A culpa foi do Natal, diz a Imprensa. A culpa é da variante inglesa, diz a Imprensa. E diz agora ainda, a Imprensa, que a variante inglesa está a atacar mais as crianças (vd. em baixo, notícia do inenarrável Público).
Vá! Praticamente não há crianças a morrer de covid (até agora morreram três pessoas com menos de 20 anos, o que é 0,00015% de taxa de mortalidade), mas isso não interesssa nada. Também não interessa que num Janeiro de descalabro total, com dias sucessivos de mais de 700 mortes por todas as causas, o grupo etário dos menores de 25 anos até esteja com uma taxa de mortalidade abaixo da média. Isso não interessa. Ponha-se aí mais pânico. Em tudo. Ponham mais medo. Em todos. Ponham as pessoas a nem sequer questionar porque existem tantas mortes em Portugal por covid, quase todos idosos; a nem sequer reparar que estamos agora com níveis de mortalidade cinco vezes superiores ao Brasil; e que mesmo em Manaus (Amazonas), onde a situação é tenebrosa, afinal a mortalidade é semelhante à do nosso país.
Existem dois motivos para o descalabro português. Primeiro, o colapso do SNS. Tenho aqui apresentado evidências da perda de eficácia no tratamento da covid. Em Dezembro morriam 25 pessoas por cada mil internados; agora morrem quase 45 por cada mil internados. Todos os dias são mais de 120 mortes a mais por causa desse colapso.
O segundo motivo é insusportavelmente silenciado: os lares, cujos utentes integram (diria quase na totalidade) o grupo dos maiores de 80 anos. Estive entretanto a calcular a taxa de incidência em Janeiro de 2021 (até dia 29) dos novos casos positivos por grupo etário. Pasmo!
Minhas senhoras e meus senhores, o grupo etário mais atingido durante o mês de Janeiro é o dos maiores de 80 anos (35,7 casos por mil pessoas deste grupo etário), ligeiramente superior ao grupo dos 20-29 anos (35,6 por mil).
Notem que a taxa de incidência, a partir dos 20-29 anos, se reduz nos grupos etários subsequentes até estancar nos 19,7 casos por mil no grupo dos 70-79 anos, o que se relaciona com questões de mobilidade e grau de contacto social. Assim, seria suposto que o grupo seguinte (maiores de 80 anos) tivesse uma incidência ainda menor; porém, em vez disso, apresenta a maior incidência de todos os grupos etários. Isso indicia, sem dúvida, que o problema advém dos lares, que, neste momento, serão autênticos "antros de covid", em descontrolo absoluto. E ninguém quer saber.
O Governo não divulga o que se passa nos lares, a Imprensa não pergunta. Não se sabe quantos idosos dos lares estão infectados, quantos destes morrem em cada dia. Nada se sabe. Os velhos mortos dos lares, esses, vão-se somando, anonima e silenciosamente, e servindo somente para alimentar o pânico, de modo a se aceitarem todas as restrições e imposições de um Governo responsável por uma das gestões mais vergonhosas da pandemia a nível mundial.
Portugal, por causa do caos do SNS e da falta de protecção eficaz dos lares, arrisca a tornar-se em breve um dos piores países afectados pela covid. Está, neste momento em 16º lugar (excluindo pequenas nações com menos de 1 milhão de habitantes), mas em menos de uma semana entrará no lamentável top-10. E se tudo continuar como está só pode piorar. Perdeu-se o controlo de uma doença controlável.
O Ministério Público, se não estiver manietado, deveria abrir um processo de averiguações à gestão da pandemia nos lares. Já. E ja se faz tarde.