quarta-feira, 8 de abril de 2020

DA MIRAGEM DO PLANALTO

O Público (e outros media) noticia que «especialistas» reunidos com o Governo e PR terão dito que «a evolução do número de casos [de covid-19] parece indiciar que estamos no 'planalto' da curva e o pico pode ter já sido entre os dias 23 e 27 de Março». Enfim, já tenho salientado que se não se souber ao certo de que têm estado a morrer as pessoas (se de covid ou de outras afecções), não vale a pena andar em especulações sobre picos e planaltos da covid.
Aquilo, porém, que posso garantir é que não vejo 'planalto' algum na evolução da mortalidade total (e essa situação deveria preocupar muito o Governo). Pelo contrário, vejo um cadenciado crescimento desde a segunda semana de Março, depois de ter sido 'cavado' um 'vale encaixado', mostrando-se uma 'encosta' agreste. Na realidade, não há ainda vislumbre de 'pico' nem de 'planalto' nos últimos dias. O gráfico que apresento, com a média móvel de cinco dias (para atenuar as variações mais bruscas e visualizar mais rapidamente tendências), é extremamente elucidativo.
Explique-se o gráfico.
Como tenho referido, os meses de Inverno são tendencialmente mais mortíferos (e será extremamente grave se ultrapassarmos em Abril os óbitos de Janeiro), devido aos surtos de gripe e ao tempo mais frio. Mesmo com melhores condições climatéricas e um surto gripal menos agressivo, a mortalidade média (móvel) na segunda metade de Janeiro de 2020 rondou os 390 óbitos por dia (a média aritmética do mês situou-se nos 383). A partir de Fevereiro, a mortalidade registou uma consistente redução até 8 de Março (média móvel de 287 óbitos). Depois... bom, depois, a covid-19 começou a 'agir'. Com efeito, apesar da primeira morte oficial ter sido registada apenas em 16 de Março é muito provável que já tivessem falecido pessoas desta doença alguns dias antes. A média móvel nesse dia 16 (320 óbitos) já estava 11% acima do mínimo do dia 8. E, com ligeiras variações, a partir desse dia 8 de Março, o crescimento tem sido contínuo.
Enfim, se o gráfico da mortalidade fosse a evolução de uma cotação, nenhum 'trader' arriscaria dizer que se estava perante uma estagnação do 'preço' do título nem que havia sinais de descida a curto prazo. Jamais venderia o 'título' com esta evolução. Nem eu 'vendo' a ideia, por este gráfico, de estarmos num qualquer 'planalto' da covid. Infelizmente, temos que 'pagar' para ver os próximos dias. E estou mais tentado a ver uma subida do que uma descida, por muita fé que deseje ter.
E entretanto, o Governo poderia, e deveria, ver melhor do que andam os portugueses a morrer. Será de covid-19 (e nãos se sabe a dimensão real), mas não só. E para o 'não só' conhecem-se 'vacinas' e tratamentos. Basta que o SNS não aposte todas as cartas no mesmo jogo.

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