terça-feira, 10 de novembro de 2020

DO OLHAR PARA O ENXAME EM VEZ DE TER O FOCO NA ASA DA ABELHA

Uma das coisas que mais me tem irritado durante a pandemia é observar a incapacidade quase generalizada (incluindo pessoas muito inteligentes que ficaram bloqueadas pelo medo) de se olhar com racionalidade para o problema que, não neguemos, existe a nível mundial. 

A covid passou de problema de Saúde Pública - a necessitar de soluções racionais dentro de um quadro complexo que exige frieza de análise e decisões ponderadas (e assumindo que não somos imortais, e que já existiam e existirão doenças preocupantes) - para uma obsessão, uma histeria, uma distopia. Isto dá, deu e dará muito maus resultados.

Tenho procurado, para a minha sanidade, ver a pandemia com um olhar mais vasto, o que me tem causado alguns ódios e incompreensões, mas também tem revelado muitos corporativismos atávicos, de que os jornalistas são um triste exemplo, e alguns médicos também, por recusarem "dialogar" ou ouvir supostos não-especialistas, muitos dos quais, sendo especialistas noutras áreas, tendem a observar o comportamento do enxame em vez de olharem somente para as asas das abelhas.

Isto a pretexto de mais uma análise de conjunto sobre o impacte (directo e indirecto) da pandemia por grupo etário, e que me fez relembrar um post de 6 de Setembro (vd. aqui) intitulado "Do elefante cor-de-rosa no meio da cidade ou da estranha pandemia dos jovens". Nesse post mostrava que, apesar de ser uma faixa etária de baixa mortalidade, os jovens entre os 15 e os 24 anos apresentavam este ano um acréscimo em relação á média, o que não sucedia com as faixas adjacentes. 

Esta situação é tanto mais estranha, e preocupante (apesar de estarmos a falar de um acréscimo de "apenas" 30 óbitos, mas que representa mais 11,5% do que a média), porquanto nas outras faixas etárias até aos 55 anos o ano de 2020 (em pleno ano covid) está a ser muito menos mortífero do que a média. 
Sendo esta situação estranha, e porventura reveladora de falhas em termos de cuidados de saúde primária, a análise que sintetizo em gráfico mostra também a irracionalidade da actual estratégia assente sobretudo em "lockdowns" impostos na actividade social e económica de toda a população activa para fazer face a um problema específico de um grupo específico e bem delimitado da população. E, com isso, causar um conjunto de problemas que resultam até em excesso de mortalidade até nas pessoas que supostamente se querem proteger. Salvamo-las da covid, deixamo-las morrer de outras doenças curáveis se não se tivesse deixado de as tratar. 

Com efeito, para uma doença que tem tido efeitos irrelevantes ou mesmo nulos para cerca de 2/3 da população portuguesa (a mortalidade em 2020 no grupo dos até 55 anos, que agrega 6,6 milhões de pessoas, é até mais baixa do que a média), convinha concentrarmo-nos em soluções mais eficazes para o restante 1/3, e neste grupo particularmente para os cerca de 315 mil pessoas (maiores de 85 anos) que, de facto, estão a ser bastante afectadas, de forma directa e indirecta, pela pandemia. 

Porém, independentemente da perigosidade da covid para grupos específicos (que devem ser protegidos de forma activa), não é aceitável que uma doença (que vitimou até agora perto de 3.000 pessoas em Portugal) acabe por ser responsável indirecta de um número de mortes muito superior. No caso dos maiores de 85 anos, o acréscimo até 9 de Novembro é de quase 6.700 óbitos, o que revela que se está a falhar em tudo o resto. 

Sabendo também que a mortalidade da covid está associado sobretudo à idade, observar que os acréscimos relativos de óbitos em 2020 (também até dia 9 de Novembro) nos grupos dos 55 aos 74 anos é superior ao que se regista no grupo dos 75-84 anos é também é revelador do falhanço (que já muito tenho falado) do SNS.

Fico por aqui, embora houvesse muito mais a acrescentar.

Fonte: SICO-eVM



4 comentários:

  1. Glup!! Seria interessante analisar gráfico idêntico (2014-2019/2020) com as mortes por doença pulmonar. Posso estar enganado mas julgo que poria a nu um nível de incompetência ainda superior.

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  2. Impressionante. Seria interessante ver um gráfico idêntico para as mortes por doença pulmonar (2014-2019 / 2020). Suspeito que o quadro se torna ainda mais tenebroso. O medo e a ignorância de mãos dadas são letais.

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  3. As previsões realmente estão a bater certo...

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  4. O sistema tem andado a linchar-me os comentários.
    Desejo-lhe estas semanas em Paz e com proveito para os seus estudos, para a sua profissão.
    Abraço,
    oliveira

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