quarta-feira, 4 de novembro de 2020

DO VERDADEIRO DESASTRE QUE AÍ VEM, OU DAS MEDIDAS QUE FALHARAM NOS LARES, OU DO COMO VAMOS CHEGAR AOS 100, OU DO COMO ME MANTENHO FIEL AO QUE SEMPRE DEFENDI

No dia 19 de Maio (vd. aqui) tive necessidade de escrever um Statement (já então era bastante atacado), cujos dois primeiros pontos eram os seguintes:

"1 - A covid-19 é uma doença perigosa sobretudo para os idosos, e especialmente para os maiores de 85 anos.

2 - A covid-19 não representa qualquer perigo relevante para a população com idade inferior a 55 anos, exceptuando-se, porém, os casos individuais de pessoas com alguma vulnerabilidade. 

Contudo, essas pessoas são vulneráveis a outras mais doenças."

Não alterei a minha postura, apesar de já ter sido catalogado de negacionista. Posto isto aqui, e apesar de, por imensas vezes, ter alertado para o problema dos lares, na verdade nunca se olhou para eles como se fosse o "cerne" da pandemia. São o cerne. E ainda há dias alertava para a preocupante tendência da incidência de casos positivos nos maiores de 80 anos, que indiciavam (mesmo ignorando-se dados oficiais) que os lares estavam a ter novamente problemas. E graves.

Como se via isso sem dados? Por via indirecta, Se à medida que se avança nos grupos etários (dos maiores de 20 em diante) a incidência diária diminui até aos 70-79, mas depois sobe significativamente, é porque algo se estranho se passa com a "protecção" dos maiores de 80 anos, E o que se está a passar é, sem tirar nem pôr, e por muito que se queira esconder, um descontrolo nos lares, que se vai pagar muito caro nas próximas semanas.

Vou apresentar aqui uns cálculos rápidos para demonstrar a verdadeira e terrível dimensão do problema dos lares.

1 - Estima-se que viviam em Portugal em 2019 (dados do INE) cerca de 675 mil pessoas com mais de 80 anos.

2 - Em todos os lares portugueses, que albergam cerca de 100 mil utentes, a idade média está acima dos 80 anos, podendo-se assim admitir que vivam fora dos lares 575 mil idosos desta faixa etária.

3 - Segundo informações do Governo, divulgadas a meio de Outubro, as mortes em lares representavam então 40% do total. Significa assim que, face aos números de hoje, terão assim já morrido 1.077 idosos em lares por covid (0,4 x 2.694 óbitos)

4 - Deste modo, tendo em conta que morreu um total de 1810 pessoas por covid com mais de 80 anos, então neste grupo etário terá falecido 733 idosos que não viviam em lares,

5 - Significa isso que a taxa de mortalidade por covid dos utentes dos lares (com mais de 80 anos) é de cerca de 10,8 óbitos por mil pessoas, enquanto que fora dos lares, para a mesma faixa erária, é

de apenas 1,3 óbitos por mil pessoas. Vejam bem; a taxa de mortalidade por covid nos lares é cerca de 8 vezes superior!

Isto para dizer que o Governo e a DGS têm de arrepiar caminho quanto antes nos lares, até porque sei de fonte segura que as infecções continuam a fluir livremente, e aumentou nas últimas semanas, de fora para dentro, por parte de funcionários

Tenho alertado, e quem me acompanha com isenção sabe bem disso, para dois aspectos fundamentais nesta pandemia:

1) não se pode deixar o SNS entrar (como já entrou) em estado comatoso, porque isso contribui para o aumento da mortalidade total, que acaba por ser pior do que a covid;

2) colocar uma ênfase especial (diria que quase todos) na protecção dos lares, com uma gestão profissional e "científica", caso contrário a mortalidade por covid atinge valores elevadíssimos, porque entrando nos lares a covid atinge uma rápida disseminação junto de uma população não só idosa como geralmente com muitas vulnerabilidades. O calcanhar de Aquiles inicial da Suécia foi esse (e pagou caro com muitas mortes), e quando conseguiu corrigir pode estabelecer uma estratégia racional sem restrições relevantes e sem máscaras.

Os tempos mais próximos, infelizmente, vão ser dramáticos, e vão impor-se restrições mais fortes e o recolher obrigatório vai ser uma inevitabilidade por razões políticas e psicológicas. Mas não pensem que as máscaras na rua e o recolher obrigatório resolvem os problemas se não se fizer uma mudança radical na abordagem aos lares, com imposição de regras muito rígidas de protecção contra as infecções, mas sobretudo intensificando o acompanhamento médicos desses idosos (ou seja, fazer o contrário do que até aqui, já que muitos viram consultas adiadas).

Os tempos mais próximos, dizia eu, vão ser muito maus, infelizmente, pelos erros que se estarão a cometer nos lares. Olhando para a evolução da última semana (28out-3nov) na incidência da covid nos mais idosos, em comparação com a semana anterior (21out-27 out), é de esperar que nos próximos sete dias a mortalidade pro covid se situe entre os 49 e os 64 óbitos, mas irá subir para valores entre os 82 e os 106 óbitos (estimativas feitas com base em intervalos de taxas de letalidade para os grupos maiores de 60 anos).

Muitos dirão que se está afinal a confirmar que a covid é mesmo uma terrível pandemia. Eu, porém, continuarei a dizer que é uma doença perigosa para os idosos e que se está a falhar, e rotundamente, nos lares. Não admitir isso é contribuir para um infindável tormento de mortes nos lares, e tormento para quem ficar cá fora, sofrendo restrições que acabam por ser infrutíferas. Porque o mal está sobretudo nos lares.

P.S. Faço notar que Portugal é o único país da Europa Ocidental que está actuamente com mais mortes (medida pela média de 7 dias) do que a que registada durante a “onda” da Primavera. Tem, ao dia de hoje uma média de 38 óbitos, quando o máximo de Abril foi 32. Ou seja, a situação portuguesa mostra uma evolução preocupante, mas, até agora, única nesta parte da Europa. Os países de Leste que estão com elevada mortalidade não tiveram praticamente óbitos por covid na Primevara. Já agora, a mortalidade média diária na Suécia nos últimos sete dias é de 4. Sem máscaras e sem recolher obrigatório. Talvez fosse boa ideia alguém do Governo deixar de ser rezingão, e ir ver o que eles fizeram nos lares. Perdurar nos erros é que é grave..

Fonte: DGS e INE.



1 comentário:

  1. Excelente post. Como comecei a ler o seu blogue há relativamente pouco tempo, acho engraçado ter tido sempre o mesmo raciocínio em relação à covid e à resposta à covid que o Pedro, também sem ser especialista em nada mas leitora e dotada de algum pensamento crítico. Quando em Abril e Maio comentava com várias pessoas que a questão fundamental era acorrer aos lares, só por pudor não me chamavam egoísta e eugenista.Como dizia o outro, perdurar nos erros e esperar resultados diferentes é que é loucura...

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