Muitos têm andado a elogiar o nosso SNS, mas a realidade nem sempre (quase nunca, neste caso), é aquela que parece. Mas, pensando bem, anos e anos de desinvestimento na Saúde, em simultâneo com o envelhecimento da população, não podia dar milagres. Aquilo que não era ideal antes da covid-19, não poderia agora ser melhor no meio de uma pandemia.
Para ter uma realista percepção dos efeitos do novo coronavírus em Portugal, não basta andar, por isso, a somar o número de mortes por covid-19. Aliás, na verdade, deve-se subtrair. Ou seja, como uma parte muito substancial do SNS está concentrada no combate à covid, será necessário apurar se o "puxar do cobertor" para o ataque à covid deixou destapadas áreas vitais na assistência médica à população.
Um dos indicadores fulcrais para apurar este efeito é, obviamente, a mortalidade total sem incluir os óbitos por covid (687 entre 15 de Abril e 17 de Abril) e comparar com a situação média da última década. Para evitar críticas dos "estatísticos de serviço", predispus-me também calcular o intervalo de confiança.
O gráfico em baixo mostra a variação da mortalidade excluindo as causadas por covid (2020sc) ao longo do período em análise (15mar-17abr), observando-se que em grande parte dos dias se registou valores muito acima da média e mesmo do máximo do intervalo de confiança (a 95%).
A mortalidade total no período em análise em 2020 foi de 11.749 óbitos, dos quais 687 por covid. Significa assim que as mortes excluindo covid totalizaram 11.062. A média dos últimos 10 anos, para o período homólogo, foi de 10.383, com um intervalo de confiança (a 95%) entre 10,116 e 10.650 óbitos.
Nessa linha – e repito, excluindo as mortes por covid -, estimo, para o período compreendido entre 15 de Março e 17 de Abril deste ano, um excedente de mortalidade de 679 óbitos, com um intervalo de confiança situado entre 411 e 946 óbitos.
Significa isto que o SNS está longe de dar uma adequada resposta durante a pandemia de covid-19, pois o SNS não é só luta contra a covid. Para os mais distraídos, convém relembrar que a covid não é a única doença do país nem a única causa de morte...
Na verdade, esta análise confirma que a mortalidade acrescida, não explicada pela covid, está actualmente a atingir proporções mais graves do que a própria covid. Em termos mais claros, direi que o SNS pode estar a evitar algumas mortes por covid, mas não está a conseguir salvar muitas mais que, em situação normal, conseguia, mesmo com as suas habituais deficiências. Portanto, não se está a sair agora, nas actuais circunstâncias, nada bem. Mesmo nada. O saldo está a ser francamente negativo, nesse aspecto.
Em suma, julgo ser urgente que as autoridades de Saúde, e o Governo em particular, analisem com detalhe o que, actualmente,está a falhar no SNS. Caso contrário, podemos estar a celebrar um desempenho bom na covid, enquanto na sombra se regista um descalabro noutros sectores da assistência médica que resultam (e estão inequivocamente a resultar) num acréscimo inaceitável de mortes evitáveis.
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