segunda-feira, 20 de abril de 2020

DO MILAGRE DE NOSSA SENHORA DA COVID

Nas minhas pesquisas, desta vez predispus-me a tentar saber se existia uma relação entre os gastos públicos correntes para a Saúde de um conjunto de 31 países europeus (EU-27, mais Reino Unido, Suíça, Noruega e Islândia), em dólares per capita (em 2017, em paridade de poder de comora) e o seu desempenho na luta contra o SARS-CoV-2, medida em termos de óbitos por covid por milhão de habitantes.
Bom, nem sempre se chega a uma conclusão linear, mas obtém-se algumas observações interessantes: não há relação evidente entre aquilo que os Estados gastam de forma corrente e os efeitos da pandemia, porquanto há um grupo de países que gasta pouco e não estão a sofrer, em princípio, elevada mortalidade por covid; há um grupo de países que gastam muito e também não sofrem; e há terceiro grupo intermédio destes dois (onde pontifica a Bélgica, Itália e Espanha) com as situações mais complicadas.
Porém, o que o gráfico revela é que só por uma questão de fé se pode dizer que Portugal esteja numa situação excepcionalmente boa no quadro deste grupo de países europeus em relação à covid: figura na 11ª posição em termos de mortalidade per capita. Há alguns países que gastam mais e estão em pior situação, mas também há um grupo importante que gasta menos e está em melhor situação.
Note-se que esta análise não tem em consideração, por se ignorar para os outros países, o acréscimo de mortalidade não explicada pela covid-19.
Este gráfico revela também outro pormenor mais interessante do estado da nossa política de saúde em tempos normais: neste lote de 31 países, Portugal está na 20º posição em termos de gastos públicos per capita destinados à saúde (para o ano de 2017). Não é nada famoso. Aliás, para se ter uma melhor percepção das diferenças em termos de montante (dólares per capita), coloco um gráfico de barras para se mostrar as diferenças entre os diversos países.
Diga-se que as diferenças não advêm de um longínquo passado histórico. Nas últimas duas décadas, e particularmente a partir de 2010, a fosso de Portugal em relação aos países mais desenvolvidos nesta área tem sido ainda mais cavado, conforme podem observar no terceiro gráfico (crescimento de base 100 a partir do ano 2000).
Em suma, pode sempre julgar-se, por uma questão de fé, que o nossos SNS está a dar conta do recado em relação à covid e que muito bom ou suficiente com o dinheiro que lhe é disponibilizado pelo Estado, e que os países mais desenvolvidos são uns gastadores ineficientes. Pode sempre pensar-se nisto, e rezar depois à Nossa Senhora de Fátima em tempos de pandemia, aguardando um milagre. E rezar também em tempos ditos normais.
Enfim, bem gostaria que esta pandemia nos trouxesse, pelo menos, a capacidade de reivindicar um melhor SNS. E isso não é exigir mais do pessoal médico nem exigir mais trabalho, é exigir das autoridades de Saúde e políticos que invistam mais no SNS, criando-lhe condições para estarem melhor preparados em todos os tempos. Pela nossa saúde. Física e económica.




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