sábado, 25 de abril de 2020

DA MISTERIOSA PANDEMIA NO SNS PIOR DO QUE A COVID

Quem me conhece sabe que, em assuntos sérios, “nunca acho nada”, mas sim “opino”, i.e., dou opinião com base em informação, sobretudo se analisada por mim. Ora, tenho acompanhado a actual pandemia, e assumido opiniões, em função de dados divulgados pelas autoridades de saúde. Como sabem, tenho privilegiado os dados da mortalidade total diária em detrimento dos óbitos por covid, porque, em abono da verdade, o que interessa, em termos de saúde pública, é o saldo de “baixas” e não se as vítimas morreram de uma afecção ou de outra. Não me satisfaz que, aos olhos da opinião pública nacional e internacional, Portugal pareça um “paraíso” na resposta à covid, mas seja afinal um “inferno” (escondido mas real) no resto.
Isto a pretexto de ter sido surpreendido por recentíssimas alterações, muito substanciais, nos dados sobretudo do último mês e meio do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO). Supostamente não controlada pelo Governo, esta base de dados indica, dia a dia, os óbitos em Portugal, permitindo análises estatísticas comparativas entre o presente ano e anos anteriores. Ora, há cerca de uma semana tinha feito uma análise para o período de 15 de Março até 17 de Abril, onde tinha detectado (antes mesmo de um relatório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge), um acréscimo de mortalidade, excluindo os óbitos por covid-19, de 679 pessoas com intervalo de confiança situado entre 411 e 946 óbitos. A situação era grave, mas não catastrófica, tendo em conta que a mortalidade diária não era excessivamente elevada (até então não existia registo de qualquer dia com mais de 400 óbitos) e o ano de 2020, para o período então em análise, estava acima da média, mas não era o pior.
Contudo, repareie sta tarde que, com as significativas alterações na base de dados (supostamente, repito, não controlada pelo Governo), o acréscimo de mortalidade é enorme. A título de exemplo, o dia 4 de Abril de 2020 tinha, pelo menos até há uma semana, um registo de 373 óbitos e agora surgem 421 óbitos. Comparando a mortalidade que analisei há uma semana para o período de 15mar-17abr, o SICO surge agora com mais 562 óbitos! Isto é, houve um acréscimo médio diário de um pouco mais de 16 óbitos! É uma correcção e pêras!
Posto isto, com este acréscimo, a situação actual muda drasticamente de figura. Reanalisando os dados, e alargando agora o período desde 15 de Março (dia da primeira morte oficial por covid) até 23 de Abril (40 dia), o ano de 2020 passa a ser, com grande distância, o mais mortífero desde 2010, com 14.251 óbitos, mais 2.190 óbitos do que a média da última década. Isto significa quase 55 mortes diárias a mais! O ano mais próximo de 2020 foi o de 2018, quando morreram, em período homólogo, 13.106 pessoas. Se se excluir as mortes oficiais por covid neste período (854 óbitos até 23 de Abril), mesmo assim o excesso de mortes em relação á média é muito grande: 1.336 óbitos, o que representa um acréscimo de cerca de 33 óbitos diários não explicados pela covid. No gráfico em anexo, a segunda coluna vermelha (2020sc) representa o número de mortes no período excluindo os óbitos por covid.
Para a análise ser mais rigorosa do ponto de vista estatístico, calculei os intervalos de confiança de 95%, pelo que, para o período em análise, teria sido expectável este ano, no período 15mar-23abr, uma mortalidade de 12.061 óbitos, com um limite mínimo de 11.726 óbitos e um máximo de 12.395. Significa assim que, tendo-se afinal registado 14.251 óbitos (até agora, no SICO) há um excesso de 2.190 óbitos, com o intervalo de confiança a situar-se entre 1.856 e 2.525 óbitos! Ora, como os dados oficiais para a covid-19, indicam, para o período em análise, 854 óbitos, então se excluirmos essas vítimas, o SNS tem de saber explicar um acréscimo de 1.336 mortes (em relação à média expectável) com um intervalo de confiança entre 1.002 e 1.671 óbitos. Ou seja, além das inevitáveis mortes pelas doenças habituais (mortalidade basal), não há agora qualquer dúvida de que as mortes não explicadas pela covid são em muito maior número do que as mortes por covid. Há uma “pandemia” no SNS maior do que a pandemia causada para a SARS-CoV-2.
Para os mais curiosos, incluo nesta análise dois gráficos que mostram, dia a dia, a evolução da mortalidade com e sem covid incluída em confronto com a média e seus limites inferior e superior, onde se nota uma dramática situação. Incluindo a covid, desde a última semana de Março a mortalidade ultrapassa largamente o limite superior do intervalo de confiança. E mesmo excluindo a mortalidade por covid, tal sucede em grande parte dos dias. Se olharmos para a média da última década, então a situação piora.
Em conclusão, julgo que a actual situação mostra-se agora muito mais dramática, mas não propriamente pela covid, mas sobretudo pelo resto. Pelas misteriosas mortes (em número bastante elevado) que o SNS não sabe ou não quer explicar, e que são de uma magnitude maior do que as da pandemia. E pela (des)confiança no sistema de vigilância da mortalidade. Estas rectificações no SICO, quase à socapa, onde não seria expectável modificações numéricas tão grandes, como as agora detectadas, não são aceitáveis nem justificáveis face às características inatas do sistema (o SICO é um registo de certidões de óbito passadas pelos médicos no dia da declaração da morte). Recordemos a promessa do Presidente da República de que ninguém iria mentir. Pois bem, então também nos convém que a verdade não seja demasiado maleável.




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