Para enquadramento, quatro factos conhecidos para se seguir para uma análise “surpreendente”, ou talvez não:
1) tem sido observado um excesso de mortalidade nas últimas semanas em Portugal, significando que estão a morrer mais pessoas do que a média da última década em período homólogo;
2) esse excesso de mortalidade é elevado para a época do ano, mas não exagerado se comparado com períodos de surtos sazonais de gripe; aliás, o dia mais mortífero de 2020 foi o dia 15 de Janeiro (426 óbitos), que confronta com os 379 óbitos de 7 de Abril, o máximo até agora atingido desde o registo oficial da primeira vítima do novo coronavírus. Relembre-se que o dia mais mortífero desde 2009 foi o segundo dia de Janeiro de 2017, num pico de gripe sazonal, que causou 578 mortos!
3) o incremento desse excesso de mortalidade, desde a segunda quinzena de Março, é superior a 800 óbitos, que confronta com os 409 mortes por covid (até 8 de Abril), podendo isto significar uma subavaliação das mortes por covid-19 ou a ocorrência de mortes “colaterais” por deficiências de assistência de socorro por doença súbita (por responsabilidade directa ou não do SNS)
4) por fim, o Mundo, e Portugal, anseiam por conhecer um “planalto” que depois permita uma inversão da mortalidade até níveis aceitáveis (politicamente existirá esse nível?).
Tenho vindo a abordar, com os meios possíveis e parcos conhecimentos, a evolução da covid-19, tentando sobretudo olhar para este problema de saúde pública como algo global. Já não me interessa saber quais os casos positivos (inputs), cujos valores jamais reflectirão o nível de contaminação da sociedade, nem tão-pouco o registo oficial de mortes por covid-19, uma vez que não exprimem nem explicam correctamente a mortalidade que se tem vindo a verificar (output).
De entre essas análises, uma destaquei ontem ao defender, com justificação, que não estaremos ainda num qualquer ‘planalto’ nem existem garantias de se ter atingido um ‘pico’. A análise que vos apresento hoje revela algumas situações interessantes e que fornecem pistas para uma eventual resolução política, sobretudo se se confirmar com avaliações mais detalhadas com outro tipo de dados (que não possuo) e se tal se observar em mais países.
Ora, a análise que fiz, a qual se sintetiza nos gráficos em baixo, pretendeu saber qual tem sido efectivamente o “efeito covid-19”, incluindo aqui os impactes colaterais, com mortes ocorridas nos diferentes grupos etários, tendo em conta a evolução desde o início de Março e a média dos últimos cinco anos. Como habitualmente procedi ao uso de médias móveis de 5 dias para atenuar variações bruscas entre dias.
De uma forma sintética, eis as principais conclusões:
1) Como já se sabia, o “efeito covid” está a fazer-se sentir sobretudo na faixa etária das pessoas com mais de 75 anos, mas de forma bastante agreste. Na primeira semana de Março, este grupo ainda apresentava uma mortalidade bastante inferior à média (223 vs. 251), mas inverteu rapidamente, passando a ser mais mortífero do que média a partir do dia 13 de Março, revelador de que as mortes por covid surgiram antes do indicado pelas autoridades de saúde. No dia 8 de Abril, a diferença da média móvel entre 2020 e a média dos cinco anos anteriores é de cerca de 52 óbitos por dia. O gráfico parece denunciar um “patamar” a partir do dia 27, mas é enganador, uma vez que a média dos últimos cinco anos mostra uma variação decrescente, que se justifica por a Primavera apresentar melhores condições de sobrevivência para este grupo etário. A excessiva mortalidade neste grupo, que se estima da ordem dos 770 óbitos entre 16 de Março e 8 de Abril, não encontra justificação nos números indicados pela DGS para as mortes por covid-19 quer para esta faixa etária quer mesmo para o global. Note-se que este grupo etário representa, geralmente, entre 70% e 75% do total das mortes registadas em Portugal.
2) Não se encontra este padrão de forte incremento da mortalidade e de divergência em relação à média, nem de forma leve, nos outros grupos etários.
3) No caso do grupo etário entre os 65 e 74 anos, aparentemente não se observa qualquer “efeito covid”. É certo que os níveis de mortalidade estão acima da média desde o dia 25 de Março, mas de forma muito ténue. Entre 16 de Março e 8 de Abril, este grupo etário teve somente um acréscimo em relação à média de 48 óbitos, o que dá apenas duas mortes a mais por dia.
4) A faixa etária dos 55 aos 64 anos é, porventura, a que regista uma evolução mais surpreendente. Ou talvez não. Embora se tenha observado em quase todo o mês de Março uma mortalidade abaixo da média, modificou esse padrão de uma forma brusca a partir do início de Abril, já muito depois da instauração do Estado de Emergência. A divergência para a média em 8 de Abril não é muito significativa (mais cinco óbitos), mas a meio de Março a diferença era também de cinco mortes mas mais favorável a 2020. Isto é, em três semanas observa-se uma significativa alteração. Serão os efeitos colaterais da covid? Ou seja, uma parte do acréscimo de mortes neste grupo etário dever-se-á ao facto de as vítimas, receosas de serem contaminadas em meio hospitalar, terem menosprezado sintomas de doença súbita fatal?
5) De resto, nas restantes faixas etárias em análise (entre os 45 e os 54 anos, e com menos de 45 anos), não se vislumbra qualquer variação relevante. Mesmo registando-se aproximações dos valores da mortalidade entre o presente ano e a média dos últimos cinco anos (com pontuais ultrapassagens), o mês de Março e o início do mês de Abril foram, para estes grupos etários, menos mortíferos. Com efeito, comparando as médias móveis, no período entre 16 de Março e 8 de Abril, o ano de 2020 contabilizou 291 óbitos na faixa dos 45-54 anos e 144 óbitos para os menores de 45 anos, que confronta com 300 óbitos (mais nove) e 186 óbitos (mais 38), respectivamente, na média dos últimos cinco anos.
6) Estes últimos dados parecem assim mostrar – exigindo uma análise mais fina e detalhada – que a covid NÃO ESTÁ a afectar a população jovem e em idade activa até pelo menos os 54 anos. Sendo expectável que a contaminação efectiva (desconhecida) pelo novo coronavírus tenha atingido de forma razoavelmente equitativa todos os grupos etários, esta análise mostra que o output (mortes) é extremamente reduzido, ao nível ou menos a um nível inferior ao de um surto gripal.
7) Convinha mesmo analisar politicamente tudo isto. Proteger os idosos e vulneráveis (de qualquer idade) - algo que deve ser feito também em períodos gripais, que matam por vezes mais de cinco mil pessoas em Portugal - mostra-se essencial, mas haverá certamente estratégias que não impliquem esforços colossais (logísticos e económicos) para proteger outros grupos que, afinal, não estão em risco. Até porque o "efeito covid" está a matar tanto por via do coronavírus como por "vias colaterais".~