domingo, 12 de abril de 2020

DA IRRACIONALIDADE

Tem-se uma sensação estranha quando se confronta a mortalidade durante o surto gripal de 2016-2017 e o actual momento em redor da recente pandemia da covid-19. Há cerca de três anos, entre um sepulcral silêncio e uma indiferença completa, registaram-se 21 dias consecutivos - repito, 21 dias consecutivos -, entre 24 de Dezembro de 2016 e 13 de Janeiro de 2017, sempre com mais de 400 mortes diárias. No dia 3 de Janeiro desse ano atingiu-se um pico de 578 mortes!
Enquanto isso, na actual pandemia, o máximo de óbitos foi, até agora, de 379. Sendo um número elevado para a época do ano, não é catastrófico... Por exemplo, só em Janeiro deste ano, durante a habitual época gripal, registaram-se 17 dias com a mortalidade acima dessa fasquia dos 379 mortos.
E pergunto, sem colocar em causa a gravidade da situação: é preciso este omnipresente pânico? E faço outra pergunta: e porque somos indiferentes aos surtos mortíferos de gripe, que matam muito mais do que muitos, quase todos, imaginam?


DA IRREAL REALIDADE

Conseguir tirar uma fotografia num ensolarado domingo de Abril na Praça Camões e não precisar de usar Photoshop para fazer “desaparecer” pessoas.


DA INCIDÊNCIA DA COVID NO PAÍS

Tenho mostrado algum cepticismo no uso dos casos positivos para uma correcta avaliação da covid-19 em Portugal, embora possa constituir um indicador ao nível da incidência e da sua evolução.
Predispus-me assim a analsar com mais detalhe os casos positivos por concelho, cruzando essa informação com a população dos respectivos concelhos e, por outro lado, com a sua densidade populacional. Para essa informação utilizei os dados da população dos últimos Censos (2011) e as densidades populacionais indicadas pelo Pordata.
Apesar de Lisboa ter o maior número de casos (890), de forma clara o Norte do país é, como se sabe, aquele com maior prevalência, embora nem seja nas grandes cidades que a situação se mostra mais preocupante. Com efeito, se considerarmos o número de casos por 10 mil habitantes, eis a lista dos primeiros 10 concelhos:
1 - Vila Nova de Foz Côa (70 casos) - 96 casos / 10.000 hab
2 - Ovar (409 casos) - 74 casos / 10.000 hab
3 - Castro Daire (91 casos) - 59 casos / 10.000 hab
4 -Valongo (479 casos) - 51 casos / 10.000 hab
5 - Resende (53 casos) - 47 casos / 10.000 hab
6 - Maia (588 casos) - 43 casos / 10.000 hab
7 - Gondomar (681 casos) - 41 casos / 10.000 hab
8 - Matosinhos ((682 casos) - 39 casos / 10.000 hab
9 - Porto (885 casos) - 37 casos / 10.000 hab
10 - Braga (621 casos) - 34 casos / 10.000 hab

Como termo de comparação, a Espanha (todo o país, mas com regiões onde a prevalência é muito superior) apresenta 35,5 casos por 10.000 habitantes, ou mais precisamente 3.551 casos positivos por 1 milhão de habitantes.
Por curiosidade, Lisboa apresenta hoje 16 casos por 10.000 habitantes, estando na 33ª posição a nível nacional.
No gráfico em baixo apresenta-se a relação entre a prevalência de casos (número de positivos em relação aos habitantes) e a densidade populacional. A ideia era saber se os mais densos e maiores aglomerados populacionais apresentavam uma maior prevalência de casos positivos. E os resultados não fogem daquilo que seria expectável face aos objectivos do estado de emergência: reduzir significativamente o risco de contágio nas maiores cidades onde os contactos e a proximidade física (transportes públicos, por exemplo) é geralmente maior.
Assim, actualmente,a maior prevalência de casos atinge sobretudo alguns concelhos de mais baixa densidade populacional onde os contágios se iniciaram numa fase precoce e/ou em "nichos", como lares de idosos, propensos a elevado nível de contaminação geral. São, aliás, os casos de Vila Nova de Foz Côa, Castro Daire e Resende, que estão no top 10, mas também os de Alvaiázere (11º) e Torre de Moncorvo (16º), que têm menos de 20 mil habitantes e uma densidade inferior a 100 habitantes por Km2.
Para análises mais aprofundadas seria fundamental que a DGS disponibilizasse informação sobre a incidência dos casos em lares (onde parece ser o principal foco de contaminação nos pequenos aglomerados). Em todo o caso, parece evidente que, embora com enormíssimos custos económicos, parece-me que o estado de emergência terá tido um efeito positivo em evitar a propagação da pandemia. Mas isso é apenas uma pequena vitória. Na verade, como tenho repetido, o problema não é o input (nível de contaminação), mas os outputs, ao nível das mortes (totais, e não apenas por covid-19),a curto e longo prazo.
Nota final: um agradecimento ao Paulo Fernandes, que,de forma indirecta, me estimulou a fazer esta análise, depois de ele próprio a ter feito entre os países mundiais.



sábado, 11 de abril de 2020

DOS EFEITOS COLATERAIS

Desde a terceira semana de Março tenho vindo a alertar para o excesso de mortalidade em Portugal desde que a covid-19 começou a atacar. E nos últimos dias confirma-se uma terrível tendência: se os números oficiais sobre as mortes da covid-19 estão correctos, então o vírus é mesmo "inteligente", pois: 1) consegue matar pela própria doença que causa; 2) consegue matar indirectamente pelo pânico que lançou, que fez com que as pessoas recusem uma ida às urgências em caso de doença súbita; 3) consegue matar pela descoordenação dos hospitais, que não conseguem organizar-se para acudir ao excepcional e ao normal; e 4) consegue matar pela obsessão dos políticos que acham que apenas interessa evitar mortes por covid-19, pouco lhes importando se as pessoas morrem de outras doenças.
Felizmente, têm surgido diversos alertas, mesmo de médicos, sobre esta situação, e espero que não tenhamos que lamentar, no futuro, mais mortes por não-covid (evitáveis) do que por covid. Nesse aspecto, até agora olho com bastante preocupação para este problema, razão pela qual observo mais a mortalidade total do que a causada por covid-19.
Conforme podem observar no gráfico de hoje (e tenho procurado sempre fazer análises distintas), apresento a evolução da mortalidade desde Março até ao dia 9 de Abril. Como tenho referido, Março deste ano iniciou-se com uma mortalidade muito mais baixa do que a média dos últimos 10 anos, mas a partir da segunda semana encetou uma subida que indicia que a covid-19 começou a matar alguns dias antes da primeira morte oficial (15 de Março, divulgada no dia anterior).
Assumindo que a a base expectável de mortalidade a partir de Março deste ano exclui a covid-19 e é aquela que foi registada, se inferior à média dos últimos 10 anos, ou igual à média dos últimos 10 anos, se superior, o gráfico destaca assim sobretudo o acréscimo em cada dia que se tem vindo a observar, separando a covid-19.
Torna-se, portanto, particularmente notório que o excedente de mortalidade tem sido bastante elevado desde a terceira semana de Março, totalizando já 972 óbitos acima da média no período entre 24 de Março e 9 de Abril, i.e., um acréscimo médio de 57 óbitos por dia. Deste acréscimo, e no período em causa, a covid-19 "explica" apenas 41% das mortes. Ou seja, os efeitos colaterais representam já 59% do acréscimo de mortes, o que para o período em causa representa 549 óbitos. Atente-se que este valor deverá ser ainda superior, tendo em conta que estava a ser expectável que, sem covid-19, a mortalidade em Março e Abril seria mais baixa do que a média.
Em conclusão: o país, e o seu Serviço Nacional de Saúde, não tem apenas uma "guerra" a ganhar: a covid-19. Temos outra "frente de batalha", que são as outras doenças. E nessa outra "frente", claramente o SNS está a perder. E não tem desculpa.
Fonte dos dados: SICO - VIgilância da Mortalidade (DGS)

sexta-feira, 10 de abril de 2020

DAS IDADES – UMA (muito longa mas necessária) ANÁLISE ELEMENTAR

Para enquadramento, quatro factos conhecidos para se seguir para uma análise “surpreendente”, ou talvez não:
1) tem sido observado um excesso de mortalidade nas últimas semanas em Portugal, significando que estão a morrer mais pessoas do que a média da última década em período homólogo;
2) esse excesso de mortalidade é elevado para a época do ano, mas não exagerado se comparado com períodos de surtos sazonais de gripe; aliás, o dia mais mortífero de 2020 foi o dia 15 de Janeiro (426 óbitos), que confronta com os 379 óbitos de 7 de Abril, o máximo até agora atingido desde o registo oficial da primeira vítima do novo coronavírus. Relembre-se que o dia mais mortífero desde 2009 foi o segundo dia de Janeiro de 2017, num pico de gripe sazonal, que causou 578 mortos!
3) o incremento desse excesso de mortalidade, desde a segunda quinzena de Março, é superior a 800 óbitos, que confronta com os 409 mortes por covid (até 8 de Abril), podendo isto significar uma subavaliação das mortes por covid-19 ou a ocorrência de mortes “colaterais” por deficiências de assistência de socorro por doença súbita (por responsabilidade directa ou não do SNS)
4) por fim, o Mundo, e Portugal, anseiam por conhecer um “planalto” que depois permita uma inversão da mortalidade até níveis aceitáveis (politicamente existirá esse nível?).
Tenho vindo a abordar, com os meios possíveis e parcos conhecimentos, a evolução da covid-19, tentando sobretudo olhar para este problema de saúde pública como algo global. Já não me interessa saber quais os casos positivos (inputs), cujos valores jamais reflectirão o nível de contaminação da sociedade, nem tão-pouco o registo oficial de mortes por covid-19, uma vez que não exprimem nem explicam correctamente a mortalidade que se tem vindo a verificar (output).
De entre essas análises, uma destaquei ontem ao defender, com justificação, que não estaremos ainda num qualquer ‘planalto’ nem existem garantias de se ter atingido um ‘pico’. A análise que vos apresento hoje revela algumas situações interessantes e que fornecem pistas para uma eventual resolução política, sobretudo se se confirmar com avaliações mais detalhadas com outro tipo de dados (que não possuo) e se tal se observar em mais países.
Ora, a análise que fiz, a qual se sintetiza nos gráficos em baixo, pretendeu saber qual tem sido efectivamente o “efeito covid-19”, incluindo aqui os impactes colaterais, com mortes ocorridas nos diferentes grupos etários, tendo em conta a evolução desde o início de Março e a média dos últimos cinco anos. Como habitualmente procedi ao uso de médias móveis de 5 dias para atenuar variações bruscas entre dias.
De uma forma sintética, eis as principais conclusões:
1) Como já se sabia, o “efeito covid” está a fazer-se sentir sobretudo na faixa etária das pessoas com mais de 75 anos, mas de forma bastante agreste. Na primeira semana de Março, este grupo ainda apresentava uma mortalidade bastante inferior à média (223 vs. 251), mas inverteu rapidamente, passando a ser mais mortífero do que média a partir do dia 13 de Março, revelador de que as mortes por covid surgiram antes do indicado pelas autoridades de saúde. No dia 8 de Abril, a diferença da média móvel entre 2020 e a média dos cinco anos anteriores é de cerca de 52 óbitos por dia. O gráfico parece denunciar um “patamar” a partir do dia 27, mas é enganador, uma vez que a média dos últimos cinco anos mostra uma variação decrescente, que se justifica por a Primavera apresentar melhores condições de sobrevivência para este grupo etário. A excessiva mortalidade neste grupo, que se estima da ordem dos 770 óbitos entre 16 de Março e 8 de Abril, não encontra justificação nos números indicados pela DGS para as mortes por covid-19 quer para esta faixa etária quer mesmo para o global. Note-se que este grupo etário representa, geralmente, entre 70% e 75% do total das mortes registadas em Portugal.
2) Não se encontra este padrão de forte incremento da mortalidade e de divergência em relação à média, nem de forma leve, nos outros grupos etários.
3) No caso do grupo etário entre os 65 e 74 anos, aparentemente não se observa qualquer “efeito covid”. É certo que os níveis de mortalidade estão acima da média desde o dia 25 de Março, mas de forma muito ténue. Entre 16 de Março e 8 de Abril, este grupo etário teve somente um acréscimo em relação à média de 48 óbitos, o que dá apenas duas mortes a mais por dia.
4) A faixa etária dos 55 aos 64 anos é, porventura, a que regista uma evolução mais surpreendente. Ou talvez não. Embora se tenha observado em quase todo o mês de Março uma mortalidade abaixo da média, modificou esse padrão de uma forma brusca a partir do início de Abril, já muito depois da instauração do Estado de Emergência. A divergência para a média em 8 de Abril não é muito significativa (mais cinco óbitos), mas a meio de Março a diferença era também de cinco mortes mas mais favorável a 2020. Isto é, em três semanas observa-se uma significativa alteração. Serão os efeitos colaterais da covid? Ou seja, uma parte do acréscimo de mortes neste grupo etário dever-se-á ao facto de as vítimas, receosas de serem contaminadas em meio hospitalar, terem menosprezado sintomas de doença súbita fatal?
5) De resto, nas restantes faixas etárias em análise (entre os 45 e os 54 anos, e com menos de 45 anos), não se vislumbra qualquer variação relevante. Mesmo registando-se aproximações dos valores da mortalidade entre o presente ano e a média dos últimos cinco anos (com pontuais ultrapassagens), o mês de Março e o início do mês de Abril foram, para estes grupos etários, menos mortíferos. Com efeito, comparando as médias móveis, no período entre 16 de Março e 8 de Abril, o ano de 2020 contabilizou 291 óbitos na faixa dos 45-54 anos e 144 óbitos para os menores de 45 anos, que confronta com 300 óbitos (mais nove) e 186 óbitos (mais 38), respectivamente, na média dos últimos cinco anos.
6) Estes últimos dados parecem assim mostrar – exigindo uma análise mais fina e detalhada – que a covid NÃO ESTÁ a afectar a população jovem e em idade activa até pelo menos os 54 anos. Sendo expectável que a contaminação efectiva (desconhecida) pelo novo coronavírus tenha atingido de forma razoavelmente equitativa todos os grupos etários, esta análise mostra que o output (mortes) é extremamente reduzido, ao nível ou menos a um nível inferior ao de um surto gripal.
7) Convinha mesmo analisar politicamente tudo isto. Proteger os idosos e vulneráveis (de qualquer idade) - algo que deve ser feito também em períodos gripais, que matam por vezes mais de cinco mil pessoas em Portugal - mostra-se essencial, mas haverá certamente estratégias que não impliquem esforços colossais (logísticos e económicos) para proteger outros grupos que, afinal, não estão em risco. Até porque o "efeito covid" está a matar tanto por via do coronavírus como por "vias colaterais".~


quinta-feira, 9 de abril de 2020

DA ASSUSTADORA CURVA

De todas as análises que tenho vindo a fazer - e não uso modelos matemáticos de previsão complexos e que são, portanto, muito falíveis, e socorro-me 'apenas' dos dados da Vigilância da Mortalidade da DGS, i.e., da realidade -, esta que agora vos apresento é porventura a que melhor reflecte a actual situação. Muito desfavorável, convenhamos: o tão almejado 'planalto', ou o desejado 'pico', não existe ainda. Pelo contrário, só vejo uma interminável 'colina'.
Com efeito, o gráfico em baixo mostra a evolução da diferença da mortalidade (desde Dezembro de 2019 até ao dia 7 de Abril) entre o período em curso (2019-2020) e o período homólogo da década anterior. Usei a média móvel de 5 dias para atenuar variações bruscas diárias, mas sem retirar rigor na análise, já que é um período suficientemente curto. A análise desde Dezembro permite ter em consideração o período típico da gripe sazonal e da maior mortalidade no Inverno, e contextualizar com o último mês desde o surgimento da covid-19 em Portugal (primeiro caso 'descoberto' em, 2 de Março; primeira morte oficial em 16 de Março).
Pois bem (ou mal), aquilo que está a suceder começa a ser assustador. Desde a segunda semana de Março deste ano observa-se uma rápida e aparentemente ininterrupta subida da diferença da mortalidade em relação à média da última década. No dia 9 de Março, a diferença de mortalidade era favorável a 2020, com menos de 47 diários óbitos em relação à média; e no dia 7 de Abril a diferença era já desfavorável a 2020 em 61 óbitos diários em relação à média.
Se somarmos os óbitos acima da média a partir do dia em que a diferença se torna desfavorável ao ano de 2020 (dia 17 de Março), temos então um excedente total de 803 óbitos até 7 de Abril (última data usada). Como se sabe, a DGS reporta 'apenas' 380 óbitos por covid-19.
Note-se que o actual hiato é cerca de três vezes superior ao que se observou em Janeiro e Fevereiro, durante cerca de um mês, em virtude da gripe sazonal, um pouco mais intensa neste período. Nesse período, a diferença rondou no máximo os 20 e poucos óbitos a mais por dia.
Não há, pois, qualquer sinal, ao longo deste último mês, e muito menos na última semana, de qualquer alteração no declive nem tão-pouco qualquer sinal de abrandamento com vista à criação' de um planalto. Apontar um 'pico', no actual contexto, é fazer futurologia por mais catedrático que se seja.
O único aspecto menos negativo é estarmos num período do ano mais amenos em termos climáticos e, portanto, com menores taxas de mortalidade.
Conclusão: esqueçam a ideia de 'planalto' durante os próximos dias. Nada indica que o 'pico' tenha sido atingido. Pelo contrário. Enquanto não atingirmos um 'pico' na curva da diferença da mortalidade, e começarmos a ter níveis de mortalidade próximos da média, então continuaremos muito longe de controlar a epidemia.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

DA MIRAGEM DO PLANALTO

O Público (e outros media) noticia que «especialistas» reunidos com o Governo e PR terão dito que «a evolução do número de casos [de covid-19] parece indiciar que estamos no 'planalto' da curva e o pico pode ter já sido entre os dias 23 e 27 de Março». Enfim, já tenho salientado que se não se souber ao certo de que têm estado a morrer as pessoas (se de covid ou de outras afecções), não vale a pena andar em especulações sobre picos e planaltos da covid.
Aquilo, porém, que posso garantir é que não vejo 'planalto' algum na evolução da mortalidade total (e essa situação deveria preocupar muito o Governo). Pelo contrário, vejo um cadenciado crescimento desde a segunda semana de Março, depois de ter sido 'cavado' um 'vale encaixado', mostrando-se uma 'encosta' agreste. Na realidade, não há ainda vislumbre de 'pico' nem de 'planalto' nos últimos dias. O gráfico que apresento, com a média móvel de cinco dias (para atenuar as variações mais bruscas e visualizar mais rapidamente tendências), é extremamente elucidativo.
Explique-se o gráfico.
Como tenho referido, os meses de Inverno são tendencialmente mais mortíferos (e será extremamente grave se ultrapassarmos em Abril os óbitos de Janeiro), devido aos surtos de gripe e ao tempo mais frio. Mesmo com melhores condições climatéricas e um surto gripal menos agressivo, a mortalidade média (móvel) na segunda metade de Janeiro de 2020 rondou os 390 óbitos por dia (a média aritmética do mês situou-se nos 383). A partir de Fevereiro, a mortalidade registou uma consistente redução até 8 de Março (média móvel de 287 óbitos). Depois... bom, depois, a covid-19 começou a 'agir'. Com efeito, apesar da primeira morte oficial ter sido registada apenas em 16 de Março é muito provável que já tivessem falecido pessoas desta doença alguns dias antes. A média móvel nesse dia 16 (320 óbitos) já estava 11% acima do mínimo do dia 8. E, com ligeiras variações, a partir desse dia 8 de Março, o crescimento tem sido contínuo.
Enfim, se o gráfico da mortalidade fosse a evolução de uma cotação, nenhum 'trader' arriscaria dizer que se estava perante uma estagnação do 'preço' do título nem que havia sinais de descida a curto prazo. Jamais venderia o 'título' com esta evolução. Nem eu 'vendo' a ideia, por este gráfico, de estarmos num qualquer 'planalto' da covid. Infelizmente, temos que 'pagar' para ver os próximos dias. E estou mais tentado a ver uma subida do que uma descida, por muita fé que deseje ter.
E entretanto, o Governo poderia, e deveria, ver melhor do que andam os portugueses a morrer. Será de covid-19 (e nãos se sabe a dimensão real), mas não só. E para o 'não só' conhecem-se 'vacinas' e tratamentos. Basta que o SNS não aposte todas as cartas no mesmo jogo.

terça-feira, 7 de abril de 2020

DA VIDA E DA MORTE PARA ALÉM DA COVID

Tenho vindo a apresentar algumas análises onde chamo a atenção para a situação do excesso de óbitos não explicado pela covid-19, que se deverá à subcontabilização de casos fatais por esta doença e/ou a outras mortes decorrentes de uma excessiva concentração do SNS no tratamento da epidemia, associada aos receios de idas às urgências em casos de doenças súbitas que se mostram letais.
O gráfico que apresento expõe de uma forma bastante clara esse efeito, dia a dia, desde que foi declarada a primeira morte por covid-19 em 16 de Março. Nas colunas a vermelho apresenta-se o acumulado dos óbitos por covid-19 e a mortaldidade média nos últimos 10 anos, i.e., aquilo que seria expectável estar a suceder se apenas estivéssemnos a ser "afectados" pela covid-19. Na linha a amarelo mostra-se a evolução da mortalidade efectiva registada este ano. A diferença entre a linha e o topo da coluna, em cada dia, será o excesso de mortes não explicadas pela covid-19, que em alguns dias ultrapassa os 50 óbitos. No total, desde 16 de Março até 5 de Abril, estimo a ocorrência de 497 mortes não explicadas pela covid-19. Como até 5 de Abril estavam contabilizadas 311 mortes pela covid-19, há então outra "praga" mais letal que está a atingir Portugal e aparenta não ser tão combatida pelo SNS como devia.

DA IGNORÂNCIA DE AVESTRUZ

A BBC destaca que o Turquemenistão continua sem casos de covid-19... e também nunca teve casos de sida. Lá morre-se sempre cheio de saúde.


segunda-feira, 6 de abril de 2020

OS SANTOS DA CASA QUE NÃO FAZEM MILAGRES

Como sou um simples doutorando do ISCTE, e não trabalho no London Business School, ninguém me ligou. Chegaram à mesmíssima conclusão que eu já chegara desde 24 de Março... há quase duas semanas. E fiz tentativas para que a imprensa pegasse nisto.

https://sicnoticias.pt/especiais/coronavirus/2020-04-06-Ha-mais-mortes-em-Portugal.-Nem-todas-ligadas-a-Covid-19



DA IMPORTÂNCIA DAS AUTÓPSIAS

Num post de hoje apresentei a tendência da mortalidade por grupo etário, onde destacava que aparentemente somente a situação dos idosos com mais de 75 anos merecia maior preocupação, pese embora os ligeiros crescimentos nas outras faixas etárias. No entanto, como também tenho destacado, este incremento é superior ao dos números das mortes por covid, pelo que não se sabe ao certo qual o verdadeiro impacte da epidemoa nas população, em geral, e na população em idade activa, em particular. Por isso, insisto na suma importância de se saber com rigor o impacte "letal" por faixa etária, através de análises post-mortem. Se se concluísse, também por cruzamento com outros dados epidemiológicos, que "apenas" a população mais idosa (e reformada) estava em risco, por certo poder-se-ia estudar uma estratégia que passasse por retomar as actividades económicas reforçando em simultâneo a protecção das populações mais idosas (como aliás tem de ser feito em qualquer circunstância). Na verdade, entre uma quarentena global e uma quarentena apenas aos idosos, o sacrifício será sempre igual para os idosos, mas há uma vantagem crucial para a restante população. E para a economia, claro, cuja má saúde também causa vítimas mortais.

DA TENDÊNCIA

A covid-19 aparenta não estar a afectar quase nada a população com idade inferior aos 65 anos. Comparando a média da primeira quinzena de Março com a média a partir de 16 de Março (até 4 de Abril), os óbitos por dia de pessoas com menos de 65 subiu apenas de 39 para 40. Na faixa entre os 65 e 74 anos, a subida é mais significativa em termos percentuais (cerca de 10%) mas em termos absolutos passou de cerca de 44 por dia para 48. Já no caso dos idosos com mais de 75 anos, a situação é um pouco mais preocupante. Na primeira quinzena de Março a média de óbitos diáruios foi de 227 e subiu a partir daí para os 260 (mais 14%), com o máximo a ter sido atingido em 3 de Abril (291 óbitos).
Como já tenho já aqui referido, era suposto que o período posterior a 15 de Março fosse menos mortífero que a primeira quinzena desse mês, o que não se verificou para nenhum dos grupos etários. Em todo o caso, a estabilização da mortalidade nos últimos dias (31 de Março a 4 de Abril), entre 370 e 378 óbitos, pode ser um sinal positivo, e que está em linha com a evolução dos boletins da DGS sobre a covid-19 (mesmo se continuo a julgar que as mortes estão subcontabilizadas).
Nota: Utilizo os dados do SICO, da DGS, apenas até dia 4 de Abril, porque se verificam sempre ajustamentos no dia a seguir à divulgação do último dado. Ou seja, os óbitos ocorridos no dia 5 apenas amanhã serão "definitivos".

domingo, 5 de abril de 2020

DAS CONTAS

Enquanto der - e eu espero sinceramente que continue a dar, porque o contrário seria mau sinal -, o Governo vai "martelando" o número de óbitos por covid-19. Embora haja um evidente e significativo acréscimo na mortalidade global nas últimas três semanas, os boletins diários da DGS continuam indiferentes. Deve ser outro vírus que anda por aí também a matar, e mais até do que o coronavírus. Só pode.
(A Direcção-Geral de Saúde deveria fazer análises post-mortem num determinado dia para todos os óbitos, para assim aferir a verdadeira dimensão da epidemia no país. Mas será que isso interessa politicamente?)

sábado, 4 de abril de 2020

DA TRÁGICA REALIDADE


A DGS diz que houve até ontem 266 mortes por covid-19. Eis a ponta do icebergue! Na verdade, o efeito coronavírus está já a ser desastroso. Diria mesmo que já causou, directa ou indirectamente, um acréscimo de mais de mil mortes em Portugal Continental desde 16 de Março relativamente ao que seria expectável sem covid-19. E a "atacar" todos os distritos, mas mais uns do que outros.

Estive nas últimas horas a analisar os óbitos a nível distrital, comparando dois períodos de 19 dias: 16mar-3abr e 26fev-15 mar (vd. nota no final), e comparando também o presente ano com a média dos anos 2015-2019.

O quadro que anexo daria para uma extensa interpretação, mas em traços gerais destaco que para o período 26fev-15mar, o ano de 2020 até estava a ser particularmente pouco mortífero (menos 543 óbitos do que a média dos cinco anos anteriores). De repente, a partir de 16 de Março torna-se particularmente mortífero: mais 543 óbitos do que a média.

Note-se que em média, nos anos 2015-2019, o período 16mar-3abr registou menos 382 óbitos em comparação com o período de 26fev-15mar. Porém, este ano o período 16mar-3abr tem mais 664 óbitos do que o período de 26fev-15mar.

A situação sofreu um agravamento em praticamente todos os distritos, com excepção de Bragança, mesmo naqueles poucos (Faro, Guarda e LIsboa) que tiveram no período 16mar-3abr menos óbitos do que a média (2015-2019) em período homólogo, pois, em contraponto, registam um agravamento da mortalidade em relação ao período de 26fev-15mar (por regra mais mortífero).

Na minha opinião, os distritos que merecem mais preocupação (e que estarão assim a ser mais atacados pelo coronavírus ou a ser afectados por falhas de assistência médica, que podem ser ou não da responsabilidade do SNS) são os de Aveiro, Beja, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Portalegre, Porto, Santarém, Viana do Castelo e Vila Real.

Nota: Devido ao facto de 2020 e 2016 serem anos bissextos, deve-se ter em consideração que para os anos não-bissextos (2019, 2018, 2017 e 2015) se utilizaram os dados do período 26fev-16mar e do período de 17mar-4abr.



DAS CONTAS A FAZER

Tenho estado a fazer aquilo que a comunicação social podia/devia estar a fazer, em vez de apenas fazer eco dos delicodoces discursos da DGS. Estou a analisar os óbitos por distrito desde 16 de Março até 3 de Abril. No distrito de Lisboa houve menos 3,4% de óbitos em relação à média dos últimos 5 anos; já em Aveiro um desastre: mais 34,5%, o que em termos absolutos dá mais quase 120 mortes a mais... Volto mais tarde com relatório completo, porque ainda me falta o cálculo de muitos distritos.