Há dias, na revista Lancet Respiratory Medicine (vdf. aqui), foi publicado um artigo científico que teve a ousadia de comparar a mortalidade (e mais outros indicadores clínicos) entre a gripe e a covid. Desde o início da pandemia do SARS-CoV-2, a começar aqui no FB, fazer alguma alusão entre gripe e covid daria (e se calhar ainda dá) azo a bloqueio e/ou nomes feios.
O estudo francês, concluía, grosso modo, que a covid foi, na primeira vaga, três vezes mais letal do que fora o surto de gripe de 2018-2019, o mais mortífero dos últimos cinco anos. Não me surpreendeu, e, no entanto, fiquei com uma sensação de nunca ter estado errado desde o início de uma pandemia que se sustentou sempre no histerismo.
Infelizmente, estes estudos ainda se mantêm raros e, na verdade, choca-me que investigadores portugueses na área da gripe e outras doenças respiratórias continuem a contribuir activamente para colocar a covid num patamar de "doença terrível" e "incomparável".
Aliás, um dos grandes estudiosos nesta área é, curiosamente, Baltazar Nunes, professor do INSA e consultor da DGS, que ainda no Verão tentou "lavar" as responsabilidade do SNS relativamente à mortandade de idosos em Julho por afecções não-covid. Baltazar Nunes, tal como Filipe Froes, bem sabem que a covid deve ser classificada e analisada como uma infecção respiratória com características específicas, mas que não é o fim do Mundo.
Na verdade, Baltazar Nunes é co-autor de um artigo científico publicado em 2011 (vd. aqui) que analisou, em detalhe, o excesso de mortalidade associado aos surtos gripais no período 1980-1981 e 2003-2004 (entre Outubro e Maio), e bem recordado deverá estar de vários surtos gripais particularmente mortíferos (sobretudo associados ao subtipo H3N2, o mesmo da gripe de Hong Kong de 1968-1969, que matou entre um e quatro milhões de pessoas em todo o Mundo).
No caso específico do surto gripal de 1998-1999 (Outubro de 1998 a Maio de 1999) foi então estimada a morte em Portugal de 8.514 pessoas (com o intervalo de confiança entre 7.908 e 9.120 óbitos). Notem: este surto gripal em poucos meses matou mais do que a covi, e quando a população portuguesa era menos envelhecida. Em mais três anos o excesso de mortos foi superior a 5.000 (vd.gráfico).
Enfim, convinha começarmos a olhar, como pessoas e como sociedade, para a covid com olhos de racionalidade. A covid é uma doença perigosa, mas não é o fim do Mundo. E muito provavelmente, como sucede com o H3N2, vai-nos continuar a visitar, e teremos de encontrar estratégias racionais, assumindo que, infelizmemente, a morte está presente na vida e nas sociedades. Mas estará ainda mais presente se, como anda a suceder em Portugal, o SNS se mantiver num estado comatoso.
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