quinta-feira, 30 de abril de 2020

DO MEDO E SEUS MORTAIS EFEITOS


Também se morre de medo. Ou dos efeitos do medo. Quando o Governo anunciou uma estratégia para o combate à covid - e a DGS deve, ou deveria, ter especialistas nesta matéria - tinha a obrigação de transmitir confiança e tomar medidas práticas para evitar a "fuga às urgências". Só tardiamente, na minha opinião, fez algo, mas o gráfico que apresento hoje - mais um, tem de ser - mostra que havia indicadores seguros de o medo estar a causar MUITAS vítimas indirectas da covid. E causou durante um mês inteiro. E só agora, nas últimas duas semanas, está em decréscimo.



O gráfico, a partir da informação da Vigilância da Mortalidade (SICO - DGS), mostra a evolução dos óbitos que ocorreram no domicílio da vítima, com a linha vermelha a indicar a média móvel de 5 dias e a linha cinzena o registo diário. Por regra, se se verificam significativas e bruscas variações na mortalidade no domicílio é expectável que essa diferença em relação à "base" seja devida a doenças súbitas, como AVC e enfartes.

Ora, por isso mesmo, não julguem que foi por um acaso que, ao longo da primeira quinzena de Março "andassem" a morrer em suas casas uma média de 84 pessoas por dia, e de repente, logo no dia 16 de Março (em que se anuncia a primeira vítima por civid), os óbitos no domicílio disparam para 110. É uma subida de 30%. No dia da declaração do primeiro Estado de Emergência morrem 126 pessoas em casa! Mas se fosse apenas uns poucos dias, era grave mas não gravíssimo. O problema é que esse número de óbitos foi-se mantendo anormalmente elevado (em relação à primeira quinzena de Março) até ao dia 15 de Abril. Ou seja, durante um mês a média de óbitos em casa atingiu 107 por dia. Em alguns dias superou-se a fasquia dos 120 óbitos. Somente a partir daí se tem registado um decréscimo para níveis "normais" (abaixo de 80-90 por dia).

Sempre me podem dizer que a "culpa" é das pessoas. E das vítimas. Mas eu direi: balelas! Isso não serve de desculpa. A responsabilidade é também do SNS (leia-se Ministério da Saúde). Se o SNS tem dados que permita criar indicadores de alerta em tempo quase real (o SICO permite isso), podem, e deviam, ter tomado medidas de comunicação junto das populações quando se verifica uma variação tão abruptra neste indicador, que deve ser interpretado. E ou ninguém na DGS viu isso, ou viu e não ligou, o que vai dar ao mesmo.

Espero que tudo seja diferente na próxima situação (que espero que não aconteça), sobretudo se, com o fim do confinamento, se verificar um acréscimo no número de casos de covid.


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