quarta-feira, 15 de abril de 2020

DO PLANALTO (OU A QUIMERA)

Faço uma busca no Google usando as palavras "covid" e "planalto": dá-me uma lista de 22 400 000 resultados! A palavra "planalto", sobretudo na boca das nossas autoridades de Saúde, é pior que a pandemia. Aliás, leva-me a crer em três hipóteses: 1) eles sabem que mesmo que haja um "planalto" de casos, tal não significa nada em termos de evolução futura; ou 2) não sabem o que andam a dizer e a fazer; ou ainda 3) tratam-nos como crianças a quem se promete um rebuçado se se portar bem (e o rebuçado não existe).
Tal como se veio a verificar com as máscaras - que durante semanas, incluindo no site da OMS - eram indicadas como propiciadoras de contágio para agora se transformarem em "salvíficas" -, a insistência no "planalto" é nesta fase apenas, na melhor das hipóteses, uma canção de embalar. Como ainda não se conhece o comportamento do SARS-CoV-2 ignora-se se a sua actividade decairá com a aproximação do Verão no Hemisfério Norte. A vírus da gripe A (H1N1), em 2009, teve o seu pico de casos em Portugal no mês de Agosto.
Não sendo epidemiologista, sei pensar pela minha cabeça e fazer umas análises sem ser necessário curso de Medicina; pelo contrário. E assim, perante o que se ignora sobre o SARS-CoV-2, deu-me para observar como se comportaram outros vírus em surtos gripais mais intensos em Portugal para verificar se existe um único padrão, se houve sempre “planaltos” ou outros “acidentes orográficos”.
Escolhi assim, por terem sido os que causaram maior mortalidade (e, portanto, haverá uma forte correlação entre a actividade dos vírus e a variação dos óbitos), os surtos de 2011-12; 2014-15; 2016-17; 2017-18 e 2018-19, observando, para cada, os períodos de Outubro até 15 de Abril. Usei médias móveis de 5 dias para atenuar variações diárias.
Ora, como se pode observar nos gráficos que anexo, no surto de 2011-2012 verificou-se uma subida da mortalidade quase constante desde o princípio de Dezembro até à terceira semana de Fevereiro, tendo depois havido uma descida da mortalidade para níveis “normais” até Abril. Foi um surto longo e sem qualquer planalto.
O surto de 2014-2015 teve o seu início sobretudo em meados de Novembro, registando um incremento maior na mortalidade no início de Janeiro, até alcançar um pico nos 450 óbitos a meio desse mês, demorando depois disso três longos meses para se atingir níveis “normais”. Também não se observa qualquer planalto.
O surto de 2016-2017 principiou no início de Novembro, com um incremento mais significativo em meados de Dezembro, registando-se um pico extraordinariamente elevado no início de Janeiro. Iniciou-se depois uma brusca descida na mortalidade, mas apenas durante cerca de duas semanas, observando-se um segundo pico (menos intenso que o anterior), descendo finalmente a mortalidade para níveis “normais” no final de Fevereiro. Foi um surto muito intenso, mas de curta duração. Também não se observa qualquer planalto.
O surto de 2017-2018 iniciou-se em Novembro e teve uma evolução ´sui generis’, em “escada” (rápida subida abrupta, de curta duração, seguida de uma curta estagnação, seguida de nova subida abrupta), com dois degraus de Novembro e Dezembro. Em seguida observou-se, desta vez sim, uma espécie de planalto, com variações durante dois longos meses (Janeiro e Fevereiro), com níveis de mortalidade a rondarem quase sempre os 400 óbitos diários. Este surto gripal foi extremamente longo e intenso, sem um pico denunciado, e apenas terminou em finais de Abril (não incluído no gráfico). Muito por via desta situação, o ano de 2018 foi o mais mortífero em Portugal desde sempre (113.600 óbitos).
Por fim, o surto de 2018-2019 começou com maior intensidade na segunda quinzena de Dezembro, atingindo-se um pico na segunda semana de Janeiro, sucedendo-lhe um período de variações na mortalidade que, de certa forma, criaram duas “bossas” até quase finais desse mês. Por fim, nos meses de Fevereiro e Março observou-se um longa e suave descida da mortalidade até se atingir os níveis “normais”. Não se vislumbra qualquer planalto.
Em suma, o “planalto” não tem sido muito frequente em surtos gripais e, além disso, não me parece que indiquem coisa alguma, i.e., enquanto se se está a "viver" uma estagnação jamais se pode saber a priori se se está na antecâmara de nova subida ou na beira de um descida definitiva. Aliás, na verdade, observando o surto gripal de 2019-2020, a mortalidade causada pela covid-19 tem, até este momento, um “comportamento” muito similar, embora até muito menos intenso. No entanto, obviamente, não faz sentido estarmos a garantir que se está num qualquer planalto, ou que que isso é um bom sinal. Enfim, o planalto (não) é sinal de coisa nenhuma. É apenas uma canção de embalar. E eu, pelo menos, já não tenho idade para isso. Ou se tenho, não quero que seja o Governo a cantar.







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