sexta-feira, 22 de maio de 2020

DO 'FICA EM CASA'... PARA MORRER

A evolução dos óbitos registados no domicílio entre a segunda quinzena de Março e o final da segunda quinzena de Abril indicia que a pandemia trouxe níveis de medo que terão implicado, em alguns períodos, o surgimento de doenças súbitas, e um afastamento das urgências mesmo perante sintomas graves, que resultaram num inusitado acréscimo de óbitos evitáveis.
Com efeito, nas semanas anteriores à pandemia, e depois do abrandamento do surto gripal, os óbitos diários no domicílio do falecido rondavam os 80. Na primeira quinzena de Março, a média diária foi de cerca de 83. Em 16 de Março, dia da declaração da primeira morte por covid-19 em Portugal, os óbitos no domicílio subiram para 110 e, dois dias depois, sendo anunciado o primeiro Estado de Emergência, atingiram os 126, representando 38% do total, um recorde do ano. A média móvel manter-se-ia acima da centena de óbitos diários até 17 de Abril, descendo apenas para os níveis anteriores à pandemia na última semana de Abril.
Sendo certo que, sobretudo durante o mês de Abril se foram intensificando os alerta de médicos, bem como análises que apontavam para uma redução diária de 191 mil visitas às urgências hospitalares durante o primeiro mês e meio da pandemia (Nogueira et al., 2020), esta situação perdurou por demasiado tempo, contribuindo muito para o acréscimo de mortes por patologias não relacionadas com a covid-19. Se confrontarmos as mortes no domicílio na segunda quinzena de Março e primeira quinzena de Abril com a média da primeira quinzena de Março, estima-se então um excesso de 658 mortes potencialmente evitáveis apenas por esta via. Efacto, se o período 16mar-15abr registasse a mesma média diária da primeira quinzena de Março (83,47 óbitos) seria expectável a ocorrência de 2.671 mortes, mas na realidade observaram-se 3.329.
No entanto, o excesso de mortes não se registou apenas no domicílio. Estimativas recentes indicam excesso de mortalidade que ronda, pelo menos, as duas mil mortes, sendo que apenas metade se deveram à covid-19.

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