quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

DA OBSESSÃO DO PÚBLICO PELA SUÉCIA

Os jornalistas do Público continuam obcecados pela situação da covid na Suécia, patente nas incessantes tentativas para demonstrar ao "povo português" que os malvados escandinavos estão em processo de extinção porque a Autoridade sueca de Saúde Pública, hélas, tem uma estratégia anti-covid que não inclui máscaras (embora inclua medidas racionais de controlo em função da situação real em cada momento). 

O Público quer provar que não viver em constante pânico terá, para os suecos, um triste destino, do género apocalítico: "se não temes o Senhor, a Sua espada descerá dos céus e sofrerás da Sua inclemência". E serve-se tudo, menos dos factos.

A obsessão nem sequer é de um jornalista em concreto. Quase parece que a obsessão irradia por toda a redação do Público. Hoje temos a jornalista Maria João Guimarães relatando as conclusões de um inquérito na Suécia sobre a situação dos lares na primeira fase da pandemia. O Governo sueco já admitiu a existência de falhas durante a Primavera (responsável então por muito mais de metade da mortalidade por covid nesse país), e essas não parecem estar a repetir-se agora (em Portugal, a coisa é bem diferente, até porque aqui não se fazem inquéritos globais). 

Porém, a talhe de foice, nada inocente, lá coloca a jornalista Maria João Rodrigues mais relatos sobre os estragos da "peste" em terras da fria Suécia. Segundo a jornalista, "a agência de estatísticas da Suécia disse, na véspera, que Novembro tinha um total de 8088 mortes por todas as causas, o número mais alto desde o primeiro ano da gripe espanhola (1918)." Uiiii... lá andamos nós com um problema de incultura matemática aliada a maldade.

Para o Público já é inevitável fazer um piscar de olho à gripe espanhola. Já é tique. Sucede, porém, que em 1918 a Suécia tinha 5,8 milhões de habitantes, e agora tem mais de 10,3 milhões, pelo que me parece normal haver agora mais mortes. Comparar números absolutos nestas circunstâncias é uma de duas coisas: ou burrice ou manipulação; nenhuma delas abona um profissional de jornalismo. 

Por outro lado, convém salientar que a gripe espanhola, ao contrário de muitos outros países europeus (como Portugal), não afectou então a taxa de crescimento demográfico da Suécia, embora a mortalidade, nesse ano, tenha atingido os 104 mil óbitos, o que coloca a taxa de mortalidade em cerca de 18 óbitos por 1.000 pessoas. Note-se que o ano de 2020 terminará com uma mortalidade inferior  10 por 1.000 habitantes. Desde o período em análise, note-se, este país registou sempre crescimentos absolutos da sua população, e 2020 não será excepção, apesar da pandemia.

Além disso, sendo certo que a mortalidade em Novembro é, em termos absolutos, um recorde, tal não revela uma situação dramática, tendo em consideração o aumento demográfico. Por exemplo, entre 2015 e 2019, a população sueca aumentou em quase 480 mil pessoas, i. e., 4,8% (a população portuguesa diminuiu, no mesmo período, em 46 mil pessoas).

Assim, usando os dados disponibilizados no site SCB (o INE sueco), calculando a taxa de mortalidade do mês de Novembro (em função da população estimada no final do ano anterior), os valores de 2020 (0,77 óbitos por mil pessoas) são apenas ligeiramente superiores a 2015 (0,74), 2016 (0,75) e 2017. Ou seja, do ponto de vista de Saúde Pública, a Suécia não apresenta uma situação de catástrofe, nem pouco mais ou menos.

Aliás, numa conferência de imprensa da SCB foi referido que a taxa de mortalidade de Novembro de 2010 foi superior à que se registou agora, em 2020. Mas isso não interessa nada para o Público. Aquilo que lhes interessa é pintar de negro quem recusa estratégias absurdas...

Ah, já agora: mesmo já tendo mais população que Portugal, a Suécia teve no dia 15 o seu dia mais mortífero de Novembro, com 292 óbitos, sendo que a média (2015-2019) era de 245. No mesmo dia, Portugal registou 447 óbitos, sendo que a média era de 299... 

Ah, e outra coisa: entretanto, o dia mais mortífero deste ano em Portugal foi anteontem (14 de Dezembro), com 458 óbitos. A média (2015-2019) nesse dia era de 326. O "sucesso" destes números, provavelmente diria o Público, está, como é óbvio, relacionado com o facto de o Governo português não ter seguido a estratégia da Suécia. Só pode, não é?




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