quinta-feira, 24 de setembro de 2020

DO VERÃO, ESSA IGNORADA PANDEMIA PARA OS IDOSOS

Nem todos saberão, mas o Verão mediterrânico, entre Junho e Setembro, é o melhor mês para os idosos. É o período menos mortífero, apesar de, quando em vez, ocorrerem curtas e letais ondas de calor.

Este ano, porém, tivemos a covid, mas essa doença esteve especialmente arredada neste período. Nos 93 dias deste Verão morreram por covid 256 pessoas com mais de 80 anos, o que perfaz menos de três óbitos por dia. 

Porém, e de forma completamente ignorada pelas autoridades de Saúde desta nossa república, o período deste ano que medeou entre 20 de Junho e 21 de Setembro foi um "açougue" para os idosos com mais de 85 anos. Morreram, no total, por todas as doenças e afecções (sim, porque há doenças além da covid), 12.242 pessoas deste grupo etário, um acréscimo de 2.756 óbitos em relação à média de 2014-2019.

Se se considerar o efeito do envelhecimento da população (as estimativas do INE para os maiores de 85 anos é de cerca de 316 mil pessoas), e se aplicar a taxa de mortalidade média, poder-se-ia  aceitar, como nível expectável de mortes neste Verão, um total de 10.931 óbitos (desculpem, mas infelizmente é a lei da vida: as pessoas morrem mesmo que não desejemos). Donde resulta assim que, em relação ao expectável, terão morrido 1.311 idosos a mais.

Dois períodos se destacaram para este morticínio: Julho, que foi algo nunca visto (e não culpem a onda de calor que apenas incidiu no interior despovoado e não tem aquele "perfil contínuo" e grande parte do mês de Setembro, que foi quente mas nada de demasiado anormal. Infelizmente, apesar de existirem dados dos certificados de óbito on line, que permitiria à DGS apurar em tempo real, o que se passava de anormal, continua-se a ignorar as causas objectivas deste morticínio. Nem um estudozito. Mas para fazer testes PCR há gente e muito dinheiro.

Atente-se que, mesmo considerando que as mortes por covid de maiores de 85  anos é a mesma dos maiores de 80 anos (afaixa etária definida pela DGS) chega-se à conclusão que a covid representou 2,1% da totalidade das mortes dos mais idosos durante o Verão.

Há ainda um lado kafkiano nisto tudo. A maioria destes idosos, os que faleceram, era do grupo das pessoas vulneráveis à covid, que como abrandou no Verão as não levou. Como  não vão morrer duas vezes, a covid vai ter, durante o Outono e Inverno, menos vulneráveis (acreditem, o SARS-CoV-2 não tem objectivos numéricos; mata pessoas vulneráveis e esse é um número finito). Não pensem que isto é um pormenor irrelevante: a letalidade da covid "beneficiou", e muito, do surto gripal 2019-2020 ter sido particularmente "benigno". Basta olhar, aliás, comparar a mortalidade registada em Janeiro e Fevereiro com a mortalidade expectável para esse período. Em breve falarei dessa questão aqui.



4 comentários:

  1. Pedro Almeida Vieira,
    Tomei conhecimento deste 'blog' há cerca de uma semana. Gosto dos seus escritos.
    São necessários conhecimentos que nos anos 1960 aprendi em Medicina. Em 1964-65, Gustavo de Castro ensinou-nos as bases da Estatística dedicada a Medicina. Por iniciativa do Professor Eduardo Coelho.
    Os seus testos são breves e claros. E ensinam a pensar e a repensar.
    Agradeço o seu contributo contra uma pandemia de estupidez e de negociatas.
    eaoliveira

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  2. Refere "...a letalidade da covid "beneficiou", e muito, do surto gripal 2019-2020 ter sido particularmente "benigno". Penso que será ao contrário. A época de gripe começou na semana 40 de 2019, ou seja, a 30 de Setembro. Portugal registou excessos de mortalidade da semana 1 à 6 de 2020 (moderados face ao histórico, mas excessos ainda assim). Porque a gripe e a COVID-19 disputam os mesmos hospedeiros, quem morreu antes por causa da gripe não está disponível para morrer mais tarde por COVID-19. Se muitos dos vulneráveis "escaparem" à morte por gripe no início da época, poderão não escapar à morte pelos vírus circulantes no final da época, que decorre até à semana 20 (17 de Maio).
    A Suécia não só não teve excessos de mortalidade em nenhuma semana da época gripal desde Outubro 2019 até 22 de Março 2020, como até registou semanas de mortalidade muito abaixo do esperado. O epidemiologista chefe sueco alega que esta pode ser precisamente uma explicação para uma maior mortalidade por COVID-19: quanto mais branda for a época gripal, maior será a mortalidade potencial por COVID-19 [NY POst, Swedish health expert blames COVID-19 deaths on mild flu season]. Isto pode ser afinal uma coisa boa, ou menos má, na medida em que significa que as pessoas vulneráveis poderão afinal ter vivido mais umas semanas ou meses, apesar de se ter produzido um fenómeno de concentração de mortes atribuídas a COVID-19 no final da época gripal.
    O ano 2019 foi o ano com a mortalidade mais baixa da década na Suécia (muito por conta de uma época gripal muito branda) [Number of deaths in Sweden from 2010 to 2020, Statista]. Estimo que a Suécia terminará o ano de 2020 com um número de óbitos correspondente à média anual dos últimos 5 anos acrescida dos óbitos abaixo da média de 2019 (cerca de 2.200). Por adiamento de algumas mortes em 2019, elas terão sido transferidas para 2020. Veremos... Se isso acontecer, será a confirmação de um fiasco.

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    1. Paulo Costa, fiz uns cálculos sobre a mortalidade expectável em 2020 até 15 de Março de 2020 em Portugal e tinhamos uma "bolsa" de vidas poupadas da ordem dos 1.800 idosos com mais de 85 anos, porque a gripe foi mais branda que o habitual (e na Suécia erfectivamente ainda foi mais). Eu dizer que a letalidade da covid beneficiou foi no sentido de a covid ter causado mais mortes por causa da gripe ter sido mais branda. A mortalidade excessiva em Portugal para os mais idosos, em função das expectativas da mortalidade, apenas começou a sentir-se em Julho, e não foi por causa directa da covid.

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    2. Portugal não teve uma especialmente severa época gripal, mas tão-pouco uma alta mortalidade atribuída à COVID-19, comparativamente com outros países.
      Outra curiosidade: a época gripal (Out-Mai) de 2019/20 registou um número total de óbitos superior à de 2017/18 e pouco mais alto do que a de 2014/15.

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