domingo, 20 de dezembro de 2020

DA GRIPE E DA COVID: A COMPARAÇÃO NEFANDA

Há dias, na revista Lancet Respiratory Medicine (vdf. aqui), foi publicado um artigo científico que teve a ousadia de comparar a mortalidade (e mais outros indicadores clínicos) entre a gripe e a covid. Desde o início da pandemia do SARS-CoV-2, a começar aqui no FB, fazer alguma alusão entre gripe e covid daria (e se calhar ainda dá) azo a bloqueio e/ou nomes feios. 

O estudo francês, concluía, grosso modo, que a covid foi, na primeira vaga, três vezes mais letal do que fora o surto de gripe de 2018-2019, o mais mortífero dos últimos cinco anos. Não me surpreendeu, e, no entanto, fiquei com uma sensação de nunca ter estado errado desde o início de uma pandemia que se sustentou sempre no histerismo.

Infelizmente, estes estudos ainda se mantêm raros e, na verdade, choca-me que investigadores portugueses na área da gripe e outras doenças respiratórias continuem a contribuir activamente para colocar a covid num patamar de "doença terrível" e "incomparável".

Aliás, um dos grandes estudiosos nesta área é, curiosamente, Baltazar Nunes, professor do INSA e consultor da DGS, que ainda no Verão tentou "lavar" as responsabilidade do SNS relativamente à mortandade de idosos em Julho por afecções não-covid. Baltazar Nunes, tal como Filipe Froes, bem sabem que a covid deve ser classificada e analisada como uma infecção respiratória com características específicas, mas que não é o fim do Mundo. 

Na verdade, Baltazar Nunes é co-autor de um artigo científico publicado em 2011 (vd. aqui) que analisou, em detalhe, o excesso de mortalidade associado aos surtos gripais no período 1980-1981 e 2003-2004 (entre Outubro e Maio), e bem recordado deverá estar de vários surtos gripais particularmente mortíferos (sobretudo associados ao subtipo H3N2, o mesmo da gripe de Hong Kong de 1968-1969, que matou entre um e quatro milhões de pessoas em todo o Mundo). 

No caso específico do surto gripal de 1998-1999 (Outubro de 1998 a Maio de 1999) foi então estimada a morte em Portugal de 8.514 pessoas (com o intervalo de confiança entre 7.908 e 9.120 óbitos). Notem: este surto gripal em poucos meses matou mais do que a covi, e quando a população portuguesa era menos envelhecida. Em mais três anos o excesso de mortos foi superior a 5.000 (vd.gráfico).

Enfim, convinha começarmos a olhar, como pessoas e como sociedade, para a covid com olhos de racionalidade. A covid é uma doença perigosa, mas não é o fim do Mundo. E muito provavelmente, como sucede com o H3N2, vai-nos continuar a visitar, e teremos de encontrar estratégias racionais, assumindo que, infelizmemente, a morte está presente na vida e nas sociedades. Mas estará ainda mais presente se, como anda a suceder em Portugal, o SNS se mantiver num estado comatoso.

sábado, 19 de dezembro de 2020

DO NATAL SEM COMPOTA

O SARS-COV-2 causa estragos não apenas nos humanos: o bacalhau da antevéspera da antevéspera da antevéspera de Natal está esquisito!

DO SABÃO AZUL-E-BRANCO

Como é queremos alguma vez chegar a ter Alta Velocidade na nossa ferrovia se a CP em tempos de pandemia usa sabão azul-e-branco nos sanitários do Intercidades?

DAS OBSESSÕES DO PÚBLICO

O nosso outrora jornal de referência Público tem duas obsessões observáveis em função da frequência noticiosa. 

A primeira é a SUÉCIA, país que tem a 15a. maior taxa de mortalidade por covid na Europa e a 24a. a nível mundial. Não é, portanto, nem o paraíso nem o Inferno. Está este mês até abaixo da nossa vizinha Espanha, que tem suportado muito melhor do que Portugal a segunda vaga (o que levou a sair da esfera noticiosa). Razão da obsessão pela Suécia: os jornalistas do Público, seguindo os seus colegas do Reino Unido (por sinal bem piores do que a Suécia) nunca suportaram a estratégia daquele país escandinavo, que pessoalmente considero a mais racional, porque, tendo errado inicialmente, não se furtaram a assumir o erro e corrigirem falhas, continuando a gerir a pandemia em função da situação conjuntural (btw, não considero, pelo contrário, as medidas das últimas semanas qualquer retrocesso, mas sim a persecução de medidas sensatas, embora na essência se mantenha a postura de as autoridades tratarem os seus cidadãos como adultos). Além disso, Tegnell não anda a promover compotas, cheias de açúcar... é só isso mereceria o meu reconhecimento.

A segunda obsessão do Público: ÍNDIA. Não há quase dia em que não se saiba, pelo jornal, quantas mortes e infectados por covid se contabilizam neste país asiático. Tudo muito detalhado em números absolutos. Sucede, porém, que a Índia ocupa a 107a. posição mundial em casos positivos por milhão de habitantes e a 98a. posição mundial na taxa de mortalidade. Razão da obsessão: esquecendo que a Índia tem mais de 1,3 mil milhões de habitantes, o Público sabe que mesmo baixas taxas de incidência e mortalidade dão sempre números absolutos “generosos” para alimentar a campanha do medo. E é isso que interessa. 

Há uma terceira obsessão do Público: PORTUGAL, mas neste caso no sentido de nunca enquadrar a situação nacional num contexto internacional, e jamais investigar, com detalhe, o que se passa nos lares portugueses, que andam a “alimentar” os actuais níveis de mortalidade por covid... mas como não se pergunta... é como se o problema não existisse.




sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

DOS VAMPIROS

Durante meses, o jornalismo português só teve olhos para a covid. A morte de um cidadão ucraniano em Março às mãos do SEF mereceu pouco mais do que umas breves referências. 

Entretanto, mais de oito meses depois, “desenterrou-se” o processo, que se tornou também político. E a estremunhada imprensa, acordada do seu prolongado sono, lançou-se agora furiosamente à “caça” da viúva do ucraniano, com todas as “ferramentas” que mostram o lamaçal por onde se anda a enterrar. 

O DN relata como tem sido o cerco: “Oksana Homeniuk diz-se ‘muito pressionada’ por equipa da RTP que foi à Ucrânia. Outro canal ligou-lhe, conta ao DN, a dizer que se der a entrevista a um tem de dar a todos. Viúva de cidadão ucraniano considera-se alvo de ‘atenção exagerada’ e pede a jornalistas que dirijam atenção para processo.”

Ao pé disto - e estou a lembrar-me do filme do Coppola -, os vampiros são um primor de dignidade e cortesia perante as suas vítimas.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

DO REI ACUSADOR E DO PRESIDENTE ELOGIADOR

O Rei Carlos XVI Gustavo da Suécia falou hoje sobre a gestão da pandemia: "Falhámos", disse. Sobre o nosso presidente da República, convido-vos a pesquisar no Google as palavras "Marcelo" e "elogio" (ou suas formas verbais), e vos surgirá um chorrilho de encómio, alguns quase diritambos, em torno da acção de Portugal na luta contra a pandemia, na protecção dos idosos, etc,., etc., etc...

Bem sabemos que Portugal não é a Suécia, e a maior diferença é na postura, na verdade e na transparência dos seus responsáveis políticos. Algo não corre bem na Suécia? Pois bem, admite-se, avalia-se e corrige-se, para não repetir o erro. Algo não corre bem em Portugal? Espera aí?! Algo correu mal em Portugal? Não correu nada! Ou seja, não se admite sequer, porque nem se avalia, e continua-se alegremente a errar, até porque mal nenhum haverá, excepto para quem desse mal directamente sofre, mas também a sua voz é demasiado sumida, de certo que se equivale aos zurros de burros que, como sabido, nunca ao Céu chegam.

Mas, enfim, entre o que parece e a realidade existe uma distância colossal. Os mesmos jornais portugueses que destacam as críticas do rei sueco, não querem ou nem sequer têm capacidade (coitados!) para analisar o comportamento dos dois países durante o ano d 2020 na protecção dos idosos, os mais vulneráveis à covid e a muitas outras doenças que matam. Pois bem, não faz a imprensa portuguesa, faço eu - tem sido essa a minha postura nos últimos meses.

Assim, pegando exclusivamente em dados oficiais (INE, SCB, DGS), analisei a taxa de mortalidade dos maiores de 65 anos (portanto, padronizando) ao longo dos merses de 2020, desde Janeiro até Novembro. 

Os resultados são esclarecedores: mortalidade total até 30 de Novembro para os maiores de 65 anos: Portugal com 41.730 óbitos por milhão de habitantes neste grupo etário, o que  é 12,7% pior do que a Suécia (37.041 óbitos por milhão) em igual período.

Comparando mês a mês, somente a Suécia ultrapassou Portugal em Abril e Maio, quando os lares suecos registaram vários problemas (assumidos desde cedo). A partir daí a taxa de mortalidade tem estado bem acima em Portugal, chegando a ser quase 38% superior no mês de Julho (foi muito mau ser idoso em Portugal neste mês), 20% no mês de Outubro e 26% no mês de Novembro. Dezembro não está nada famoso.

Daqui se conclui que na Suécia o rei pode estar insatisfeito, e em Portugal o presidente pode estar satisfeito, mas no fundo em Portugal os idosos estão a morrer em muito maior número do que na Suécia. É um facto, indiferente a críticas ou encómios. E é esta a realidade que vivemos em Portugal. Por muito que o nosso país se recuse a admitir. Por muito que a cegueira da nossa imprensa faça por ignorar.

Fonte: INE e SCB (estimativs da população com mais de 65 anos em Portugal e na Suécia), SICO-eVM e SCB (mortalidade total em Portugal e na Suécia par maiores de 65 anos).



DAS COMPOTAS E DO COMPORTAMENTO OU DO COMO PREGA FREI TOMÁS

Isto de andar em almoçaradas com este e aquele, e ainda por cima não respeitar a distância social, terá agora o merecido castigo: António Costa terá de se contentar com um Natal isolado, e, quando muito, receberá umas “compotas” através do “patamar das escadas do prédio”. E nem pode celebrar na véspera da véspera de Natal com um pequeno-almoço...





DA SUÉCIA, A IMPURA

A obsessão da imprensa pela Suécia atinge níveis patológicos. Hoje divulgam aos sete ventos, de forma quase orgástica, que o rei sueco assumiu que a abordagem falhou. Que queriam que ele dissesse? Que resultou? Que estava contentíssimo pelas mortes? 

Aquilo que mais me irrita na cobertura noticiosa sobre a Suécia, castigada pelos media por ser “impura", por não seguir a estratégia dos demais, é a falta de reconhecimento de uma estratégia correcta que sempre pressupôs a correcção de erros depois de se assumirem publica e transparentemente falhas nos cuidados dos lares. Numa primeira fase, durante a Primavera, terão aí morrido mais de três mil idosos. Não por falhas na estratégia aplicada à comunidade, mas por falhas nos serviços médicos nos lares, as quais não são responsabilidade da Agência sueca de Saúde Pública. Porém, desde o Verão, a situação sueca não me parece dramática dentro do contexto de uma pandemia que tem afectado países com estratégias muito rígidas, com recurso a máscaras até na rua (um absurdo), lockdowns e recolher obrigatório. Elogio a estratégia da Suécia não por ser imaculada, mas sim por ser racional, por reconhecer falhas, e adequando as medidas em função da situação a cada momento, em vez de andar a accionar medidas como baratas-tontas, sem avaliação, sem bases científicas, só porque sim, e escondendo os verdadeiros problemas.

Ainda mais curioso é reparar como a imprensa portuguesa, do qual o Público se constitui porta-estandarte, não deslarga a Suécia, que tem já menos casos positivos que Portugal, que dentro de um mês terá previsivelmente menos mortes por covid, e que (falarei com detalhe sobre isso muito em breve, com cálculos) tem tratado muito melhor os seus idosos do que o nosso país. Não vejo tanta preocupação com a Bélgica que é o país líder da mortalidade, e ainda por cima com duas ondas muito pronunciadas (aqui sim, evidente) de elevada mortalidade. 

Em todo o caso, convém relembrar que a Suécia está longe, à escala mundial, de ser um modelo de sucesso na pandemia (na Europa há muito poucos), mas não é nenhum inferno. Deixo aqui os 20 países que, apesar da suposta terrível situação da Suécia, estão com mais mortes por milhão de habitantes (e incluindo apenas países com mais de 1 milhão): 

1 - Bélgica

2 - Itália

3 - Peru

4 - Bósnia

5 - Eslovénia 

6 - Macedónia do Norte 

7 - Espanha

8 - Reino Unido 

9 - Estados Unidos 

10 - República Checa

11 - Argentina

12 - França 

13 - Bulgária 

14 - México 

15 - Arménia

16 - Brasil 

17 - Chile

18 - Panamá

19 - Equador 

20 - Hungria

P.S. As fotos são da minha viagem à Suécia em Agosto, onde se vive, apesar da pandemia. Só se morre se se viveu. Se se nasceu e não se viveu, a morte é apenas o inglório regresso ao tempo anterior ao nascimento.






DAS REGRAS

Estou confiante que António Costa não foi infectado por Emmanuel Macron. O nosso primeiro-ministro segue escrupulosamente as regras e recomendações da Direcção-Geral da Saúde, designadamente a “distância social”. Até compotas já terá comprado...





quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

DO EXTRAORDINÁRIO RESULTADO DO CONFINAMENTO NOS FERIADOS OU DOS IDOSOS QUE CONTINUAM DESPROTEGIDOS

Como tenho repetidamente defendido, desde há largos meses, interessam-me pouco os casos positivos totais, porque dependem do número de testes e da probabilidade de falsos positivos se realizados em pessoas sem qualquer sintoma. No entanto, olho com muita atenção para os casos positivos da população mais idosa (70-79 anos e mais de 80 anos), não apenas por ser o grupo mais vulnerável, mas por aí se encaixarem os casos dos lares, onde por norma não há "fumo sem fogo" (i.e., os casos positivos observam-se em grupos onde a prevalência de surtos é maior).

Ora, apesar dos dados da DGS mostrarem uma significativa  diminuição dos novos casos positivos totais desde 19 de Novembro (5.817, média móvel de 7 dias, sendo que ontem era de 3.657), na verdade os novos casos positivos na população mais idosa (mais de 70 anos) não estão a diminuir em relação a meados de Novembro, e mostram mesmo uma ligeiro aumento em relação ao início de Dezembro, quando foi imposto o recolher obrigatório nos fins-de-semana na maior parte do território. No caso da população com mais de 80 anos (alô, alô, lares), os novos casos diários têm estado em níveis bastante elevados, sempre acima dos 400.

Esta situação justifica o nível constante e elevado de mortes nas últimas semanas, e prevejo mesmo um aumento ligeiro nas próximas semanas, sendo muitíssimo provável que se venha  ultrapassar a fasquia simólica dos 100 óbitos por dia ainda este ano ou nos primeiros dias de Janeiro de 2021.

E não vai ser por causa do Natal.

E convinha mesmo saber como andam os lares...

Fonte: DGS (casos por grupo etário); Worldometers (novos casos totais)




DO EXTRAORDINÁRIO RESULTADO DO CONFINAMENTO NOS FERIADOS OU DOS IDOSOS QUE CONTINUAM DESPROTEGIDOS

Como tenho repetidamente defendido, desde há largos meses, interessam-me pouco os casos positivos totais, porque dependem do número de testes e da probabilidade de falsos positivos se realizados em pessoas sem qualquer sintoma. No entanto, olho com muita atenção para os casos positivos da população mais idosa (70-79 anos e mais de 80 anos), não apenas por ser o grupo mais vulnerável, mas por aí se encaixarem os casos dos lares, onde por norma não há "fumo sem fogo" (i.e., os casos positivos observam-se em grupos onde a prevalência de surtos é maior).

Ora, apesar dos dados da DGS mostrarem uma significativa  diminuição dos novos casos positivos totais desde 19 de Novembro (5.817, média móvel de 7 dias, sendo que ontem era de 3.657), na verdade os novos casos positivos na população mais idosa (mais de 70 anos) não estão a diminuir em relação a meados de Novembro, e mostram mesmo uma ligeiro aumento em relação ao início de Dezembro, quando foi imposto o recolher obrigatório nos fins-de-semana na maior parte do território. No caso da população com mais de 80 anos (alô, alô, lares), os novos casos diários têm estado em níveis bastante elevados, sempre acima dos 400.

Esta situação justifica o nível constante e elevado de mortes nas últimas semanas, e prevejo mesmo um aumento ligeiro nas próximas semanas, sendo muitíssimo provável que se venha  ultrapassar a fasquia simólica dos 100 óbitos por dia ainda este ano ou nos primeiros dias de Janeiro de 2021.

E não vai ser por causa do Natal.

E convinha mesmo saber como andam os lares...

Fonte: DGS (casos por grupo etário); Worldometers (novos casos totais)




DAS COMPOTAS

Antigamente, o horror eram as meias. Agora, serão as compotas, sugeridas pelo subdirector-geral da Saúde, Rui Portugal, a quem falta apenas a barba para ser o Pai Natal, não dá Lapónia mas da Pandemia.


DA OBSESSÃO DO PÚBLICO PELA SUÉCIA

Os jornalistas do Público continuam obcecados pela situação da covid na Suécia, patente nas incessantes tentativas para demonstrar ao "povo português" que os malvados escandinavos estão em processo de extinção porque a Autoridade sueca de Saúde Pública, hélas, tem uma estratégia anti-covid que não inclui máscaras (embora inclua medidas racionais de controlo em função da situação real em cada momento). 

O Público quer provar que não viver em constante pânico terá, para os suecos, um triste destino, do género apocalítico: "se não temes o Senhor, a Sua espada descerá dos céus e sofrerás da Sua inclemência". E serve-se tudo, menos dos factos.

A obsessão nem sequer é de um jornalista em concreto. Quase parece que a obsessão irradia por toda a redação do Público. Hoje temos a jornalista Maria João Guimarães relatando as conclusões de um inquérito na Suécia sobre a situação dos lares na primeira fase da pandemia. O Governo sueco já admitiu a existência de falhas durante a Primavera (responsável então por muito mais de metade da mortalidade por covid nesse país), e essas não parecem estar a repetir-se agora (em Portugal, a coisa é bem diferente, até porque aqui não se fazem inquéritos globais). 

Porém, a talhe de foice, nada inocente, lá coloca a jornalista Maria João Rodrigues mais relatos sobre os estragos da "peste" em terras da fria Suécia. Segundo a jornalista, "a agência de estatísticas da Suécia disse, na véspera, que Novembro tinha um total de 8088 mortes por todas as causas, o número mais alto desde o primeiro ano da gripe espanhola (1918)." Uiiii... lá andamos nós com um problema de incultura matemática aliada a maldade.

Para o Público já é inevitável fazer um piscar de olho à gripe espanhola. Já é tique. Sucede, porém, que em 1918 a Suécia tinha 5,8 milhões de habitantes, e agora tem mais de 10,3 milhões, pelo que me parece normal haver agora mais mortes. Comparar números absolutos nestas circunstâncias é uma de duas coisas: ou burrice ou manipulação; nenhuma delas abona um profissional de jornalismo. 

Por outro lado, convém salientar que a gripe espanhola, ao contrário de muitos outros países europeus (como Portugal), não afectou então a taxa de crescimento demográfico da Suécia, embora a mortalidade, nesse ano, tenha atingido os 104 mil óbitos, o que coloca a taxa de mortalidade em cerca de 18 óbitos por 1.000 pessoas. Note-se que o ano de 2020 terminará com uma mortalidade inferior  10 por 1.000 habitantes. Desde o período em análise, note-se, este país registou sempre crescimentos absolutos da sua população, e 2020 não será excepção, apesar da pandemia.

Além disso, sendo certo que a mortalidade em Novembro é, em termos absolutos, um recorde, tal não revela uma situação dramática, tendo em consideração o aumento demográfico. Por exemplo, entre 2015 e 2019, a população sueca aumentou em quase 480 mil pessoas, i. e., 4,8% (a população portuguesa diminuiu, no mesmo período, em 46 mil pessoas).

Assim, usando os dados disponibilizados no site SCB (o INE sueco), calculando a taxa de mortalidade do mês de Novembro (em função da população estimada no final do ano anterior), os valores de 2020 (0,77 óbitos por mil pessoas) são apenas ligeiramente superiores a 2015 (0,74), 2016 (0,75) e 2017. Ou seja, do ponto de vista de Saúde Pública, a Suécia não apresenta uma situação de catástrofe, nem pouco mais ou menos.

Aliás, numa conferência de imprensa da SCB foi referido que a taxa de mortalidade de Novembro de 2010 foi superior à que se registou agora, em 2020. Mas isso não interessa nada para o Público. Aquilo que lhes interessa é pintar de negro quem recusa estratégias absurdas...

Ah, já agora: mesmo já tendo mais população que Portugal, a Suécia teve no dia 15 o seu dia mais mortífero de Novembro, com 292 óbitos, sendo que a média (2015-2019) era de 245. No mesmo dia, Portugal registou 447 óbitos, sendo que a média era de 299... 

Ah, e outra coisa: entretanto, o dia mais mortífero deste ano em Portugal foi anteontem (14 de Dezembro), com 458 óbitos. A média (2015-2019) nesse dia era de 326. O "sucesso" destes números, provavelmente diria o Público, está, como é óbvio, relacionado com o facto de o Governo português não ter seguido a estratégia da Suécia. Só pode, não é?




terça-feira, 15 de dezembro de 2020

DO SOLTAR OS CÃES

Um dos resultados mais funestos da pandemia tem sido a revelação de uma intolerância à opinião contrária, ao debate de ideias e à assumpção da inexistência de verdades absolutas. Desde o início da pandemia tornou-se claro que quem questionasse, quem duvidasse, quem tentasse perspectivar a pandemia, contextualizando-a e colocando-a num quadro mais global e integrado de políticas públicas (de saúde pública e outras), rapidamente era rotulado de negacionista, terraplanista, bolsonarista, trumpista, adepto da extrema-direita. Isto teve como condão que muita gente, e bem-dotadas de intelecto, evitasse opinar, estudar, analisar, preferindo seguir os demais, e atirando pedras como os demais às cada vez menos opiniões dissonantes. Assim se consolidou a narrativa, não dominante, antes unânime. E o unanimismo, imposto, é um dogma. E os dogmas, geralmente, são prejudiciais no imediato ou a prazo, se subsistirem com base na sua imposição, e não pela razão.

Em Portugal, quem “botou a cabeça” de fora rapidamente foi “decepado” pela imprensa e ostracizado pelas instituições. Jorge Torgal, um dos maiores especialistas de Saúde Pública, foi um deles. Maria Manuela Mota, directora do Instituto de Medicina Molecular, remeteu-se ao silêncio depois de ser “crucificada” por ter dito que o SARS-CoV-2 era um vírus “bonzinho” no sentido de que a sua letalidade e a incidência em termos de grupos etários não se equipara a outros vírus verdadeiramente mortíferos. 

Depois seguiram-se os poucos médicos com coragem para se juntaram e criar o movimento Médicos pela Verdade, que têm sido alvo do maior enxovalho e perseguição mesmo pela Ordem dos Médicos por mero delito de opinião. E convém referir que dignísimos investigadores e comunicadores exemplares, David Marçal e Carlos Fiolhais, também bons conhecedores da História da Ciência, vieram defender que esses médicos deviam ter sido já proibidos de exercer medicina. 

Depois tivemos ainda o lamentável caso do médico Fernando Nobre, também crucificado na praça pública, ainda mais às mãos de um “censor” ad-hoc, suposto comediante, de seu nome Rui Unas. 

E, por fim, agora temos Raquel Varela, que nas últimas semanas tem colocado questões pertinentes, em artigos e textos diversos, mas que se poderia resumir no seguinte: vamos discutir a pandemia sob um olhar global, não apenas clínico, não apenas médico, não apenas de saúde individual nem colectiva, mas do ponto de vista global, de saúde pública, que, na verdade, é a saúde (em todas as acepções) da sociedade.

Um dos textos mais aplaudidos contra Raquel Varela – e aplaudidos efusivamente por pessoas cultíssimas e insuspeitas de não pensarem, como Francisco Louçã – é de uma enfermeira, de seu nome Carmen Garcia, que, tal como o inenarrável intensivista Gustavo Carona, tem linha aberta no jornal Público.

Um dos argumentos de Carmen Garcia, logo a abrir, vai no sentido do famoso “reductio ad Hitlerum”, usando uma frase apócrifa (ou seja, nunca dita) por Estaline: “a morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões uma estatística”. Colando assim, não inocentemente, a ideia de se ser um Estaline quando se quer debater Saúde Pública, onde indubitavelmente se tem de se munir de estatísticas de mortalidade (porque em Saúde Pública se faz um compromisso entre o menor dos males, já que se tem de assumir que haverá sempre mortes), o que inquina qualquer possibilidade de uma conversa séria e construtiva. 

A enfermeira Carmen Garcia que mostra tanta comiseração pelas 1.620.823 mortes por covid (citação dela), também deveria mostrar similar comiseração por todas as 56.388.795 pessoas que, em todo o Mundo, terão já morrido por diversas causas ao longo do 2020. 

A enfermeira Carmen Garcia, que mostra comiseração pela morte de jovens internados em “decúbito ventral” por covid (embora, até aos 20 anos foram dois em Portugal), devia ter mostrado também similar comiseração pelos jovens que em anos anteriores (e abaixo dos 20 anos) morreram por pneumonias e infecções afins em maior número. 

A enfermeira Carmen Garcia, que critica a Suécia pelas falhas (assumidas pelas autoridades suecas) nos lares, também deveria saber que a situação dos lares portugueses só é melhor por uma razão: o Governo não fornece dados fidedignos nem nunca assumiu a gravidade da covid e sobretudo de outras afecções que estão a causar uma mortalidade sem precedentes nestas instituições. O Verão foi, aliás, uma hecatombe que merecia investigação do Ministério Público. O lar de Reguengos de Monsaraz foi a ponta do icebergue que se vislumbrou, porquanto muitos outros casos sucederam de mortes por uma simples razão: por abandono dos mais básicos cuidados médicos e humanos, incluindo dar água aos idosos.

Enfim, podia continuar a argumentar, mas tudo isto já me cansa, tudo isto me irrita, tudo isto é lamentável. A pandemia está a ser penosa sobretudo pelo lastro de intolerância e sobretudo pelas consequências para o nosso futuro como sociedade. Mais do que as mortes “secundárias” (por supressão de actos médicos e pelo medo exacerbado), esta pandemia está a mostrar o lado mais negro da Humanidade.





segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

DO MUNDO QUE NÃO É IGUAL

Aproxima-se o Natal e, como esperado, política e imprensa salivam, com ar pesaroso, para mostrar serviço no ano de todos os pânicos. E de restrição em restrição, chegaram eles finalmente ao supremo patamar de definirem quantas pessoas entram numa casa (como se as pessoas, mentecaptas, deixassem de poder exercer o livre arbítrio mesmo no interior das suas anteriores "sagradas" paredes), e até quantas podem ir à casa de banho ao mesmo tempo (vd. Bélgica). Argumenta-se que a situação em Dezembro é horrível, nunca vista, vai piorar e assim se justificam. Mas... será que está mesmo o mês de Dezembro a ser o pior da pandemia? Fui ver...

Numa análise rápida (não assim tão rápida, porque tive de analisar a evolução de quatro dezenas de países), fui confrontar a situação do dia 13 de Dezembro (e deste mês) com os períodos anteriores (Março-Junho; Julho-Setembro e Outubro-Novembro). Escolhi os 40 países com mais de 1 milhão de habitantes que apresentam a maior mortalidade acumulada por milhão de habitantes. De entre este, 24 são países da Europa, 7 da América do Sul, 5 da América do Norte, 3 da Ásia e 1 da África.

Tendo como referência a média móvel de 7 dias referente a 13 de Dezembro, mas considerando também os valores ao longo do mês de Dezembro, mostro assim, para cada um destes países, se a situação actual está melhor (Verde), pior (Vermelho) ou sensivelmente igual (Amarelo, sendo que tal significa uma variação para cima ou para baixo de cerca de 15%) quando comparado com  os três períodos anteriores: Março-Junho, Julho-Setembro e Outubro-Novembro. Por outro lado, analisei se os valores de Dezembro constituem, para casa país, um pico (valor mais elevado de mortalidade).

Deixo o quadro para cada um, por si, analisar. Em todo o caso, aqui vos deixo algumas indicações: 

a) Apenas em 15 dos 40 países, o mês de Dezembro é aquele com maior mortalidade, Com excepção dos Estados Unidos, esses países tinham sido poupados na primeira fase da pandemia na Primavera. Em todo o caso, se se analisar a situação dos Estados Unidos, existem muitas diferenças entre os diversos Estados, sendo que os que agora estão a ser mais fustigados tinham sido poupados na Primavera e Verão.

b) Apenas em 12 dos 40 países a situação do mês de Dezembro está a ser claramente pior do que no período Outubro-Novembro Em 15 a situação é relativamente similar, e em 13 a situação é melhor. 

c) Em 14 países a situação em Dezembro (mesmo com o Inverno à porta) é menos gravosa do que foi em Março-Junho. Neste lote de países encontram-se Bélgica, Peru, Itália, Espanha, Reino Unido, França, Chile, Equador, Bolívia, Suécia, Suíça, Holanda, República da Irlanda e Canadá. Estes 14 países estão no top 20, significando assim que a maioria das mortes durante a pandemia ocorrerem na Primavera.

Fonte: Worldometers.