domingo, 19 de julho de 2020

DO DRAMA DOS VELHINHOS QUE PODEM MORRER DESAMPARADOS DE TUDO MENOS DE COVID

A covid é e foi perigosa para os mais idosos. Mas, por amor dos vossos pais e avós, ou de vós mesmos: o SARS-CoV-2 não está, neste mês de Julho, a ser o principal perigo de vida para os mais idosos. 

Pode-se continuar a meter a cabeça na areia, mas o gráfico que vos ofereço agora, desta vez incidindo na faixa etária dos mais idosos, mostra duas coisas:

a) a covid nunca explicou todo o excesso de mortalidade registada mesmo em Março e Abril neste grupo etário;

b) em meados de Junho a situação da covid-19, como causa de morte neste grupo etário, esteve praticamente controlada. Porém, descontrolou-se com os novos casos em lares (e.g. Reguengos de Monsaraz e Loures). No entanto, a subida da mortalidade foi bastante pequena (quatro óbitos diários para o grupo dos 80 anos).

c) quando as temperaturas aumentam bastante, como foi em finais de Maio e agora especialmente em Julho, a mortalidade dispara neste grupo etário de forma abrupta e tenebrosa. Parece-me ser isto um sinal de grande fragilidade e vulnerabilidade da população idosa depois de tantos "confinamentos" e suspensões de assistência médica desde Março.

Conclusão: amanhã, prevejo, será mais um infeliz e trágico dia de "matadouro". E vai durar, para já, pelo menos até 4ªfeira.


Nota: Os dados da mortalidade por covid referem-se aos maiores de 80 anos (a DGS não indica para os maiores de 85 anos), pelo que o peso da covid neste grupo etário até surge inflacionado. Usaram-se as fontes oficiais indicadas no meu post desta tarde para os grupos etários a partir de 2014 (dados mais antigos).


DO RAIO-X À NOSSA DESGRAÇA EM UMA ÚNICA IMAGEM

Costuma-se dzer que uma imagem vale por mil palavras. 

O gráfico que vos apresento é essa "imagem", neste caso aquela que melhor consegui até agora (julgo) para transmitir estes tempos distópicos que vivemos sob a batuta da covid. 

O gráfico que vos apresento é essa "imagem", neste caso aquela que melhor consegui até agora (julgo) para transmitir estes tempos distópicos que vivemos sob a batuta da covid. O SARS-CoV-2 é, efectivamente, perigoso e letal (sobretudo para os mais idosos), mas a gestão política (e técnica) da pandemia tem sido mais mortífera. Infelizmente, na minha opinião, alicerçada por factos, as opções de política de saúde (health policy, não confundir, portanto, com questões político-ideológicas), incluindo decisões, inacções e omissões, estão a ajudar a levar à tumba mais pessoas do que a covid-19.

Ora, mas que mostra o gráfico? Mostra, ao longo dos meses de 2020 e até ontem, a evolução do excesso de óbitos (e em dois pequenos períodos, em Janeiro e Fevereiro, uma redução favorável, devido a rápido desaparecimento do habitual surto gripal deste ano) em relação à média (mortalidade expectável), calculada para o período 2009-2019.

Parece-me ser de fácil interpretação, mas dou-vos a minha:

a) estamos em Julho, agora mesmo, no presente, a viver a crise de mortalidade de mortalidade mais grave deste ano, pavorosa mesmo, que é bem superior ao pico da pandemia em Abril. O excesso de mortalidade chegou ontem aos 105 óbitos (em Abril, o pico rondou os 80, sendo que cerca de 30 óbitos eram de covid; agora a média de óbitos por covid é de apenas 4!), "ajudado" pelo tempo quente (que eu já avisara há dias poder vir a provocar mortalidade elevada, devido sobretudo à maior fragilidade da população vulnerável e à pouca relevância que o SNS sempre botou a estes eventos meteorológicos; notem porém que nem sequer estamos ainda em fase de onda de calor do ponto de vista meteorológico, estando as temperaturas da última semana muito aquém da situação vivida em Julho de 2013 e Agosto de 2018).

b) a subida recente do excesso de mortalidade tem uma inclinação pavorosa, fruto de sete dias contínuos de mortalidade bem acima dos 300 óbitos. A média móvel de cinco dias tem sido largamente superior a 300 óbitos há 11 dias consecutivos (a média no período 2009-2019 varia entre os 260 e 270 óbitos por dia). Ontem, dia 18, fixou-se nos 364 óbitos. 

c) O impacte directo do SARS-CoV-2 (através da mortalidade por covid-19) foi importante na segunda quinzena e relevante em Abril), mas nunca conseguiu "explicar "o excesso de mortalidade que se "instarou" em Portugal desde Março. Têm sido colocadas hipóteses (a evidente fuga das urgências, com efeitos adversos na ocorrência de doenças súbitas fatais), mas parece-me existirem já factores “estruturais”: em finais de Maio (vejam o pico de excesso, que atingiu cerca de 60 óbitos) já tinha havido uma pequena onda de calor, denunciando uma grande vulnerabilidade na população mais idosa (sempre a mais vulnerável). Escrevi sobre isso na altura. Agora, essa vulnerabilidade espraia-se em todo o seu horror. E o pior ainda pode suceder.

d) por fim, o Governo e o SNS andam supostamente preocupados com um novo surto de covid-19 no Inverno. Podem e devem pensar nisso, mas temo que, se tivermos temperaturas acima de 35 graus durante muitos dias seguidos neste Verão, vamos assistir, muito antes disso, a uma hecatombe jamais vista em Portugal. Tudo por causa do medo, da ânsia, do desacompanhamento físico e emocional dos mais idosos e vulneráveis, do adiamento de consultas, diagnósticos, exames e cirurgias, do tempo quente, e sobretudo por causa de um SNS e de um Governo incapazes de ver a política sanitária sem as deturpadas “lentes da covid”. No fim, culparão eles, o SARS-CoV-2, que pode ser microscópico mas tem as costas largas. Podem sair ilibados; mas as mortes, essas, as desnecessárias, as excessivas, essas ninguém as vai “lavar”.

Nota 1: Para a elaboração dos gráficos usaram-se os dados do SICO da DGS (https://evm.min-saude.pt/#shiny-tab-a_total), os dados dos boletins diários da DGS (desde Março até hoje, vd. aqui: https://covid19.min-saude.pt/relatorio-de-situacao/). Para atenuar variações bruscas diárias utilizou-se a média móvel de cinco dias tanto para a mortalidade total diária de 2020 como para a média (2009-2019) e também para a mortalidade por covid-19. O excesso (ou redução favorável) foi calculado diariamente, subtraindo o valor de 2020 à média do período 2009-2019. Note-se que este exercício deve ser visto sobretudo como indicador de variação na evolução da mortalidade ao longo de 2020. Sendo certo que não se usaram intervalos de confiança (que poderiam atenuar ou agravar a evolução, dependendo de se olhar para o limite superior ou inferior do intervalo), também não se considerou (por não ter acesso aos dados) a redução da mortalidade por outras doenças infecciosas do foro respiratório (observou-se sim uma forte redução de episódios deste tipo de doenças, como pneumonias e bronquites, desde Março, em virtude do distanciamento social, o que terá causado uma redução da mortalidade por esta via).


sexta-feira, 17 de julho de 2020

DO SOL VS. SARS-COV-2: HISTÓRIA DE UMA TRISTE ABADA

Vamos a contas: em três dias (14, 15 e 16 de Julho), o imprevisível e desconhecido SARS-CoV-2 matou 14 pessoas; o conhecido e previsível Sol terá matado 304 pessoas (com um intervalo de confiança, a 95%, entre 275 óbitos e 333 óbitos).

Significa assim que a covid-19 terá sido responsável por 1,3% das mortes nestes três dias; as afecções associadas ao tempo quente (ainda nem é uma onda de calor) contribuíram com 28,3% dos óbitos, e as restantes causas com 70,4%. Resumo: o tempo quente, para quem a DGS aconselha água e fresco, matou, em apenas três dias, 21 vezes mais pessoas do que a covid no mesmo período. Eu avisei há dias que a "coisa" (tempo quente) não seria meiga.

Não consta que a DGS tenha feito nenhum balanço sobre esta matéria nem dito o que fez para atenuar os efeitos.


DO ESTADO DE SÍTIO

Hoje, tópicos telegráficos e uma pergunta final:

a) na primeira quinzena de Julho de 2020, morreram 2.034 idosos com mais de 85 anos.

b) durante este período, morrreram 65 idosos com mais de 80 anos por covid-19

c) mesmo assumindo que todos tinham mais de 85 anos, significa que a covid foi a causa, neste período,de 3,2% do total

c) a média de óbitos deste grupo etário no período 2014-2019 foi de 1.481 óbitos.

d) o total de óbitos deste grupo etário em 2020, excluindo a covid, foi de 33,0% em relação à média, e de

d) o número mínimo de óbitos neste período foi de 1969.

e) excluindo a covid, o acréscimo de óbitos totais em 2020, neste período, foi de 20,3% em relação ao segundo ano mais mortífero no período em análise (2019).

Pergunta: a covid-19 está a ser, neste momento, o maior problema de saúde (de vida e de morte) para os mais idosos?


quinta-feira, 16 de julho de 2020

O AÇOUGUE DE VELHOS, DE SEU NOME PORTUGAL

Desculpem-me o título; não é desrespeito, é irritação. Diziam-nos que ia tudo e iam todos ficar bem. Que o sacrifício valia a pena. Pois sim. Muitos dos idosos que acreditaram que as suas vidas eram importantes, já se finaram. Não de covid, mas de outras "coisas" que deixaram de ter importância para o SNS.

Isto agora acho que só vai com "bonecos", mesmo se fruto de análises.O gráfico mostra a mortalidade diária dos maiores de 85 anos deste mês de Julho,separando as mortes por "coisas" que já não interessam das mortes por covid. Notem que as mortes diárias por covid até estarão exageradas, porque a DGS faz o favor de usar grupos etários diferentes no SICO e nos boletins da covid (para confundir). Observem o " peso" da covid, mas sobretudo comparem as barras (com as duas cores) e a linha (que marca a média para cada dia no período 2009-2019). Era expectável morrerem cerca de 100 idosos por dia; vejam onde a coisa anda. O excesso de mortes é de quê? Não se sabe. É de "coisas" que agora não interessam, dirá a DGS e o Governo, e muitos que parecem ver a covid como a única doença que nos torna mortais.

Portanto, continuemos, candidamente, a tratar da covid, e a deixar tudo o resto destroçar-se: o SNS, a Saúde Pública, a Economia, as nossas vidas. E não culpem o SARS-CoV-2, que esse está a borrifar-se.


DAS PRIORIDADES

No dia 14 de Julho morreram 8 pessoas por covid-19. E morreram também 386 pessoas por outras doenças... Muito bem, digníssimos especialistas, suas sumidades da DGS e excelentíssimos membros do Governo, continuem a discutir a colocação de máscaras em crianças de seis anos. Está tudo bem com o resto.. Ah, e está também um calor de ananases, não é? Pois, se calhar vai matar mais do que um mês de covid. É pena, não é?


quarta-feira, 15 de julho de 2020

DA COVID QUE NOS CONSOME

Este gráfico deveria servir de reflexão, embora não tenha grandes esperanças de que tal suceda. Recorri ao dados da Mortalidade em Portugal (vd. link em baixo), considerando os óbitos por doenças infecciosas do foro respiratório (de acordo com os códigos do International Classification Diseases) para os meses de Março a Junho dos anos de 2014-2018 (não estão disponíveis os dados de 2019 e deste ano, infelizmente), e confrontei com os óbitos da covid-19. E não, não pretendo ser negacionista da gravidade da covid para os mais idodos. Mas este simples exercício, que deveria ser feito com maior rigor por investigadores da área da medicina, e com dados deste ano, deveria fazer-nos pensar em três coisas:

a) comparando com as habituais doenças infecto-contagiosas (gripes, pneumonias e bronquites de origem viral ou bacteriana), a covid-19 nunca atingiu em Portugal um cenário catastrófico. Mostra mesmo uma clara tendência descrescente, de sorte que se mostra menos mortífera do que as outras doenças infecciosas do foro respiratório em período homólogo (a única excepção foi Abril).

b) como aqui já referi hoje, com competente (e oficial) gráfico, a quantidade de infecções do foro respiratório tiveram uma descida abrupta desde Março, à boleia do confinamento e do distanciamento social por causa da covid-19. Significa isto que, provavelmente, os óbitos por essas doenças (gripes, pneumonias e bronquites), que atingiam números muito relevantes mesmo em Maio e Junho( terão tido uma descida também muito significativa neste ano de 2020 (a DGS tem dados para saber isso; convinha divulgá-los).

c) Porém, apesar dessa "poupança" de vidas, e do número já não muito relevante de mortes por covid-19, a mortalidade total está muito, muito acima da média. Ou seja, estamos a pagar bem caro a pandemia: não por causa da doença em si mas como como o Governo e DGS andam a gerir o nosso Sistema Nacional de Saúde. O desastre em termos de Saúde Pública, acreditem, já não está no SARS-CoV-2.


DO ENIGMA DO AUMENTO DAS MORTES EM BONS ARES

Desde que há registos automáticos (a partir de 2016), nunca houve tão poucas doenças respiratórias na Primavera e Verão, fruto do distanciamento social imposto pelo SARS-CoV.

Analisando os dados da Monitorização da Gripe e de Outras Infecções Respiratórias da DGS, desde Março deste ano registou-se uma queda acentuadíssima deste tipo de afecções, o que levou, obviamente, a menor quantidade de internamentos e, claro, de mortes. Vejam o primeiro gráfico que apresenta a variação ao longo dos meses, tanto nas gripes como em outras infecções respiratórias. Não é, aliás, surpresa para ninguém que o Inverno tem os valores máximos (tanto para a gripe como para as outras afecções), mas na Primavera e no Verão essas doenças não desaparecem nunca de todo (mesmo a gripe).

Porém, o mais surpeendente é que, apesar de tudo isto, está a morrer-se muito mais. Apenas a título de exemplo, no dia 14 de Julho de 2019 (ou seja, fez ontem um ano) registaram-se 39 episódios de gripe, 977 episódios de outras infecções respiratórias e, globalmente, morreram 254 pessoas.

Ontem, ano da desgraça de 2020, apesar de se registarem apenas 10 episódios gripais (-75% em relação a 2019) e somente 235 episódios de outras infecções respiratórias (-76% em relação a 2019), conforme podem ver no segundo gráfico, acabaram por morrer 378 pessoas (valores provisórios).

Significa isto que, mesmo com a covid-19, estão a ocorrer muito menos infecções respiratórias (que é uma das principais causas de morte), mas anda-se a morrer muito mais. Muito mais mesmo. Especulo assim, e permitam-se a ironia negra, para esconder a irritação: como o SNS não anda a dar conta do recado para as outras doenças, consolemo-nos pelo menos com o facto de o último fólego de muitas das vítimas deste abandono, que morrem de mil e outras coisas, algumas evitáveis, ser feito a plenos pulmões, bem sadios.



terça-feira, 14 de julho de 2020

DO MERCANTILISMO DO MEDO ou DO MEU ESTADO DE IRRITAÇÃO PERANTE O ESTADO DO VALE TUDO PARA MANTER O PÂNICO

A sério: algum do jornalismo do Público (e falo do Público, porque sou leitor e assinante) começa a irritar-me solenemente. Um denominado "Depoimento Coronavírus", que relata longamente o «calvário» de um homem de 36 anos (jovem, lá está!), que esteve 20 dias nos cuidados intensivos por causa do covid-19, é um must do "novíssimo pânico-jornalismo"...

Eis o jornalismo que toma uma andorinha por uma revoada; um jovem por toda a população jovem. Generaliza-se assim o medo da morte para que não se possa viver sem pensar na morte. Faz-me lembrar a Igreja até finais do século XVIII: os padres falavam insistentemente na morte para incutir o medo; e assim fazer com que os crentes pagassem (missas e outras oferendas) pela salvação após a morte. Era (e agora é) o mercantilismo do medo.

Vamos lá a ser sérios: um jornal como o Público, que tem e teve tão bons jornalistas de investigação ao longo dos seus 30 anos, tem obrigação de dar aos leitores muito mais. Eu já me contentava, no caso em apreço, que o Público me dissesse (como leitor) qual a percentagem de casos positivos de pessoas com menos de 40 anos que chega aos cuidados intensivos... Só assim se pode aquilatar se estamos perante um caso sério... E digo-vos, o Público tem meios para conseguir saber isso e muito mais, mas infelizmente parece uma caixa de ressonância da informação oficial. Lamento dizer isto, mas é aquilo que sinto. Não há na informação do Público sobre a covid-19, nos últimops meses, um desvio sequer à informação oficial. Não há uma análise para além do que é facultado pela DGS. Népia. Nanja.

Para já, a única coisa que podemos saber, e não é pelo Público (sou eu que pego nos relatórios da DGS e ponho-me a fazer cálculos), é que a taxa de letalidade para os menores de 40 anos é de apenas 0,027% (cinco óbitos em 18.308 casos positivos). Se considerarmos as pessoas dessa faixa etária que morreram desde Março, a covid-19 é culpada por apenas 0,5% do total. Ah, já agora, cinco mortes de pessoas com menos de 40 anos significa 0,000117% da população portuguesa nesta faixa etária. Não me parece coisa de pandemia. Acho que suicídios de pessoas com menos de 40 anos terão sido mais do que isso. De acidentes rodoviários, idem.

Ah, e não me posso esquecer de um pormenor do «Depoimento Coronavírus». O depoente diz o seguinte, a muitas páginas tantas: «Perdi 15 quilogramas. Mudei um pouco a minha alimentação, porque ainda tenho de perder peso.». Se calhar, o pior perigo para a sua vida não foi o SARS-CoV-2; foi o excesso de peso.


DA TEMPESTADE PERFEITA PARA O DESASTRE

Temos hoje, por mil e uma razões, uma população martirizada, sobretudo a mais idosa, pela ânsia e pela carência de assistência de cuidados médicos, por via do adiamento de consultas, diagnósticos e cirurgias do nosso SNS (por opção política). A gestão da covid-19, temo, pode estar, neste Verão, a criar a tempestade perfeita para uma calamidade pública.

Fiz um mero exercício, que mostro no gráfico em baixo, que reflecte a evolução da mortalidade na onda de calor de 2013, entre 23 de Junho e 14 de Julho (barras vermelhas), que causou uma subida inusitada nos óbitos, sobretudo entre os dia 6 e 11 de Julho, quando as temperaturas superaram os 40 graus em grande parte do território. O pico ocorreu em 8 de Julho, com 498 óbitos, sensivelmente o dobro das mortes do que é expectável num dia normal de Verão (linha amarela). Meses mais tarde, a DGS estimaria que esta onda de calor causou um excesso de 1684 óbitos, afectando sobretudo os maiores de 75 anos.

Olhando agora para a evolução recente da mortalidade de 2020 (linha a negro), estamos numa situação singular, bastante perigosa. A mortalidade está bem acima da média, e temos uma população idosa muito debilitada depois deste meses de omnipresente covid. Com uma onda de calor agreste nas actuais circunstâncias, vamos ter indubitavelmente a mortalidade a disparar, E não será "só até aos 498 óbitos num dia, nem vai ficar por um excesso de mortalidade da ordem dos 1.500. Temo que venha a ser muito mais.

Não querendo ser alarmista, e pelas previsões meteorológicas dos próximos dias, julgo que estamos no momento em lançar um alerta lancinante. O Governo e a DGS vão ter de fazer muito mais do que sugerir que os idosos se ponham as fresco a beber água. Isso só não resulta. Precisamos de um plano de contingência. O sol é, neste momento, acreditem, muito mais perigoso que o SARS-CoV-2. E eu não quero vir, daqui a uma semana, dizer "olhem! vejam o que escrevi na semana passada".

Nota 1:
Link para o relatório da DGS sobre a onda de calor de 2003
https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/relatorio-da-onda-de-calor-de-2306-a-1407-de-2013-em-portugal-continental-pdf.aspx

Nota 2: Todos os dados que se utilizaram provêm do e-VM da DGS (https://evm.min-saude.pt/#shiny-tab-a_total). A média (linha amarela) é referente ao período 2009-2019, excluindo o ano de 2013, para retirar o efeito da onda de calor desse ano. A mortalidade diária de 2020 refere-se à média diária de 5 dias.


segunda-feira, 13 de julho de 2020

DA BALDA, DO DESCALABRO NOS LARES DE IDOSOS E DA IGNORÂNCIA POLÍTICA EM FAZER CONTAS

Parece que o Ministério da Saúde está «satisfeito» porque «só» há 153 lares de idosos, num total de 2.526, com casos positivos de covid-19. Ora, na verdade, isto é assustador! Por duas razões: 1) o valor é elevado; 2) a DGS nem parece aperceber-se que é elevado.

Se se fizer contas, isto significa que em Julho temos 6,06% dos lares com casos de contaminação. Extrapolando para os domicílios habituais (existem,segundo o INE, 5.954.548 alojamentos familiares), se houvesse também essa taxa de contami
nação de 6,06% no «exterior»,significaria a existência de 360.845 casos positivos na população geral, e isto assumindo apenas um caso por alojamento.

Ora, como felizmente, isso não sucede (desde Março temos 43 mil casos positivos), apenas se pode concluir uma coisa: os lares, onde estão as pessoas mais vulneráveis (os muito idosos, já com muitas morbilidades), continuam sem estar devidamente protegidos. E o Ministério da Saúde parece nem sequer ter consciência da gravidade da situação. Como tenho vindo a repetir, controle-se as contaminações nos lares e as mortes vão descer para valores próximos do zero.


domingo, 12 de julho de 2020

DA CRÓNICA DAS (MUITAS) MORTES ANUNCIADAS

Estou verdadeiramente "apavorado" com aquilo que se avizinha nos próximos dias, porquanto, como se sabe, as previsões meteorológicas indicam temperaturas muito elevadas...

Estive agora a rever a evolução da mortalidade total em 2020 nos mais idosos (acima dos 85 anos) e estou estupefacto com a tendência da última semana. Em 10 de Julho (último dia da análise), a mortalidade total neste grupo etário (média de 5 dias) era de 145 óbitos, quando a média (2014-2019) é de 99. Mas o mais impressionante é a subida "agreste" que se observa nos últimos dias, e que é mesmo mais "íngreme" do que durante o surto gripal e o pico da covid em Abril.

Se se confirmar mesmo a onda de calor, prevejo, e estou a medir as palavras, uma hecatombe nos idosos! Sobretudo se a DGS e o Governo continuarem entretidos com o alcóol gel dos estaleiros.


DA OUTRA PANDEMIA QUE NUNCA ACABA

Por favor, arranjem-nos um adulto para a sala: não podemos continuar neste fenesi de covid para aqui e covid para ali, e sempre a omnipresente covid, e continuar a assistir ao completo alheamento do Governo e da DGS ao resto daquilo que é o Serviço Nacional de Saúde, que caminha para o descalabro. 2020 ameaça ser um annus horribilis, mas não por causa da covid-19 mas pela gestão (política e técnica) da pandemia.

O excesso de mortalidade continua em alta, sem parar, e não é por causa do SARS-CoV-2. Continuamos bem acima da mortalidade média em Julho (e que conta com uma onda de calor em 2013 que fez duplicar os óbitos em alguns dias), e não, não é por causa da covid. Por exemplo, no dia 10, segundo os meus cálculos, o excesso de mortalidade (média móvel de 5 dias) estava nos 46 óbitos. E nesse dia morreram 8 pessoas por covid.

Desde o início da pandemia (16 de Março, e até 10 de Julho) morreram 37.372 pessoas, das quais 1.654 por covid (4,4% do total). A média (2009-2019) é de 32.806 óbitos. Se colocar aqui intervalos de confiança (a 95%) seria expectável, neste período, que os óbitos se situassem entre os 30.949 e os 34.663.

E enquanto isto, e enquanto diagnósticos, consultas, exames, cirurgias são adiadas, e enquanto os lares estão num descontrolo (a pedir intervenção do Ministério Público), a DGS anda preocupada com o alcóol gel nos estaleiros da construção civil... Deve ser para os pedreiros desinfectarem as luvas... Deve ser aí que está a solução para o excesso de mortalidade que "vivemos".


quinta-feira, 2 de julho de 2020

DO BRUTAL EFEITO DO DESNORTE, DA HISTERIA E DO MEDO

Na última semana e meia regressou a histeria, o medo e o desnorte por causa dos casos positivos na Grande Lisboa, apesar da maior preocupação, na minha opinião, ser do recrudescimento de contaminações em lares. Os meus próprios pais, que vivem no distrito de Aveiro (fustigado pela pandemia em Março e Abril) estão agora mais preocupados, algo incompreensível porque a situação actual muitíssimo menos grave.

Porém, se a covid-19 está matar menos, o desnorte, a histeria e o medo estão a substituí-la. Com efeito, Junho estava a ser um mês de regresso à normalidade em termos de mortalidade, como há dias até escrevi. Mas neste país sem política de Saúde Pública (que inclui gestão psicológica), tudo pode mudar repentinamente por via dos desnortes políticos. 

De facto, como pode observar no gráfico que apresento, em redor do dia 22 de Junho (quando a mortalidade em 2020 estava finalmente ao nível da média), começou a histeria na Grande Lisboa. Muito provavelmente por isso (não houve outro evento justificável, como ondas de calor), a mortalidade total disparou, como podem observar no gráfico em anexo. Só entre o dia 22 e 30 de Junho (média móvel de 5 dias), o excesso de óbitos em relação à média foi de 245 mortes, sendo que a covid-19 apenas justificou 39 mortes neste período. 

Tenho a certeza que um dia se farão estudos científicos sobre os efeitos do desnorte, do medo e da histeria em redor da pandemia, e provavelmente se concluirá que mataram mais do que o SARS-CoV-2. Mas isso não ressuscitará esses mortos.


terça-feira, 30 de junho de 2020

DO ANDAR A DORMIR NA FORMA

Ao longo destes meses de acompanhamento da covid-19 em Portugal, não páro de me admirar como tantos epidemiologistas, técnicos de saúde pública, investigadores, políticos e jornalistas não conseguem detectar situações atempadamente, e parecem sempre ser apanhados desprevenidos, tratando depois de arranjar justificações esdrúxulas e bodes expiatórios.

Eu, que não sou especialista em saúde pública, nem epidemiologista, sempre que me dou ao trabalho de olhar para os números (e sou só uma pessoa, com informação limitada, até porque a DGS se recusa a conceder-me acesso aos microdados anonimizados sobre a covid-19), descubro sempre que a Estatística "grita a plenos pulmões", sempre a tempo e horas, mas não há nunca nenhum responsável disponível a ouvi-la.

Isto apenas como intróito, ou lamento, sobre aquilo que o quadro, em anexo, mostra: a evolução do número médio diário de casos positivos por período desde Abril na Grande Lisboa.

Na primeira semana de Junho houve uma "explosão" de casos no concelho de Sintra, que passou para 63 por dia, quando na 2ª quinzena de Maio tivera apenas 20. Ninguém viu isto? Que intervenções da Saúde Pública houve?

Curiosamente, só na última semana (22-28 de Junho) se tem vindo a verificar um aumento nos concelhos de Cascais, Lisboa, Odivelas e Oeiras.