Os jornalistas do Público continuam obcecados pela situação da covid na Suécia, patente nas incessantes tentativas para demonstrar ao "povo português" que os malvados escandinavos estão em processo de extinção porque a Autoridade sueca de Saúde Pública, hélas, tem uma estratégia anti-covid que não inclui máscaras (embora inclua medidas racionais de controlo em função da situação real em cada momento).
O Público quer provar que não viver em constante pânico terá, para os suecos, um triste destino, do género apocalítico: "se não temes o Senhor, a Sua espada descerá dos céus e sofrerás da Sua inclemência". E serve-se tudo, menos dos factos.
A obsessão nem sequer é de um jornalista em concreto. Quase parece que a obsessão irradia por toda a redação do Público. Hoje temos a jornalista Maria João Guimarães relatando as conclusões de um inquérito na Suécia sobre a situação dos lares na primeira fase da pandemia. O Governo sueco já admitiu a existência de falhas durante a Primavera (responsável então por muito mais de metade da mortalidade por covid nesse país), e essas não parecem estar a repetir-se agora (em Portugal, a coisa é bem diferente, até porque aqui não se fazem inquéritos globais).
Porém, a talhe de foice, nada inocente, lá coloca a jornalista Maria João Rodrigues mais relatos sobre os estragos da "peste" em terras da fria Suécia. Segundo a jornalista, "a agência de estatísticas da Suécia disse, na véspera, que Novembro tinha um total de 8088 mortes por todas as causas, o número mais alto desde o primeiro ano da gripe espanhola (1918)." Uiiii... lá andamos nós com um problema de incultura matemática aliada a maldade.
Para o Público já é inevitável fazer um piscar de olho à gripe espanhola. Já é tique. Sucede, porém, que em 1918 a Suécia tinha 5,8 milhões de habitantes, e agora tem mais de 10,3 milhões, pelo que me parece normal haver agora mais mortes. Comparar números absolutos nestas circunstâncias é uma de duas coisas: ou burrice ou manipulação; nenhuma delas abona um profissional de jornalismo.
Por outro lado, convém salientar que a gripe espanhola, ao contrário de muitos outros países europeus (como Portugal), não afectou então a taxa de crescimento demográfico da Suécia, embora a mortalidade, nesse ano, tenha atingido os 104 mil óbitos, o que coloca a taxa de mortalidade em cerca de 18 óbitos por 1.000 pessoas. Note-se que o ano de 2020 terminará com uma mortalidade inferior 10 por 1.000 habitantes. Desde o período em análise, note-se, este país registou sempre crescimentos absolutos da sua população, e 2020 não será excepção, apesar da pandemia.
Além disso, sendo certo que a mortalidade em Novembro é, em termos absolutos, um recorde, tal não revela uma situação dramática, tendo em consideração o aumento demográfico. Por exemplo, entre 2015 e 2019, a população sueca aumentou em quase 480 mil pessoas, i. e., 4,8% (a população portuguesa diminuiu, no mesmo período, em 46 mil pessoas).
Assim, usando os dados disponibilizados no site SCB (o INE sueco), calculando a taxa de mortalidade do mês de Novembro (em função da população estimada no final do ano anterior), os valores de 2020 (0,77 óbitos por mil pessoas) são apenas ligeiramente superiores a 2015 (0,74), 2016 (0,75) e 2017. Ou seja, do ponto de vista de Saúde Pública, a Suécia não apresenta uma situação de catástrofe, nem pouco mais ou menos.
Aliás, numa conferência de imprensa da SCB foi referido que a taxa de mortalidade de Novembro de 2010 foi superior à que se registou agora, em 2020. Mas isso não interessa nada para o Público. Aquilo que lhes interessa é pintar de negro quem recusa estratégias absurdas...
Ah, já agora: mesmo já tendo mais população que Portugal, a Suécia teve no dia 15 o seu dia mais mortífero de Novembro, com 292 óbitos, sendo que a média (2015-2019) era de 245. No mesmo dia, Portugal registou 447 óbitos, sendo que a média era de 299...
Ah, e outra coisa: entretanto, o dia mais mortífero deste ano em Portugal foi anteontem (14 de Dezembro), com 458 óbitos. A média (2015-2019) nesse dia era de 326. O "sucesso" destes números, provavelmente diria o Público, está, como é óbvio, relacionado com o facto de o Governo português não ter seguido a estratégia da Suécia. Só pode, não é?
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