Vou fazer aqui uma análise “fria” e objectiva sobre os
efeitos da covid-19, enquadrados no período da Vigilância Epidemiológica que,
segundo INSA, decorre desde início de Outubro até finais de Maio, mas que
obviamente será encurtado para o dia 30 de Abril. Vou apresentar como se
estivesse a analisar uma epidemia de há 100 anos, ou como se fosse um
extra-terrestre perscrutando como os mortais terráqueos de um rectângulo de um
continente chamado Europa são eliminados por surtos epidemiológicos entre
meados de Outono e meados de Primavera. Esta análise, tenha essa esperança,
também poderá servir de resposta às pessoas que me têm contactado (tirando as
que por aqui e outros murais me têm insultado, as mais das vezes sem me lerem
ou saberem ler).
A análise segue os gráficos que apresento, usando médias
móveis de 5 dias (para atenuar variações bruscas diárias) da mortalidade TOTAL
por grupo etário, de acordo com os dados do SICO (DGS). O período em análise é
de 1 de Outubro no ano N até de Abril do ano N+1. Calculou-se a mortalidade por
grupo etário para o período 2019-2020 (Outubro-Abril) e para a média dos cinco
anos anteriores (2014-2015 a 2018-2019).
Tendo em consideração que calculei médias móveis, o primeiro
valor a surgir é o dia 5 de Outubro; e o último é dia 30 de Abril (embora,
devido à contagem, surja o 26 nos gráficos). Note-se um aspecto muito
importante: os meus comentários têm em consideração que existe uma mortalidade
basal (expecrável) e que as variações observadas neste período se devem fundamentalmente
aos surtos gripais e, a partir de Março desde ano, ao surto da covid-19 (e
efeitos adicionais).
POPULAÇÃO COM MAIS DE 85 ANOS
Identificam-se dois surtos epidemiológicos no período, sendo
que o primeiro, bastante longo, é um surto gripal, iniciado em meados de
Outubro, com um pico em meados de Janeiro, e que se estendeu ainda com níveis
elevados até se iniciar o segundo surto. O surto gripal foi ligeiramente mais
agressivo do que a média. Como sabido, o segundo surto, a codvi-19, provocou um
incremento da mortalidade, com pico pronunciado no início de Abril,
apresentando uma tendência decrescente a partir daí. No entanto, no final de
Abril, a mortalidade neste grupo etário ainda estava acima da média. Embora
seja ainda prematuro retirar conclusões, observa-se que, desde o repesctivo
pico, o surto da covid-19 registou um decréscimo mais abrupto do que o ocorrido
no surto gripal, em que a redução se verificou num período mais longo. Apesar
de não ter atingido o mesmo nível do pico do surto gripal, para este grupo
etário o surto da covid-19 terá causado uma mortalidade bastante superior, uma
vez que ocorreu num período do ano em que os óbitos são já normalmente menores
do que em Janeiro e Fevereiro.
Variação da mortalidade no surto da covid-19 (Março-Abril):
+ 18,9% (em relação à média)
Variação da mortalidade no surto gripal (Outubro-Fevereiro):
+ 1,7% (em relação à média)
Variação da mortalidade do período da Vigilância
Epidemiológica: + 6,3% (em relação à média)
Conclusão: Surto gripal com “agressividade” ligeiramente
acima da média. Efeito da covid evidente e muito forte.
POPULAÇÃO ENTRE 75 E 84 ANOS
Identificam, para este grupo, também dois surtos
epidemiológicos, mas o primeiro (surto gripal) bastante menos agressivo do que
habitualmente, causando uma mortalidade 8,7% inferior ao dos últimos cinco
anos. O surto de covid atingiu o ponto mais alto em finais de Março,
ligeiramente abaixo do pico do surto gripal de Janeiro, observando depois a
formação de um “planalto” até meados de Abril, descendo a partir daí. Os óbitos
em final de Abril ainda se encontravam ligeiramente acima da média.
Variação da mortalidade no surto da covid-19 (Março-Abril):
+ 6,9% (em relação à média)
Variação da mortalidade no surto gripal (Outubro-Fevereiro):
- 8,6% (em relação à média)
Variação da mortalidade do período da Vigilância
Epidemiológica: - 4,5% (em relação à média)
Conclusão: Surto gripal de baixa “agressividade”, causando
mortalidade abaixo da média. Efeito da covid evidente, mas menos forte do que
para a faixa etária dos maiores de 85 anos. Em termos globais, a mortalidade
para este grupo etária no decurso da actual Vigilância Epidemiológica está
abaixo da média.
POPULAÇÃO ENTRE 65 E 74 ANOS
O surto gripal para este grupo etário, em termos de
mortalidade, foi menos evidente, embora com uma subida mais patente na segunda
quinzena de Janeiro. No entanto, o surto gripal terá contribuído para um
ligeiro aumento da mortalidade entre Outubro e Fevereiro relativamente à média.
O surto da covid terá causado, directa e indirectamente, um novo acréscimo da
mortalidade, que chegou a ser um pouco mais intenso do que para a faixa dos 75
aos 84 anos, o que pode indiciar ter existido outro tipo de afecções a
contribuir para esse fenómeno.
Variação da mortalidade no surto da covid-19 (Março-Abril):
+ 9,5% (em relação à média)
Variação da mortalidade no surto gripal (Outubro-Fevereiro):
+ 1,3% (em relação à média)
Variação da mortalidade do período da Vigilância
Epidemiológica: +3,4% (em relação à média)
Conclusão: surto gripal em linha com os anos médios. O surto
de covid-19 causou um acréscimo relativo superior à da faixa etária de 65-74
anos, embora, obviamente, em menor número absoluto. Em todo o caso, a covid-19
não parece ter atingido especial virulência nesta faixa etária.
POPULAÇÃO ENTRE 55 E 64 ANOS
Não se mostra possível identificar que o surto gripal desta
época tenha atingido particularmente este grupo etária, em linha com o que
sucede em anos anteriores. A mortalidade entre Outubro e Fevereiro foi
praticamente semelhante à média (-0,3%). O surto da covid é visível ao longo do
mês de Abril, mas em termos absolutos causando, no máximo, oito óbitos amais
num dia no pico. Os meses de Março e Abril registam, para este grupo etário,
ligeiro aumento em relação à média (+3,8), mas nunca atingindo um número de
óbitos anormalmente elevado.
Variação da mortalidade no surto da covid-19 (Março-Abril):
+ 3,8% (em relação à média)
Variação da mortalidade no surto gripal (Outubro-Fevereiro):
- 0,3% (em relação à média)
Variação da mortalidade do período da Vigilância Epidemiológica:
+ 0,7% (em relação à média)
Conclusão: Ponderado o ligeiro decréscimo da mortalidade no
surto gripal com um acréscimo de óbitos no decurso do surto de covid-19, o
balanço para este grupo etário do período de Vigilância Epidemiológica está em
linha com a média (apenas mais 0,7%).
POPULAÇÃO ENTRE 45 E 54 ANOS
O surto gripa, como habitualmente, não afecta com qualquer
relevância este grupo etário, tendo-se mesmo assim registado entre Outubro e
Fevereiro um decréscimo de 9,0% em relação à média. Nos meses de Março e Abril,
em pleno surto da covid-19, a mortalidade neste grupo desceu também em relação
à média (-4,9%). Em termos globais, para este grupo etário, o período temporal
abrangido pela actual Vigilância Epidemiológica tem sido particularmente pouco
mortífero.
Variação da mortalidade no surto da covid-19 (Março-Abril):
- 4,9% (em relação à média)
Variação da mortalidade no surto gripal (Outubro-Fevereiro):
- 9,0% (em relação à média)
Variação da mortalidade do período da Vigilância
Epidemiológica: - 7,8% (em relação à média)
Conclusão: Surto gripal sem relevância. Surto de covid-9 sem
relevância, o que tendo em consideração que houve uma redução significativa
numa época do ano com menor mortalidade significa que o confinamento trouxe uma
redução no número de óbitos para este grupo etário.
POPULAÇÃO COM MENOS DE 45 ANOS
Situação similar em tudo à análise para o grupo etário
anterior, registando-se apenas maiores valores de redução da mortalidade para o
período do surto gripal e da covid-19.
Variação da mortalidade no surto da covid-19 (Março-Abril):
- 6,5% (em relação à média)
Variação da mortalidade no surto gripal (Outubro-Fevereiro):
- 10,7% (em relação à média)
Variação da mortalidade do período da Vigilância
Epidemiológica: - 9,6% (em relação à média)
Conclusão: Surto gripal sem relevância. Surto de covid-9 sem
relevância.