sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

DO ANNUS HORRIBILIS

O ano de 2020 já será, garantidamente, o mais mortífero de que há registo. Até dia 10 de Dezembro foram contabilizados 114.810 óbitos, e o ano que mais se aproxima (e até 31 de Dezembro) teve 113.594 (ano de 2018). Pelas minhas estimativas, e tendo em consideração que, desde Novembro se está a registar um acréscimo de 30% na mortalidade total, prevejo que a mortalidade de 2020 até 31 de Dezembro venha a suplantar os 124 mil. Nesta linha, teremos então um acréscimo absoluto de cerca de 13 mil óbitos em relação à média do último quinquénio, e superior a 15 mil face média da última década. Em termos relativos será um acréscimo de 11,5% e 14,3%, respetivamente.

Foi tudo culpa da covid? Claro que não. Mesmo admitindo que se venha a chegar ao final do ano com valores acima de 7.000 óbitos (muito provável, tendo em conta os infectados com mais de 70 anos e sobretudo com mais de 80 anos), a covid representará pouco mais de 5,5% de todas as causas de morte. 

Ou seja, se fosse a covid o único e fundamental motivo para o acrécimo de mortalidade teríamos cerca de 117 mil óbitos até ao final do ano de 2020. ATENÇÃO: Na verdade, até muito menos, porque geralmente não se anda a contabilizar o "efeito" indirecto da covid na prevalência de outras infecções respiratórias. 

Com efeito, estimo que, apenas com o efeito covid, e sem colapso do SNS, teríamos  114 mil óbitos no final do ano, e afirmo isto porque, em virtude da pandemia, se registou um número anormalmente baixo de infecções respiratórias (e.g. pneumonias), que apresentam, em situação normal, cerca de 1,5% de taxa de letalidade. Essa redução "poupou" vidas de pessoas, sendo certo que uma parte foi, depois, vítima da covid (e signifia isto também que, se não houvesse covid, a pneumonia teria matado mais gente, como habitualmente) 

Este valor não é atirado ao ar. Por exemplo, em 2018, ano em que se registaram 432 mil episódios de infecções respiratórias que resultaram em 6.547 óbitos (dados da Plataforma da Mortalidade do SNS), então a mortalidade por esta causa será inferior em pelo menos 3.000 óbitos em 2020, visto que até 10 de Dezembro se contabilizou apenas pouco mais de 187 mil episódios de infecções respiratórias (ou seja, menos de metade de 2018).

Em suma, e em termos de balanço líquido, confirmando-se os números que agora estimo (mortalidade total e por covid), direi que a pandemia do SARS-Cov-2 será responsável por 4.000 óbitos a mais (deduzida a menor mortalidade por pneumonias indirectamente relacionada com as medidas anti-pandemia), e que, por outro lado, as outras causas não-covid (decorrentes do colapso conjuntural do SNS, e, temo, já estrutural) representarão um acréscimo de 9.000 óbitos em relação à média do útimo quinquénio, ou de cerca de 11.000 óbitos face à média da última década.

Quanto a Janeiro de 2021, mantenho o meu pessimismo: o mês de Janeiro costuma ser o mês mais mortífero em qualquer ano. E também sobretudo pela evolução da curva da mortalidade total desde  Outubro, que não parece típica de "surtos". Sobre isso escreverei em breve.

Fonte. SICO-eVM e SNS (Plataforma da Mortalidade e Monitorização da Gripe e Outras Infecções Respiratórias)

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