terça-feira, 28 de abril de 2020

DO VERDADEIRO IMPACTE DA COVID ENQUANTO EM LISBOA SE OLHA PARA O UMBIGO

Se isto fosse um artigo de jornal, o título seria: “Variação da taxa de mortalidade sobe mais de 40% em 45 concelhos”. E depois, como lead, acrescentaria: “Incremento dos óbitos nas primeiras semanas da pandemia atingem gravemente as regiões de Aveiro, Grande Porto e Minho”. A acompanhar o texto, com o devido enquadramento, com legenda, colocaria o gráfico que acompanha este post. E depois passava à escrita. Mas, como isto não é um jornal, explique-se então o que o gráfico mostra, que é algo pouco agradável.

Como devem imaginar, se analisado ao nível de concelho, a mortalidade varia bastante. Se um concelho tiver muitos idosos, a probabilidade de aí ocorrerem mais mortes é mais elevada do que num concelho com mais juventude. E daí as taxas de mortalidade serem maiores no primeiro caso do que no segundo. Por exemplo, um concelho como Vila Nova de Foz Côa tem uma taxa de mortalidade, em situação normal, cerca de três vezes superior a um concelho como Vizela, em pleno Vale do Ave.

Ora, quando se quer analisar com detalhe situações anómalas com incidência na mortalidade – e que deve constituir um alerta para se investigar o que anda a suceder de errado num sistema de saúde – um indicador perfeito é a variação da taxa de mortalidade. Mas não pode ser vista ao nível do país, porque ficará sempre “mascarada” pelos concelhos de maior dimensão, mas sim ao nível concelhio.

Aquilo que fiz foi basicamente, através da mortalidade registada nas semanas de 12 a 16 (16 de Março a 23 de Abril), e pegando nos dados populacionais dos Censos 2011 (os últimos), calcular a taxa de mortalidade para cada concelho, tanto no ano de 2020 como na média dos anos de 2014 a 2019. Com base nestas duas taxas de mortalidade, calculei a variação da taxa de mortalidade, em percentagem, que permite assim observar o efeito da pandemia, e seus efeitos colaterais, num nível mais micro (à escala concelhia), que no gráfico é apresentado no eixo do X. Reparem, desde já, que existem valores negativos, o que significa que existem municípios que estão a passar incólumes à pandemia. E é aqui que se revela algo assustador, sobretudo quando se cruza com a incidência relativa de casos positivos de covid (eixo do Y no gráfico). Notem que, por via de alguns concelhos serem muito pequenos, nesta análise acabei por excluir os concelhos com menos de 10 mil habitantes, desde que não tivessem ultrapassado os 20 óbitos no período em análise no ano de 2020, pois aí pequenas variações nos óbitos dão variações artificialmente grandes em percentagem.

Se repararem, sendo que cada bolinha colorida representa um concelho (não identificáveis no quadro por uma questão de leitura), há uma grande diversidade no que respeita à variação da taxa de mortalidade (lendo o eixo do X):

  • 45 concelhos registarem uma variação da taxa de mortalidade superior a 45% (bolas vermelhas);
  • 49 concelhos com variação entre 20% e 40% (bolas roxas);
  • 44 concelhos com variação entre 10% e 20% (bolas amarelas)
  • 26 concelhos com variação entre 0% e 10% (bolas azuis)
  • 36 afortunados concelhos com variação negativa, ou seja, este ano morreram menos pessoas do que a média (bolas verdes).


Note-se que, globalmente, a variação em Portugal (no total) foi de 11,9% (a mortalidade em 2020, para este período, foi de 11,9 óbitos por 10 mil habitantes, que confronta com 10,0 óbitos por 10 mil habitantes). Lisboa teve uma variação de “apenas” 4,2%, portanto, bem abaixo da média (por isso, na capital, olhada pelos media como o País, tudo parece correr bem).

Como se nota, e usando o eixo dos Y, e cruzando com a incidência de casos positivos por covid-19 (ATENÇÃO, que está em razão da população de cada concelho, o que faz destacar pequenos concelhos mesmo com um número absoluto de casos muito inferior à das grandes cidades), há alguns concelhos com grande variação na taxa de mortalidade e elevada incidência de casos positivos. Posso dizer que os dois que mais se destacam são Vila Nova de Foz Côa (variação na taxa de mortalidade de 110,8%) e Ovar (variação de 89,0%).

Porém, retirando estes casos, aquilo que verdadeiramente ressalta é a inexistência de qualquer correlação entre variação da taxa de mortalidade e incidência OFICIAL de casos positivos de covid-19, porquanto há uma quantidade muito significativa de concelhos com elevada variação da taxa de mortalidade, mas com uma relativa baixa incidência de casos positivos. Note-se: escrevi OFICIAL em maiúsculas exactamente para destacar que o número de casos positivos feitas pelas autoridades pouco mostram sobre a realidade. Abordarei isso com maior detalhe num post futuro quando me debruçar sobre quatro regiões concretas: 1) concelhos em redor de Ovar; concelhos no Alto Minho; um núcleo de concelhos ligados a Braga; e um grupo específico de dois concelhos do Grande Porto.

Isto daria quase para um livro, mas fixem, para terminar, seis aspectos fundamentais,

1) A mortalidade nas primeiras semanas da covid aumentou para níveis preocupantes em alguns concelhos do país nas primeiras semanas da pandemia (a partir da segunda semana de Março), embora mascarada pelos desempenhos menos graves sobretudo a sul do Mondego, o que faz com que a média nacional pareça preocupante. Existem "pequenas Itálias" entre nós.

2) Aparentemente não existe uma relação directa e imediata entre o aumento da mortalidade e a incidência da covid, mas em algumas regiões essa situação pode-se-à dever sobretudo ao facto de não se terem feito muitos testes e, portanto, acabarem por ocorrer muitas mortes que não foram contabilizadas como causadas, directa ou indirectamente, por covid.

3) A ausência de dados da DGS sobre as mortes atribuídas à covid por concelho impede de conhecer qual o efectivo peso desta doença no acréscimo de mortalidade

4) Constata-se a ausência completa de uma análise contínua das variações das taxas de mortalidade por parte das autoridades de Saúde. O sistema de registo de óbitos (SICO), quase em tempo real, não é uma coisa coisa para aligeirar a burocracia; é um poderoso instrumento útil de saúde pública, desde que utilizado para dar alertas. Se assim fosse, ter-se-ia mostrado muito útil no caso da cerca sanitária em Ovar, pois mostaria que devia ser alargada a outros concelhos. Mas esta parte fica para um próximo post.

5) Continua sem se fazer uma análise séria sobre o verdadeiro impacte qiue o medo trouxe à ida às urgências (com as consequentes repercussões no aumento da mortalidade por enfartes e AVC, por exemplo), e em que concelhos isso se verificou mais, de modo a gizar-se uma estratégia que passe para além dos apelos públicos.

6) Mantenho a minha opinião, alicerçada por dados, de que a covid-19 constitui um gravíssimo problemas para a população mas não para a população em idade activa (para o trabalho, claro), pelo que se tem de encontrar um equilíbrio (e com investimentos) que façam reactivar a Economia mas sem criar "guetos de idosos", remetidos a uma redoma isenta de afectos e qualidade de vida.

Num post autónomo, porque este já vai bem longo, colocarei a lista dos concelhos com maiores variações das taxas de mortalidade.


segunda-feira, 27 de abril de 2020

DOS EXEMPLOS

Além do caso sueco - que estará em situação semelhante a Portugal - sem as restrições sociais, será muito interessante olhar para a Irlanda: mesmo com a pandemia está a registar menos óbitos (no total) do que em média. E isto contabilizando já 1.087 óbitos por covid, mais do que Portugal (e proporcionalmente à população mais do dobro).

SAIBAM AQUI OS CONCELHOS EM PORTUGAL ONDE SE ESTÁ A MORRER MAIS (e a imprensa ainda não sabe)

Faço isto pro bono (não o dos U2), porque não aparece nada similar na imprensa. Os dados de base que utilizei são os oficiais (do SICO), e analisei a mortalidade TOTAL da semana 12 a 16, que corresponde ao período entre 16 de Março e 19 de Abril, e compararei com a média dos últimos seis anos (2014-2019), os únicos disponíveis ao nível de concelho. Não considerei, para a lista seguinte, os concelhos, pela sua reduzida dimensão, onde se registaram menos de 25 óbitos em 2020 no período em análise (35 dias). Note-se que esta análise serve apenas como INDICADOR, ou seja,constitui sobretudo um alerta para detectar situações eventualmente anormais, ou mesmo anormais se o desvio percentual e absoluto for mesmo muito significativo (do ponto de vista estatístico). Para os casos mais graves deve ser feita uma análise mais detalhada, mas isso cabe às autoridades de Saúde, que têm dados mais detalhados do que. E mais responsabilidades. Eis então os concelhos com um desvio de mortalidade este ano, durante a covid-19, igual ou superior a 50%. Entre parentêsis estão os óbitos registados em 2020 e, separados por uma barra, a média dos óbitos em período homólogo nos anos de 2014-2019. Na percentagem deve-se ter em conta que o valor média no período 2014-2019 está arredondado para a unidade.

1- Vila Nova de Foz Côa --> + 110,8% (26/12)
2 - Estarreja --> + 89,9% (50/24)
3 - Ovar --> + 89,0% (86/46)
4 - Vagos --> + 89,6% (44/23)
5 - São João da Madeira --> + 83,2% (29/16)
6 - Valongo --> + 82,3% (127/70)
7 - Cantanhede --> + 71,8% (69/40)
8 - Valença --> + 70,6% (29/17)
9 - Monção --> + 70,4% (46/27)
10 - Ourém --> + 69,0% (91/54)
11 - Ílhavo --> + 68,8% (54/32)
12 - Mealhada --> + 65,5% (32/19)
13 - Bragança --> + 65,1% (71/43)
14 - Castro Daire --> + 62,6% (29/18)
15 - Mafra --> + 60,1% (95/59)
16 - Gouveia --> + 60,0% (36/23)
17 - Oliveira de Azeméis --> + 58,4% (94/59)
18 - Santo Tirso ---> + 58,2% (101/64)
19 - Espinho --> + 57,4% (48/31)
20 - Cabeceiras de Basto --> + 54,5% (26/17)
21 - Braga --> + 52,2% (176/116)
22 - Vila Real ---> + 52,0% (76/50)
23 - Póvoa do Lanhoso --> + 51,3% (30/20)
24 - Arganil - + 50,0% (27/18) ´

Tenho, obviamente, o crescimento de todos os concelhos (e também os que apresentam reduções), mas por agora ficamos por aqui. Lisboa, em todo o caso, teve um desvio muito ligeiro. Mais tarde, tentarei cruzar estes dados com a incidência de casos positivos de covid-19, mas, numa análise muito simples, olho com preocupação para a situação de alguns concelhos do distrito de Aveiro (e não apenas Ovar), e de seguida nos distritos do Porto e Braga.

domingo, 26 de abril de 2020

DO MILAGRE PORTUGUÊS ALDRABADO

Como muitos sabem, fui jornalista. Não me deixa demasiadas saudades, mas o “bichinho” continua bem vivo, e daí as minhas investigações e análises em tempos de covid-19. E desconfianças, que é a melhor virtude de um jornalista. Nunca acreditem, se forem jornalistas, cegamente na informação que vos dão. Ou melhor, pode-se acreditar mas essa é apenas uma primeira fase; a segunda, é confirmar a veracidade dessa informação acreditada. Sempre.
Pois bem, isto a propósito de um alerta amigo sobre os dados do excesso de mortalidade da Europa, que constam do site do European Mortality Monitoring Project (Euromomo, vd. https://www.euromomo.eu/graphs-and-maps
), onde é possível consultar os dados individualizados de cada país, embora padronizados (Z-scores). Mesmo se essa padronização, que permite comparações de países de dimensões populacionais diferentes, “esconde” os números absolutos, uma coisa me fez desconfiar (aí está): Portugal não apresentava qualquer acréscimo de mortalidade. Ora, isto contrariava o que eu tenho vindo a escrever (inclusive, ontem), e mesmo o que defendeu uma recente análise do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Fui investigar, reconfirmando os meus cálculos e conferido os dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO).

Encontrava-me nesta tarefa quando, notando que o site tem registado algumas alterações de funcionalidades, o link da “Vigilância” dá ligação para a página https://evm.min-saude.pt/#shiny-tab-p_euromomo
 . Reparem: Euromomo. Visualizando essa página, nota-se que, além da variação da mortalidade (óbitos observados), consta a linha base (óbitos expectáveis) e dois limites de confiança (superior, a 95% e 99%). Até aqui tudo bem, excepto no facto de, também aqui, não se notar qualquer excesso de mortalidade no período de Março e Abril. Muito estranho pensei eu… até que passei o rato nas linhas… e descobri que havia gato.

Com efeito, os valores que constam neste link – e que tudo indicam são enviados para o Euromomo – são invariavelmente menores do que os que constam nos quadros da SICO (vd. os links “Mortalidade diária” ou “Quadros”). E não é meia dúzia de óbitos. No período entre 15 de Março e 23 de Abril (40 dias), a informação enviada para o Euromomo contabiliza 13.085 óbitos (contabilizei dia-a-dia, com recurso ao rato). No sistema para consumo interno obtém-se um total de 14.249 óbitos. A diferença é de 1.164 mortos! Fazendo-os “desaparecer” nas estatísticas europeias “desaparece” assim, como passe de mágica, qualquer excesso de mortalidade em Portugal. E assi temos o milagre português, para inveja de todos os europeus e orgulho do Governo e Presidente da República, que nos prometeu que ninguém iria mentir.
Para confirmar o que escrevo, basta usarem os passos que aqui descrevi. Em todo o caso, coloquei duas fotos exemplificativas dos dados de 4 de Abril (o dia mais mortífero): no link referente aos dados do Euromomo aparece, para esse dia, 389 óbitos. Na realidade, segundo os dados oficiais do SICO, para consumo interno, houve 421 óbitos. Em termos médios, por dia, as estatísticas europeias têm sempre menos 29 mortos por dia. Estes continuam mortos. Mas fazem um milagre português!




sábado, 25 de abril de 2020

DA MISTERIOSA PANDEMIA NO SNS PIOR DO QUE A COVID

Quem me conhece sabe que, em assuntos sérios, “nunca acho nada”, mas sim “opino”, i.e., dou opinião com base em informação, sobretudo se analisada por mim. Ora, tenho acompanhado a actual pandemia, e assumido opiniões, em função de dados divulgados pelas autoridades de saúde. Como sabem, tenho privilegiado os dados da mortalidade total diária em detrimento dos óbitos por covid, porque, em abono da verdade, o que interessa, em termos de saúde pública, é o saldo de “baixas” e não se as vítimas morreram de uma afecção ou de outra. Não me satisfaz que, aos olhos da opinião pública nacional e internacional, Portugal pareça um “paraíso” na resposta à covid, mas seja afinal um “inferno” (escondido mas real) no resto.
Isto a pretexto de ter sido surpreendido por recentíssimas alterações, muito substanciais, nos dados sobretudo do último mês e meio do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO). Supostamente não controlada pelo Governo, esta base de dados indica, dia a dia, os óbitos em Portugal, permitindo análises estatísticas comparativas entre o presente ano e anos anteriores. Ora, há cerca de uma semana tinha feito uma análise para o período de 15 de Março até 17 de Abril, onde tinha detectado (antes mesmo de um relatório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge), um acréscimo de mortalidade, excluindo os óbitos por covid-19, de 679 pessoas com intervalo de confiança situado entre 411 e 946 óbitos. A situação era grave, mas não catastrófica, tendo em conta que a mortalidade diária não era excessivamente elevada (até então não existia registo de qualquer dia com mais de 400 óbitos) e o ano de 2020, para o período então em análise, estava acima da média, mas não era o pior.
Contudo, repareie sta tarde que, com as significativas alterações na base de dados (supostamente, repito, não controlada pelo Governo), o acréscimo de mortalidade é enorme. A título de exemplo, o dia 4 de Abril de 2020 tinha, pelo menos até há uma semana, um registo de 373 óbitos e agora surgem 421 óbitos. Comparando a mortalidade que analisei há uma semana para o período de 15mar-17abr, o SICO surge agora com mais 562 óbitos! Isto é, houve um acréscimo médio diário de um pouco mais de 16 óbitos! É uma correcção e pêras!
Posto isto, com este acréscimo, a situação actual muda drasticamente de figura. Reanalisando os dados, e alargando agora o período desde 15 de Março (dia da primeira morte oficial por covid) até 23 de Abril (40 dia), o ano de 2020 passa a ser, com grande distância, o mais mortífero desde 2010, com 14.251 óbitos, mais 2.190 óbitos do que a média da última década. Isto significa quase 55 mortes diárias a mais! O ano mais próximo de 2020 foi o de 2018, quando morreram, em período homólogo, 13.106 pessoas. Se se excluir as mortes oficiais por covid neste período (854 óbitos até 23 de Abril), mesmo assim o excesso de mortes em relação á média é muito grande: 1.336 óbitos, o que representa um acréscimo de cerca de 33 óbitos diários não explicados pela covid. No gráfico em anexo, a segunda coluna vermelha (2020sc) representa o número de mortes no período excluindo os óbitos por covid.
Para a análise ser mais rigorosa do ponto de vista estatístico, calculei os intervalos de confiança de 95%, pelo que, para o período em análise, teria sido expectável este ano, no período 15mar-23abr, uma mortalidade de 12.061 óbitos, com um limite mínimo de 11.726 óbitos e um máximo de 12.395. Significa assim que, tendo-se afinal registado 14.251 óbitos (até agora, no SICO) há um excesso de 2.190 óbitos, com o intervalo de confiança a situar-se entre 1.856 e 2.525 óbitos! Ora, como os dados oficiais para a covid-19, indicam, para o período em análise, 854 óbitos, então se excluirmos essas vítimas, o SNS tem de saber explicar um acréscimo de 1.336 mortes (em relação à média expectável) com um intervalo de confiança entre 1.002 e 1.671 óbitos. Ou seja, além das inevitáveis mortes pelas doenças habituais (mortalidade basal), não há agora qualquer dúvida de que as mortes não explicadas pela covid são em muito maior número do que as mortes por covid. Há uma “pandemia” no SNS maior do que a pandemia causada para a SARS-CoV-2.
Para os mais curiosos, incluo nesta análise dois gráficos que mostram, dia a dia, a evolução da mortalidade com e sem covid incluída em confronto com a média e seus limites inferior e superior, onde se nota uma dramática situação. Incluindo a covid, desde a última semana de Março a mortalidade ultrapassa largamente o limite superior do intervalo de confiança. E mesmo excluindo a mortalidade por covid, tal sucede em grande parte dos dias. Se olharmos para a média da última década, então a situação piora.
Em conclusão, julgo que a actual situação mostra-se agora muito mais dramática, mas não propriamente pela covid, mas sobretudo pelo resto. Pelas misteriosas mortes (em número bastante elevado) que o SNS não sabe ou não quer explicar, e que são de uma magnitude maior do que as da pandemia. E pela (des)confiança no sistema de vigilância da mortalidade. Estas rectificações no SICO, quase à socapa, onde não seria expectável modificações numéricas tão grandes, como as agora detectadas, não são aceitáveis nem justificáveis face às características inatas do sistema (o SICO é um registo de certidões de óbito passadas pelos médicos no dia da declaração da morte). Recordemos a promessa do Presidente da República de que ninguém iria mentir. Pois bem, então também nos convém que a verdade não seja demasiado maleável.




DO DESCALABRO

Quem se lembra de uma análise polémica que fiz há cerca de uma semana que calculava o excesso de mortalidade desde Março deste ano não justificada pela covid-19?
Nessa altura, tinha estimado, para o período compreendido entre 15 de Março e 17 de Abril deste ano, um excedente de mortalidade, excluindo a mortalidade por covid, de 679 óbitos, com um intervalo de confiança situado entre 411 e 946 óbitos.
Pois bem, de repente, os dados da Vigilância da Mortalidade são actualizados e surgem mais 562 óbitos nesse período de um mês. Não é meia dúzia a mais. Repito: são 562 óbitos a juntar ao que já era um excesso. Afinal, até houve um dia (4 de Abril) em que morreram mais de 400 pessoas (421 para ser mais preciso), o que já émanifestamente preocupante. O anterior registo era de 363 óbitos. Nesse dia apenas foram reportados 29 óbitos por covid!
Vou ter de refazer as contas e já volto. Mas sinceramente acho que o SNS (leia-se Governo) anda a dar uma ideia delicodoce da situação actual. Se não se está a morrer muito de covid-19, está a morrer-se do que não se devia. E isso é desastroso. Acho sinceramente se podemos confiar num sistema nacional de saúde independentemente da covid.

DO DEVAGAR, DEVAGARINHO

Fiquei muito entusiasmado com o projecto de se ir fazer testes serologicos em Portugal para determinar o verdadeiro grau de contaminação do SARS-CoV-2 até perceber “que os primeiros resultados estão previstos para finais de Junho e o relatório deve estar pronto em Julho”. DOIS MESES?!... Começo a achar que as restrições impostas à população são muito agradáveis ao Estado (ia dizer Governo, ma pronto, fica Estado).

DO VIVER, SEGUNDO COSTA

O Governo "promete" que, depois do fim do 'estado de emergência', decretará 'calamidade pública'... O que se seguirá mais tarde? Um estado de 'hecatombe colectiva'? Uma situação de 'funestação grupal'? Uma 'tragédia grega'? Chiça!

sexta-feira, 24 de abril de 2020

DO CATAVENTO

In Público: «A directora-geral da Saúde disse esta sexta-feira na conferência de imprensa diária que 'até à data, tudo indica que [o leite materno] poderá ser utilizado, e que os seus benefícios serão superiores aos riscos eventuais de transmissão da infecção, que não está comprovada'. Mas Graça Freitas acabou por não ser questionada sobre o facto de estar a dizer o oposto do que recomenda a DGS na orientação publicada a 30 de Março e que continua em vigor: 'Em situações de separação mãe-filho, está recomendada a extracção do leite com bomba e o seu desperdício até a mãe ter dois testes negativos.'».


DO FAZER AS CONTAS


O Estado de Nova Iorque fez, através de rigorosa amostragem, testes serológicos que revelaram que cerca de 14% da população teve contacto com o SARS-CoV-2, criando anti-corpos. Esse valor não varia muito, conforme imagem, com a idade, pelo que acaba por mostrar duas coisas: o confinamento foi tardio, mas a letalidade, sendo elevada, não é catastrófica, e muito menos na população activa. A análise foi apresentada ontem, com seriedade, pelo governador Andrew Cuomo.


Se extrapolarmos para Portugal - e daí a grande urgência de se fazer estes testes no nosso país -, significa que 1,4 milhões de pessoas terão já sido contaminadas pelo coronavírus. Como morreram, até agora, 854 pessoas, então a letalidade, em vez de uma assustadora taxa de letalidade de 3,7% (854 óbitos em 22.797 casos positivos), é afinal de apenas 0,06% (854 óbitos por 1,4 milhões de contaminados). Isto muda TUDO.

E o que diz a nossa Directora-Geral da Saúde? Sim, aquela senhora que dizia que não se devia usar máscaras, depois que sim, que até em locais fechados, e que depois afinal podem os deputados não usar no Parlamento porque é arejado... Diz que as notícias sobre testes serológicos «não são muito animadoras». Ainda bem que não temos nenhum Trump ou Bolsonaro entre nós, mas convinha não ficarmos satisfeitos só por isso.




DA HIPOCRISIA, DA IRRACIONALIDADE E DOS VELHINHOS-MUITO-VELHINHOS

Não me perguntem porquê, pois não sei, mas a Vigilância da Mortalidade da DGS passou agora a desagregar ainda mais os grupos etários, tendo agora o grupo dos 75 aos 84 anos, e o grupo com mais de 85 anos. Obviamente, a curiosidade "empurrou-me" logo para saber se os "velhinhos-muito-velhinhos" andavam mesmo a "cair que nem tordos", nos lares deste país, por causa da covid-19, e muito mais do que era normal. Pelo menos, isso seria de esperar como tem mostrado a comunicação social. Pois a resposta, minhas senhoras e meus senhores, adianto já, é um rotundíssimo NÃO!
Desta vez (poupem-me) não fiz comparações com a média dos últimos10 anos, porque já sobejamente apresentei "provas" de que o ano de 2020 (e a época de vigilância da gripe 2019-2020) estão abaixo da média da mortalidade. Se comparasse com a média, a minha "tese" ainda seria muitíssimo mais reforçada, garanto! Quis apenas comparar a variação da mortalidade na época da covid (Março-22Abril) com o período de Outubto-Fevereiro (que apanha o surto de gripe, como seu apogeu em Janeiro). Note-se que a gripe desta época foi relativamente fraca, o que, não suceder, faria com que o coronavírus tivesse menos pessoas vulneráveis agora para atacar (por razões óbvias).
Ora, como podem observar no gráfico, a covid-19 causou um acréscimona mortalidade dos "velhinhos-muito-velhinhos" (mais de 85 anos), mas, surpresa!, a níveis inferiores aos da "suave" gripe de Janeiro deste ano. Ora, onde se esteve a fazer notícias-24-horas e confinamentos enquanto morriam os velhinhos-muito-velhinhos em Janeiro por causa de um simples surto gripal?
Se formos à faixa etária adjacente (entre os 75-84 anos), também se observa o mesmo cenário: mais mortes em Janeiro, do que em Março-Abril. No grupo de 65-74 anos, então, registou-se um ligeiro incremento em Março, mas os valores da mortalidade em Abril estão ao nível de Outubro, ou seja, normais.
Se olharmos então para as faixas mais jovens, o cenário mostra-se ainda mais incompreensível face ao actual estado de emergência: NUNCA houve sinais de perigo para os grupos etários que integram os mais jovens e a população activa (tanto entre 55 e 64 anos, e sobretudo com idades inferiores a 55 anos). Neste grande grupo (que integra mais de 2/3 da população portuguesa), tanto a gripe como a covid-19 não fizeram qualquer estrago "relevante". Ou seja, excepto em casos pontuais (e sabemos que a morte pode surgir em qualquer idade, mas as probabilidades variam ao longo da vida).
Bem sei que, no actual cenário, onde se encontram alguns países com indicadores preocupantes (Itália, Espanha e Bélgica... embora a necessitar de análise mais detalhadas), e vemos depois políticos irresponsáveis como Trump & Bolsonaro (que mais contribuem para que os outros países optem por manter confinamentos), é difícil que este tipo de análises, como as que faço, possam reunir muita aceitação. Porém, em consciência, cada vez acho que vivemos tempos absurdos, irracionais e hipócritas. E nem estamos a salvar assim tantas pessoas quanto isso.
Pelo contrário, no fim de tudo, quando a Economia começar a matar pessoas, veremos o saldo. Ou não, porque não se fará qualquer balanço. E continuará tudo como dantes, com as mortes pelo tabaco ou pela poluição atmosférica - ou até pelas simples gripes, a matarem suavemente, mas matando bem, sem ninguém se incomodar demasiado.








quinta-feira, 23 de abril de 2020

DA COVID NA IBÉRIA

Consta por aí, e no estrangeiro, que, na Ibéria, Portugal é um "milagre", porquanto a Espanha conta com uma taxa de 391 óbitos causados pela covid por milhão de habitante e o nosso país contabiliza "apenas" 80 óbitos por milhão.
Por isso, decidi olhar com mais detalhe para os números por região ou comunidade autonómica. Ora, conforme se pode observar no quadro e gráfico, na Espanha encontram-se situações particularmemnte graves nas comunidades autonómicas de Madrid, Castela-Mancha e La Rioja (rondando ou estando acima de mil óbitos por mihão de habitantes), seguidas de Castela e Leão, Navarra, Catalunha, País Basco e Aragão.
Contudo, já as comunidades da Galiza (139 óbitos por milhão) e da Andaluzia (128) estão praticamente ao nível da nossa região Norte (133), e pouco acima da região Centro (110). Excluindo pequenos territórios espanhóis, a comunidade de Múrcia (83 óbitos por milhão) tem uma incidência quase semelhante à média de Portugal (80).
Em conclusão, embora felizmente a níveis diferentes de Espanha, também no nosso país continua a registar-se uma significativa distinção de casos entre regiões. A incidência da mortalidade na região Norte e Centro não devem ser minimizada. Portugal está longe de poder ser catalogado de "milagre". Parece-me antes um país que, globalmente, está a "safar-se" razoavelmente, mas com algumas regiões a merecer contínua vigilância.
Nota: Para os cálculos, usaram-se as estatísticas populacionais do INE-Espanha (estimativas de 2019) e INE-Portugal (estimativas de 2018), bem como os boletins de hoje sobre a covid da DGS (Portugal) e do Ministério da Saúde de Espanha.



DA COVID NA IBÉRIA - ANÁLISE AO "MILAGRE" LUSITANO

Consta por aí, e no estrangeiro, que, na Ibéria, Portugal é um "milagre", porquanto a Espanha conta com uma taxa de 391 óbitos causados pela covid por milhão de habitante e o nosso país contabiliza "apenas" 80 óbitos por milhão.
Por isso, decidi olhar com mais detalhe para os números por região ou comunidade autonómica. Ora, conforme se pode observar no quadro e gráfico, na Espanha encontram-se situações particularmemnte graves nas comunidades autonómicas de Madrid, Castela-Mancha e La Rioja (rondando ou estando acima de mil óbitos por mihão de habitantes), seguidas de Castela e Leão, Navarra, Catalunha, País Basco e Aragão.
Contudo, já as comunidades da Galiza (139 óbitos por milhão) e da Andaluzia (128) estão praticamente ao nível da nossa região Norte (133), e pouco acima da região Centro (110). Excluindo pequenos territórios espanhóis, a comunidade de Múrcia (83 óbitos por milhão) tem uma incidência quase semelhante à média de Portugal (80).
Em conclusão, embora felizmente a níveis diferentes de Espanha, também no nosso país continua a registar-se uma significativa distinção de casos entre regiões. A incidência da mortalidade na região Norte e Centro não devem ser minimizada. Portugal está longe de poder ser catalogado de "milagre". Parece-me antes um país que, globalmente, está a "safar-se" razoavelmente, mas com algumas regiões a merecer contínua vigilância.
Nota: Para os cálculos, usaram-se as estatísticas populacionais do INE-Espanha (estimativas de 2019) e INE-Portugal (estimativas de 2018), bem como os boletins de hoje sobre a covid da DGS (Portugal) e do Ministério da Saúde de Espanha.



quarta-feira, 22 de abril de 2020

DOS HOMENS E DAS MULHERES


Vejo por aí debates especulando sobre porque morrem mais mulheres do que homens por covid, colocando hipóteses das mais absurdas.


Caraças, a "coisa" é muito simples: em Portugal, tal como em todo o Mundo, há mais mulheres do que homens (mesmo se nascem mais homens do que mulheres), e essa diferença aumenta para idades mais provectas.



No caso português, na faixa etária dos maiores de 80 anos, grosso modo em cada três pessoas, duas são mulheres. Explicação: as mulheres aguentam-se mais por "cá". Mas também "vão". Por isso, no caso da covid, é natural que haja mais mulheres entre as vítimas com mais de 80 anos. Porém, se analisarmos por taxa de mortalidade (esqueçam as taxas de letalidade que servem de pouco e só ajudam a panicar), a diferença é desfavorável para os homens (vd. quadro).


CONTRIBUTO PARA O FIM DO CONFINAMENTO / DO IMPACTE DA COVID NOS MENORES DE 55 ANOS /

Depois de ter aqui apresentado, há dias, uma análise em redor da variação da mortalidade nos maiores de 75 anos – que, efectivamente, quantificou o impacte bastante negativo da covid neste grupo etário -, aqui segue o “extremo oposto”: os menores de 55 anos, que agrega a população mais jovem, em idade escolar e uma parte muito substancial da população activa, que faz mover a Economia.
O período em análise é o de 1 de Janeiro a 15 de Abril, sendo confrontado o ano em curso com a média dos últimos seis anos (2014-2019). Calculei o intervalo de confiança a 95% para encontrar os valores mínimos e máximos expectáveis, de modo a saber como está a decorrer o nível de mortalidade ao longo de 2020 e sobretudo como decorreu o primeiro mês desde que foi anunciada a primeira morte por covid-19 (16 de Março). A taxa diária média de mortalidade foi calculada em função da estimativa da população em 2018 para a faixa etária dos menores de 55 anos. De acordo com os dados do INE, nesse ano estimava-se que viviam em Portugal, nesse ano, 6.634.700 pessoas com menos de 55 anos, i.e., cerca de 2/3 da população portuguesa.
Como podem observar no gráfico, felizmente a mortalidade no grupo etário abaixo dos 55 anos é bastante baixa, e mesmo assim, em média, apresenta uma tendência decrescente entre Janeiro e Abril – como, aliás, é comum a outros grupos etários. Apesar das variações diárias acabem por criar algum ruído na análise, mostra-se evidente que numa parte substancial dos dias durante todo o ano de 2020 a mortalidade está bastante abaixo da média e mesmo do limite inferior (mínimo) do intervalo de confiança. E, MUITÍSSIMO IMPORTANTE, tal situação mantém mesmo desde a segunda quinzena de Março até ao final do período de análise, ou seja, a covid-19 não apenas tem um impacte nulo na faixa etária abaixo dos 55 anos como provavelmente o confinamento até estará a reduzir a mortalidade neste grupo.
Comparando período a período, observa-se também, para este grupo etário, que na segunda quinzena de Março houve uma redução de 11,7% na mortalidade em relação à média (menos 38 óbitos), e uma redução de 14,6% (menos 45 óbitos) na primeira quinzena de Abril. No período de Janeiro à primeira quinzena de Abril, o grupo etário dos menores de 55 anos registou uma redução de 395 óbitos em relação à média (-16,8%).
Obviamente, uma parte destes “bons” resultados pode dever-se ao confinamento. Porém, na mesma linha de raciocínio, NÃO EXISTE QUALQUER INDÍCIO de a covid-19 constituir um perigo real, efectivo, para a população com idade inferior a 55 anos. Esta conclusão não significa, obviamente, que a covid-19 seja isenta de risco para determinadas pessoas deste grupo etário, mesmo sem qualquer comorbilidade conhecida. Porém, esse risco particular,que ocorre para qualquer outra afecção, não deve ser motivo para um lockdown como aquele que está em vigor, afectando não apenas a Economia como o usufruto da vida (que contém sempre um risco) pela generalidade das pessoas.
Em suma, sem prejuízo de defender a necessidade premente de protecção da população mais idosa (ou de risco), mas que não constitua uma "prisão", e de medidas apertadas de controlo dos contágios e do tratamento da doença, mostra-se cada vez mais evidente que, pelo menos em Portugal, o confinamento, nas actuais condições, não faz já qualquer sentido para 2/3 da população (grupo etário abaixo dos 55 anos).