Temos hoje, por mil e uma razões, uma população martirizada, sobretudo a mais idosa, pela ânsia e pela carência de assistência de cuidados médicos, por via do adiamento de consultas, diagnósticos e cirurgias do nosso SNS (por opção política). A gestão da covid-19, temo, pode estar, neste Verão, a criar a tempestade perfeita para uma calamidade pública.
Fiz um mero exercício, que mostro no gráfico em baixo, que reflecte a evolução da mortalidade na onda de calor de 2013, entre 23 de Junho e 14 de Julho (barras vermelhas), que causou uma subida inusitada nos óbitos, sobretudo entre os dia 6 e 11 de Julho, quando as temperaturas superaram os 40 graus em grande parte do território. O pico ocorreu em 8 de Julho, com 498 óbitos, sensivelmente o dobro das mortes do que é expectável num dia normal de Verão (linha amarela). Meses mais tarde, a DGS estimaria que esta onda de calor causou um excesso de 1684 óbitos, afectando sobretudo os maiores de 75 anos.
Olhando agora para a evolução recente da mortalidade de 2020 (linha a negro), estamos numa situação singular, bastante perigosa. A mortalidade está bem acima da média, e temos uma população idosa muito debilitada depois deste meses de omnipresente covid. Com uma onda de calor agreste nas actuais circunstâncias, vamos ter indubitavelmente a mortalidade a disparar, E não será "só até aos 498 óbitos num dia, nem vai ficar por um excesso de mortalidade da ordem dos 1.500. Temo que venha a ser muito mais.
Não querendo ser alarmista, e pelas previsões meteorológicas dos próximos dias, julgo que estamos no momento em lançar um alerta lancinante. O Governo e a DGS vão ter de fazer muito mais do que sugerir que os idosos se ponham as fresco a beber água. Isso só não resulta. Precisamos de um plano de contingência. O sol é, neste momento, acreditem, muito mais perigoso que o SARS-CoV-2. E eu não quero vir, daqui a uma semana, dizer "olhem! vejam o que escrevi na semana passada".
Nota 1:
Link para o relatório da DGS sobre a onda de calor de 2003
https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/relatorio-da-onda-de-calor-de-2306-a-1407-de-2013-em-portugal-continental-pdf.aspx
Nota 2: Todos os dados que se utilizaram provêm do e-VM da DGS (https://evm.min-saude.pt/#shiny-tab-a_total). A média (linha amarela) é referente ao período 2009-2019, excluindo o ano de 2013, para retirar o efeito da onda de calor desse ano. A mortalidade diária de 2020 refere-se à média diária de 5 dias.
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