal no Inverno de 2019-2020 foi particularmente benigno. Olhando para a mortalidade dos maiores de 85 anos (os mais vulneráveis e que apresentam taxas de mortalidade por ano da ordem dos 15%... é bom recordar que, infelizmente, os muito idosos morrem muito), os dois primeiros meses tiveram menos 1.530 óbitos do que o expectável. Neste caso, o expectável tem em consideração a taxa de mortalidade média (2014-2019) ponderada ao crescimento populacional deste grupo etário (i.e., considera o envelhecimento). 

Ora, foi uma parte deste grupo "sobrevivente", mas bastante fragilizado, que acabaria por ser morto pela covid. Mesmo assim, entre Março e Maio (período que registou um total, para todas as idades, de 1.424 mortes), o excesso de óbitos no grupo dos maiores de 85 anos foi de 727. Significa que entre Janeiro e Maio a covid, mesmo assim, não causara uma mortandade que pudesse ser considerada relevante. Na verdade, nos primeiros cinco meses do ano, era expectável que tivessem morrido 23.764 pessoas com mais de 85 anos, mas tinham afinal, mesmo com a covid, morrido 22.961 pessoas. Pode-se dizer até que essa situação ainda favorável se deveu às medidas de confinamento que então se tomaram.

Porém, o grande problema dos muito idosos é, além de morrerem mais facilmente, necessitarem, por isso mesmo, de cuidados de saúde mais continuados. Uma grande parte da população pode "sobreviver" facilmente com um SNS parcialmente suspenso por 6 meses ou mais ou aguentar umas temperaturas mais quentes; mas um idoso acima dos 85 anos não.Se lhe falta algo num momento crítico, fina-se.

Sucedeu isto particularmente no Verão. E numa dimensão muito pior do que a covid. Vejamos: no mês de Julho, o excesso de mortalidade para este grupo etário foi de 958; em Agosto de 86; e em Setembro de 270. No total, os três meses de Verão (ironicamente os mais benignos para os muito idosos) foram este ano particularmente mortíferos, ceifando a mais 1.314 pessoas. E isto num período particular em que a covid quase se mostrou irrelevante em termos de mortalidade. 

Tem sido esta triste evolução a partir de Julho - e não a covid -, no decurso de um SNS a meio gás (ou já sem gás), a agravar o já bem evidente excesso de mortalidade dos maiores de 85 anos mesmo considerando o envelhecimento populacional (Portugal tinha em 2019 cerca de 316 idosos nesta faixa etária). Os indicadores mostram que andam, cada vez mais, a morrer com uma enorme facilidade. 

Era bom (e este é o meu apelo) que os médicos olhassem para a sua consciência, e não ficassem indiferentes aos que anda a suceder nos últimos meses. Era bom que o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (e os seus investigadores) se compenetrassem que não são "janízaros" para "limpar" consciências políticas e ao serviço dos interesses de um Governo e de um partido que o sustenta, mas sim uma entidade ao serviço da Saúde Pública, e portanto ao serviço do público. Tenham mais medo do que está a suceder ao SNS do que à covid. Esta pode matar; mas a outra anda a matar muito mais; e de forma silenciosa e perniciosa.



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