sábado, 12 de setembro de 2020

DA ANÁLISE ESSENCIAL PARA BEM COMPREENDER OS (FRACOS) EFEITOS DA COVID E OS (ELEVADOS) CUSTOS DA OBESSÃO PELA PANDEMIA NOS MAIS IDOSOS

Nas últimas semanas, também por razões profissionais, tenho olhado com mais detalhe para o efectivo impacte da covid, tendo em consideração o envelhecimento da população portuguesa, sobretudo após ter constatado que o grupo dos mais idosos (acima dos 85 anos) estava a crescer a um ritmo mais galopante do que pensava. Segundo as estimativas do INE, em 2013 viveriam 248.811 pessoas neste grupo etário, e em 2019 já eram 316.442. Um espantoso crescimento de 27% em apenas seis anos. 

Este crescimento tem um lado positivo - vive-se mais! -, mas um lado negativo: neste grupo é expectável que se morra  assim mais, muito mais, em cada ano, mesmo que não haja situações "anormais". É a simples, e lamentável, "lei da vida". Para se ter uma ideia, por norma, a taxa de mortalidade dos maiores de 85 anos é de 15% por ano (ou seja, morrem 15 pessoas em cada 100 em apenas um ano), cerca de três vezes superior à do grupo dos 80-84 anos (5,7%), quase cinco vezes superior à do grupo dos 75-79 anos (3,1) e aproximadamente oito vezes superior à do grupo dos 70-74 anos (1,8%).

Posto isto, quando olhamos para o impacte de uma epidemia (ou mesmo de surtos, como a gripe), na verdade, para sermos mais rigorosos, devemos olhar sempre para os números absolutos (porque cada número representa efectivamente uma vida), mas convém também saber o verdadeiro impacte através de uma taxa de mortalidade (ou seja, uma taxa relativa que considere as mortes absolutas em função da população desse grupo etário), se for possível aceder a esses dados.

Ora, embora não vos possa revelar todas as análises, e abrangendo outras faixas etárias (até por não ser este o espaço mais adequado), mostro-vos um simples gráfico que, apesar da aparente confusão de linhas, é extremamente elucidativo do (fraco) impacte da covid no grupo dos mais idosos. O gráfico revela, para cada ano com informação (2014-2020) a taxa de mortalidade diária (óbitos por 100 mil habitantes), tendo em conta as mortes no ano correspondente em função da respectiva população dos maiores de 85 anos.

Colocando a mortalidade neste perspectiva, chamo a atenção para quatro aspectos, alguns retirados deste gráfico, outros das análises que entretanto realizei, relacionados com o grupo dos maiores de 85 anos:

1) até Março, a taxa de mortalidade em 2020 era muitíssimo mais baixa do que na generalidade dos anos anteriores. Em final de Fevereiro, a taxa de mortalidade em 2020 era mesmo a mais baixa desde 2014. 

2) a covid, que teve o seu pico de mortalidade em Abril, implicou que em 2020 a taxa de mortalidade neste mês (e também em Maio)  foi a maior desde 2014, mas não de forma muito significativa,. Aliás, a taxa de mortalidade teve um pico nos 55 óbitos por 100.000 habitantes, que compara com picos que rondam os 80 óbitos por 100.000 habitantes nos surtos gripais de 2015 e 2017.

3) Embora já se observasse um excedente de mortalidade (em relação à média) não associada à covid, tanto em Março como em Abril, a taxa de mortalidade acumulada no dia 10 de Maio de 2020 (referência na minha análise para efeitos de comparação com os anos anteriores) era apenas a 5ª maior (em sete anos), em parte pela gripe em Janeiro e Fevereiro ter sido pouco mortífera. O ano de 2020 estava então, naquele dia, atrás dos anos de 2015, 2018, 2017 e 2019.

4) Porém, e esta é uma situação preocupante, os meses de Verão - que coincidiram com um abrandamente muito significativo das mortes por covid - foram trágicos para os idosos. No grupo dos maiores de 85 anos, o mês de Julho de 2020 foi de longe o pior, o de Agosto foi o terceiro pior e os primeiros 10 dias de Setembro foram também os mais mortíferos em termos relativos. Assim, a taxa de mortalidade acumulada em 10 de Setembro deste ano era já a terceira desde 2014, estando já apenas atrás de 2015 e 2018. Ou seja, este indicador (taxa de mortalidade acumulada) piorou exactamente nos períodos de menor abrandamento da pandemia.

Conclusão: Na minha opinião, esta análise mostra, por um lado, que o impacte da covid, mesmo sendo doença muito perigosa para os mais idosos, não atingiu proporções catastróficas mesmo no período Março-Maio no grupo etário mais vulnerável, tendo mesmo ficado aquém do impacte habitual das gripes (em 2015 e 2017 foram muitíssimo agressivas, pelo que não estou a minimizar nada). No cômputo geral, o impacte da covid no grupo etário mais vulnerável, vista na perspectiva da taxa de mortaldiade, foi episódico e somente com algum relevo por, em parte, a gripe em Janeiro e Fevereiro ter sido menos agressiva do que o habitual. Mais preocupante parece-me a mortalidade que se observou durante o Verão de 2020 que, de forma persistente, tem causado um número anormal de mortes de idosos. Esta situação, que se deverá em grande medida à inusitada concentração de meios do SNS na pandemia, em detrimento das funções habituais (e imprescindíveis), tem contribuído para um aumento da taxa de mortalidade acumulada em 2020, já bem acima da média, embora, saliente-se, não seja este o pior ano (repita-se, se olhado na perspectiva da taxa de mortalidade).



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