domingo, 7 de junho de 2020

DO PAÍS DO FAZ DE CONTA, DE SEU NOME PORTUGAL

Há dias, o ministro Santos Silva, com aquele seu conhecido ar, escandalizou-se por Espanha ter anunciado que iria reabrir as suas fronteiras com França e Portugal em 22 de Junho.

Obviamente que a situação espanhola foi muito, mas foi mesmo muito pior do que a nossa. Porém, reparem: usei o pretérito perfeito do verbo ser. Foi. Mas já não é. E, na altura de se abrirem fronteiras, isso é que conta.

De facto, olhando para a evolução dos dois países no último mês, acho decisão temerária do Governo de Espanha.

Basta comparar a evolução da mortalidade por covid nos dois países no último mês: entre 8 de Maio e 6 de Junho, Portugal registou 36 óbitos por milhão de habitantes contra 14 óbitos por milhão de habitantes em Espanha. As comunidades de Castela e La Rioja ainda estão se destacam, mas as restantes (algumas que estiveram bastante mal), estão muito melhor do que as nossas regiões Norte (45 óbitos por milhão) e Lisboa e Vale do Tejo (44). Esta ideia de sermos um milagre europeu só engana, porque, enfim, temos uma imprensa acrítica que alimenta o suposto milagre lusitano.

Nota: O gráfico mostra os óbitos por milhão de habitantes. Os dados da mortalidade em Portugal são da DGS; os de Espanha do Ministerio da Sanidad relativos ao período de 8 de Maio a 6 de Junho. Para o cálculo deste indicador utilizarm-se as estimativas para cada região (portuguesa e espanola) dos respectivos Institutos Nacionais de Estatística.



sábado, 6 de junho de 2020

DO MEDO E DAS CONSEQUÊNCIAS LETAIS

A crescente onda de histérica preocupação em redor do aumento de casos positivos de covid-19 - e que teve, como consequência política a irresponsável decisão de suspender consultas ditas não urgentes na região de Lisboa - só pode dar para o torto. E não por causa do SARS-CoV-2.

Vamos ser claros: sabemos que o coronavírus não vai desaperecer completamente, mesmo se sensível ao tempo quente e raios UV. Nem as gripes desaparecem por completo no Verão. Aqulo que nos deve preocupar é o controlo dos mais idosos e, particularmente dos maioers de 80 anos.

A obsessão de se querer salvar toda a gente da covid-19, além de uma quimera, pode desencadear mais mortes do que aquelas que potencialmente se salva do vírus por uma copncentração desmesurada de meios humanos, técnicos e financeiros.

Fiz umas estimativas, que apresento no quadro em baixo, para perceber o impacte futuro deste aumento de casos positivos, tendo em conta as diferentes taxa de letalidade (óbitor por casos positivos) por faixa etária e os casos positivos nas duas últimas semanas por faixa etária.

Ora, o aumento dos casos tem incidido, nas últimas duas semanas, na faixa dos mais novos, sobretudo entre os 20 e 40 anos. Nas últimas duas semanas, o número de casos positivos nos maiores de 80 anos foi de apenas 16 por dia, muito longe dos 127 casos por dia na primeira quinzena de Abril, em pleno confinamento, diga-se.
Ora, se os casos da primeira quinzena de Abril resultaram num desfecho trágico de 27 mortes por dia (127*21,32%), no caso actual será expectável que tenhamos, para este nível de casos, apenas três óbitos. Fazendo os cálculos para todos os grupos etários, será expectável, num futuro próximo, termos 6 mortes diárias por covid-19... São estes os valores que temos de ter em consideração quando se fazem opções políticas e se continua a suspender exames, consultas e cirurgias... E a manter o stress e o medo de idas aos hospitais. Acho que isso anda a matar muito mais do que seis pessoas por dia. Basta ver o excedente de mortalidade que temos vindo a assistir. Na política, como na vida, têm de se tomar opções que não são o óptimo (zero mortes), mas o segundo óptimo. Lembremo-nos do adágio popular: quem tudo quer, tudo perde. Que no caso da covid, significa: quem quer salvar toda a gente do SARS-CoV-2 arrisca-se a perder muito mais por outras doenças.

DA REFLEXÃO SOBRE O DESEMPENHO PORTUGUÊS

Eu, que sou ideologicamente de esquerda, tenho-me sentido extremamente incomodado por ver apenas pessoas da área da direita a não "embandeirarem em arco" com o desempenho do Governo português no combate à pandemia e seus efeitos. Pior ainda, se venho dizer que o rei, embora não nu, anda algo mal-vestido, saltam-me logo em cima alguns "alfaiates" do regime, alguns mais papistas do que o papa, e tenho alguns amigos/as que olimpicamente me ignoram. Ossos do ofício, paciência.

Na imprensa então, nem ser fala. Não há uma crítica. É um amen absoluto. Opinadores elogiam a acção governamental porque sim. Há jornais que, pela sua ausência de análise crítica ao Governo vão pagar caro. Não aprendem com os erros do passado, que os levou à perda paulatina de leitores (não é só a Internet). Quando estou a falar em análise critica, não estou a dizer que se critique o Governo; estou sim a dizer que a imprensa deve fazer análises com sentido crítico para, em seguida, concluir algo... favorável ou desfavorável.

Sinceramente, gostava que se encontrassem critérios para se avaliar. Nem falo já no excesso de mortes por afecções não-covid, num claro sinal de que o SNS não tem sabido dar resposta à situação actual. E isto eu não consigo compreender porque a imprensa em geral não questiona a DGS e o Governo. Ainda há pouco mais de uma semana a pequena onda de calor fez subir a mortalidade e não se ouviu uma pegunt sobre esta matéria. Salvar vidas não é só salvar as pessoas de morrerem de covid. Mostrar serviço, não é só controlar o número de mortes por covid.

Falo, pois, de critérios de avaliação, objectivos e comparativos. Bem sei que as pessoas estão aliviadas por não termos tido a mortandade de Espanha, nem andarmos no absurdo caos brasileiro. Mas não estamos em nenhuma situação milagrosa, e os próximos tempos vão ser dramáticos para uma franja muito grande da população por causa do colapso económico que, sendo já evidente, temo que venha a ser catastrófico se não se abrir a actividade para o "antigo normal".

Deixo-vos apenas, para reflexão, dois indicadores para se comparar objectivamente Portugal no seu quadro regional a nível mundial: Dentro dos países da UE-27, em termos de mortes covid por milhão habitantes, estamos na 9ª pior posição, com 144 óbitos, apenas atrás da Bélgica (827), Espanha (580), Itália (559), Suécia (460), França (446), Holanda (351), Irlanda (338) e Luxemburgo (176). Isto não inclui o excesso de mortes não-covid.

Em termos de evolução económica, comparando o último trimestre de 2019 com o 1º trimestre de 2020 (e a procissão ainda vai no adro), Portugal registou a 8ª pior prestação, com uma queda do PIB de 2,66%, estando atrás da Espanha (-5,4%), Itália (-5,2%), França (-4,4%), Eslovénia (-4,2%), Bélgica (-4,0%), Estónia (-3,9%) e Grécia (-2,71%). Nem todos tiveram reduções, diga-se. Seis países registaram aumento do PIB, a saber: Irlanda (+1,5%), Polónia (+1,2%), Bulgária e Hungria (ambos, + 0,5%), Suécia (+0,4%) e Chipre (+0,2%).

sexta-feira, 5 de junho de 2020

DA AVALIAÇÃO DO CONFINAMENTO - A PROVA DOS 9

A Direcção-Geral da Saúde (DGS) continua sem me conceder acesso à base de dados sobre a vigilância da covid-19, mas isso não me impediu (quando era jornalistas sofri bloqueios similares) de fazer análises, mesmo que com muito mais trabalho. Hoje apresento uma parte de uma análise (a parte integral incluirei num trabalho de uma UC do doutoramento no ISCTE) sobre os efeitos do confinamento e desconfinamento, tendo em contas as seguintes datas, que surgem nos gráfios em baixo:

A - Declaração do Estado de Emergência (EE) com confinamento (18 de Março)
B - Segunda declaração do EE (2 de Abril)
C - Terceira declaração do EE (17 de Abril)
D - Primeira fase do desconfinamento e Estado de Calamidade (EC) - 4 de Maio
E - Segunda fase do desconfinamento e prorrogação do EC - 18 de Maio 
F - Terceira fase do desconfinamento e segunda prorrogação do EC - 1 de Junho

Apresento apenas três gráficos. O primeiro mostra a evolução da mortalidade diária (média móvel de 7 dias) apenas a partir do dia 30 de Março (apenas a partir de 24 de Março a DGS começou a discriminar os óbitos por grupos decenais). Como se mostra visível, a faixa dos maiores de 80 anos é o grupo mais sensível, representando ao longo do tempo uma fatia de cerca de 67%, ou seja, cerca de dois em cada três óbitos são de idosos desta faixa etária Saliente-se que, por norma (e sem covid-19), em termos de mortalidade total cerca de 40% dos óbitos são de pessoas com mais de 80 anos. Conclui-se facilmente que a protecção dos idosos é a "chave-mesta" para evitar mortalidades elevadas.

O segundo gráfico mostra a variação dos casos positivos nos maiores de 80 anos, porque foi aqui que mais se falhou. Com efeito, mostra-se por demais evidente que as medidas de confinamento não deram resultado para este grupo dos mais idosos, durante longas semanas: o pico foi atingido apenas no dia 11 de Abril (com 159 casos positivos), ou seja, 24 dias após o primeiro confinamento. Para se ter um termo de comparação, deixo aqui os picos de casos positivos e a data para os outros grupos etários:

0-9 anos - 11 de Abril (17 casos positivos) - apresento o gráfico para se evidenciar a diferença.
10-19 anos - 22 de Abril (25 casos)
20-29 anos - 23 de Abril (85 casos)
30-39 anos - 2 de Abril (115 casos) 
40-49 anos - 2 de Abril (144 casos)
50-59 anos - 2 de Abril (144 casos) - Nota: esta faixa etária foi muito similar à anterior
60-69 anos - 1 de Abril (106 casos)
70-79 anos - 1 de Abril (82 casos)

E é tudo por agora.




quinta-feira, 4 de junho de 2020

DO TENHAM MUITAAAAA MÉDDDDOOOOOOO!!!!

Tem andado por aí, incluindo na Visão online, um gráfico dinâmico, onde se vê a evolução da mortalidade por covid-19 ao longo dos meses, vendo-se a dita doença a ultrapassar uma série de causas de mortes até estancar no topo! 

Uma aldrabice, porque não estão incluídas as principais causas de morte.

Com efeito, seguindo as estimativas do Worldometer, terão morrido este ano cerca de 25 milhões de pessoas pelas mais diversas causas. Destas, cerca de 389 mil foram por covid-19. Fazendo contas simples, que se aprendem na escola primária, a covid-19 não chega a atingir 1,6% das mortes este ano. A situação causada pela SARS-CoV-2 pode ser grave - e é para os idosos -, mas... que merda de gráfico é este? E que raio de papel anda a fazer a comunicação social?


DA NOVA PERSPECTIVA

Este gráfico - que mostra, para a média móvel de 5 dias, a diferença entre os óbitos verificados este ano (até 2 de Junho) e a média do período 2009-2019 - evidencia dois problemas, um já conhecido e o outros desconhecido, mas ambos ignorados:

1- A covid-19, apesar de ter causado 1.455 vítimas (a maioria idosa), não tem sido o maior problema de saúde pública. Como se pode observar, a área entre a linha amarela e vermelha representa o excesso de mortalidade não-covid a partir da segunda semana de Março, e essa área foi sempre muito superior à área entre o eixo da data (X) e a linha amarela, que representam os óbitos por covid-19.

2 - A pequena onda de calor da última semana de Maio causou um incremento da mortalidade, como também se observa no gráfico, com a subida abrupta da linha vermelha, estando a amarela estabilizada. Esta situação (que atingiu sobretudo a população mais idosa) é preocupante para o Verão que se anuncia. Se se verificarem novas ondas de calor (e com temperaturas ainda mais extremas), a situação pode ser terrível face à "fragilidade" de uma parte sensível da população que viu a assistência médica ser "suspensa" durante a pandemia.

Conclusão: a preocupação exclusiva pela covid-19 por parte da DGS já cansa, chateia e é contraproducente. Morrer de outras afecções, nesta altura, é incomensuravelmente superior à de morrer de covid. É altura de pôr o SNS a funcionar a todo o gás, e com meios reforçado para compensar os adiamentos e tempos perdidos.

Noia 1: A linha vermelha abaixo do eixo do X antes de Março significa que a mortalidade estava então abaixo da média, porque o surto gripal estava a ser menos intenso do que habitualmente. A subida da mortalidade antes mesmo da primeira morte oficial por covid indica que já haveriam vítimas não detectadas.


segunda-feira, 1 de junho de 2020

DO ABSURDO DE UM ESFORÇO INGLÓRIO

O esforço que toda a sociedade fez nos últimos meses teve, entre outros objectivos, um muito nobre: proteger os mais idosos, aqueles que, sabia-se, eram os mais vulneráveis. O esforço permitiu que os óbitos dos mais idosos (acima dos 80 anos) se reduzisse de 561 em Abril para 277 em Maio. Face à redução do número de contaminados neste grupo (passou de 127 casos positivos por dia na 1ª quinzena de Abril para apenas 14 casos por dia na 2ª quinzena de Maio) é expectável que o número de mortes seja bastante reduzido nas próximas semanas. Alívio, não é? Valeu a pena, não foi?... Valeu, o c...
Apesar desta evolução em Maio, vejam como evoluiu a mortalidade da faixa dos 85 anos (o SICO usa outras classes). Em relação aos anos anteriores, o Maio de 2020 registou 4.910 óbitos nos idosos com mais de 85 anos. São 897 mortos a mais do que a média (2014-2019, anos disponíveis). Mais 436 mortos que em Maio do ano passado. Mais 1.328 mortos do que em Maio de 2014... E mesmo mais 287 mortos do que em Abril passado, o pico da pandemia da covid-19. O que aconteceu?
Várias coisas. Começa nos "adiamentos" e "suspensões " no SNS, que também mata nesta idades (e bem), e acaba com uma nos últimos dias: uma pequena onda de calor, que, sem se ouvir um ai, «limpou» mais uns quantos idosos, a atender ao crescimentoo inusitado da curva da mortalidade na última semana. Nos 10 derradeiros dias de Maio (22-31), contas feitas, morreram mais 300 pessoas deste grupo etário do que a média para esse período. Alguém ouviu um piu da DGS ou do Governo sobre isto?



DO SUICÍDIO NO TEMPO DO "VAMOS FICAR TODOS BEM"

Existe, há alguns anos, um "pacto de silêncio" na comunicação social (e concordo) em redor dos suicídios. Mas se o objectivo é evitar a propagação deste fenómeno por cópia (o chamado Efeito Werther, vindo do romance setecentista de Goethe), não pode ser ignorado como um risco suplementar nos tempos que correm, e sobretudo nos que correrão. Apesar deste "apagamento " mediático, os dados oficiais (SICO) mostram que o suicídio mata mais do que os acidentes rodoviários, os acidentes de trabalho e os homicídios - todos juntos!

Não sou médico, nem psiquiatra nem psicólogo, mas parece-me lógico antever que em períodos de crise económica haverá um maior risco de sucídio. Em 2014 e 2015, quando ainda a último crise  não nos abandonara, registaram-se 902 e 771 suicíduos, respectivamente. Nos anos seguintes, com a melhoria financeira, observou-se uma tendência de redução: 585 em 2016, 616 em 2017, 553 em 2018 e 495 em 2019. Este ano, até Abril, todos os meses tinham registado menos suicídios que o mês homólogo do ano anterior. Em Janeiro de 2020 contaram-se 39 (menos 9), em Fevereiro 38 (menos 7), em Março 42 (menos 8) e em Abril 34 (menos 6).

Mas eis que surge Maio!E tivémos então uma inversão. Ao longo dos 31 dias do mês que agora findou, registaram-se 56 suicídios, o valor mais elevado dos últimos 22 meses, e o terceiro mais elevado desde 2018. Pode ser um acaso (existem muito, porque são complexos os meandros que levam ao suicído), mas espero que este assunto não ignorado. Até porque é enganador pensar que "Vamos Todos Ficar Bem". Não vamos.




domingo, 31 de maio de 2020

DO ENTENDIMENTO (COMPLETO) DA PANDEMIA EM PORTUGAL

Hoje faço uma longa análise (preferia que fosse a DGS a fazer, pois eu não sou, nem me pagam para ser, autoridade de saúde) para uma melhor compreensão da evolução da pandemia da covid-19 em Portugal. Para mim foi bastante útil; espero que vos seja também, pois não vi, até agora, esta análise feita em mais lado algum (mesmo sendo simples).

Explico a metodologia, que explica os três elucidativos gráficos em baixo, para apurar a evolução desde Março. Pegando nos boletins diários da DGS, defini seis períodos temporais: primeira quinzena de Março (1QMar), segunda quinzena de Março (2QMar), primeira quinzena de Abril (1QAbr), segunda quinzena de Abril (2QAbr), primeira quinzena de Maio (1QMai) e segunda quinzena de Maio (2QMai). Para cada período, apurei o número de casos positivos e o número de óbitos, em função dos nove grupos etários determinados pela DGS, padronizando para uma média diária, visto que a segunda quinzena de Março teve 16 dias e a segunda quinzena de Maio só contabilizou 14 dias (últimos dados do dia 29). Reparem que a análise é feita período a período, e não acumulado, de sorte que, desta forma, se tem o retrato de cada quinzena, e da evolução sequencial das quinzenas. Deste modo, os resultados que se obtêm são extremamente interessantes e elucidativos. Comecemos pelo primeiro.

Através do número médio diário de casos positivos (apesar de ser apenas a ponta do icebergue) percebe-se de imediato que o grande problema esteve, até ao final da primeira quinzena de Abril, na elevada contaminação dos maiores de 80 anos, o que indiciará que o controlo das transmissões nos lares foi complicada e somente se conteve somente na segunda quinzena de Abril. Com efeito, na segunda quinzena de Março, que já contou com o confinamento de duas semanas (iniciado no dia 18), o grupo dos maiores de 80 anos estava apenas na 4ª posição em casos positivos (58 por dia), atrás dos grupos dos 40-49 anos (91 casos por dia), dos 50-59 anos (89 casos por dia) e dos 60-69 anos (69 casos por dia).


No final da primeira quinzena de Abril, com o confinamento a completar quase um mês, o grupo dos maiores de 80 anos passou a ser o mais contaminado, passando a registar, neste período, 127 casos positivos por dia, um crescimento de 120% comparativamente à quinzena anterior, ficando ligeiramente à frente dos grupos dos 50-59 anos (120 casos diários) e dos 40-49 anos (116 casos diários). Note-se que todos os grupos etários, em maior ou menor grau, registaram aumentos de contaminações diárias entre a segunda quinzena de Março e a primeira quinzena de Abril. Tendo em conta o período de incubação médio (e até o máximo) seria expectável que a primeira quinzena (já bem dentro do período de confinamento) tivesse menos casos do que a segunda quinzena de Março (que apanhou casos de transmissão anteriores ao confinamento). Nessa medida, o confinamento parece não ter sido completamente eficaz.

A segunda quinzena de Abril já evidenciou uma ligeira melhoria nos maiores de 80 anos (os mais vulneráveis), que neste período contabilizou 73 casos diários, mas mesmo assim continuou a ser o maior registo em comparação com os outros grupos, que também desceram consideravelmente.

Maio, felizmente, mostrou uma evolução muito mais favorável. Na primeira quinzena de Maio, os maiores de 80 anos tiveram apenas 27 casos positivos por dia, que contrasta com valores mais elevados, na casa dos 40 por dias, nos grupos etários que englobam os adultos entre os 20 e os 59 anos. A segunda quinzena ainda apresentou melhor resultados: os maiores de 80 anos apenas tiveram 14 casos positivos por dia, sensivelmente tanto como o grupo dos 70-79 anos.

Um outro dado curioso, apesar dos alertas dos últimos dias relativamente aos focos na Grande Lisboa: Maio – que engloba o desconfinamento no início desse mês e também a maior abertura à actividade económica e à movimentação das pessoas – apresenta menos casos positivos do que o mês de Abril (confinamento total). E a segunda quinzena de Maio (242 casos positivos por dia) até apresenta níveis de contaminação inferiores à primeira quinzena de Maio (255 casos). Por outro lado, curiosamente, os grupos mais jovens (crianças e jovens em idade escolar) registaram em Maio níveis de contaminação mais baixos do que em Abril, mesmo se naquele mês eram bastante baixos.

Em conclusão, o desconfinamento não evidencia a ocorrência de um agravamento nas contaminações; pelo contrário.

Quanto ao segundo gráfico, mostra o óbitos diários em cada quinzena por grupo etário. Neste caso, embora haja uma relação directa entre o número de casos positivos, convém alertar que não deve ser feita uma comparação directa entre os casos positivos e os óbitos no período, uma vez que uma parte substancial dos óbitos em determinado período são devidos a contaminação no(s) período(s) anterior(es). Em todo o caso, uma notória evidência, que já se sabia, mas que no gráfico se torna muitíssimo mais visível: em qualquer dos períodos, o grupo dos maiores de 80 anos é, com grande distância de todos os outros, com mais vítimas, tendo atingido o pico na primeira quinzena de Abril (quase 20 óbitos por dia), descendo para 18 por dia na segunda quinzena de Abril, e registando depois uma forte descida em Maio para os 8-9 óbitos diários. Face ao diferimento entre a data das contaminações e os desfechos fatais será expectável que o número de óbitos nesta faixa etária se mantenha ainda por mais cerca de um mês, mesmo se as novas contaminações estiverem aos níveis da segunda quinzena de Maio.


Outra evidência a partir deste segundo gráfico é a menor gravidade, em termos de desfechos fatais, para o grupo dos 70-79 anos, que tiveram o pico de óbitos também na primeira quinzena de Abril, mas muito mais baixo (cerca de 6 óbitos diários), rondando em Maio cerca de dois óbitos por dia.

Note-se que a menor gravidade da covid no grupo dos 70-79 anos face ao grupo dos maiores de 80 ainda é reforçada por serem um grupo mais abundante. Com efeito, de acordo com as estimativas do INE existem cerca de 965 mil pessoas com idades entre os 70 e 79 anos, enquanto os maiores de 80 anos são cerca de 661 mil. Para os restantes grupos etários, apenas para os adultos entre os 60 e 69 anos a covid teve algum grau de letalidade minimamente relevante, mas apenas com um pico de cerca de três óbitos diários na primeira quinzena de Abril, baixando para valores médios inferiores a um óbito nas quinzenas seguintes. Os outros grupos, como já se tem evidenciado, a probabilidade de morte por covid é extremamente baixa, muito menor do que morrer de acidente automóvel.

Por fim, o terceiro gráfico, mostra, para cada período (quinzena), a taxa de letalidade (óbitos por casos positivos), mas neste caso tendo em consideração os casos e os óbitos de todos os períodos anteriores. Deste modo, observa-se como tem este indicador evoluído, fazendo-se notar que o seu crescimento não advém de um aumento da perigosidade, mas sim, entre outros factores relacionados com a maior incidência de testes (e detecção de casos positivos), com o diferimento de muitos óbitos para a(s) quinzena(s) posterior(es) às contaminações. Com o tempo, a curva da letalidade tende a estabilizar-se, o que já começa a se evidenciar em alguns grupos etários. Este gráfico reforça assim a perigosidade da covid no grupo dos maiores de 80 anos (perto dos 20%) e da irrelevância da pandemia para os menores de 60 anos (excepção para casos muito pontuais).


Note-se, porém, que a taxa de letalidade deve ser interpretada com muita prudência, tendo em consideração que se refere ao número de óbitos por casos positivos, e não por contaminados. Por exemplo, na Espanha, os resultados de testes serológicos indicaram que 5% dos maiores de 80 anos tinham anticorpos da covid. Mesmo que em Portugal o SARS-CoV-2 tivesse contaminado apenas metade dessa percentagem (2,5%), significaria então que cerca de 165 mil idosos portugueses com mais de 80 anos tinham sido contaminados (0,025*165 mil), donde a taxa de mortalidade efectiva seria de 5,7% (face aos 936 óbitos até agora registados). Se consideramos uma taxa de contaminação de 2,5% para toda a população, então a taxa de mortalidade da covid baixaria para cerca de 0,5%.

Haveria mais conclusões a retirar, mas fico por aqui.

Bom dia. E boa sorte.

sábado, 30 de maio de 2020

DO NEGÓCIO DO PÂNICO

Isto chegou ao nível do abjecto... A Ética nunca foi tão flagelada! Portanto, está garantida a alimentação do pânico por mais uns tempos. O Correio da Manhã (e haverá outros nos próximos tempos) abriu um negócio de venda de máscaras. Não perca nos próximos dias mais notícias alarmantes do “seu” CM nas bancas. Ao lado das máscaras CM.


DA ANESTESIA

Vá, emprenhem pelos ouvidos a doce cantilena da Direcção-Geral da Saúde (DGS); vá, embalem-se com as notícias da nossa comunicação social, que até parece não ter ninguém que faça mais do que pegar num microfone, como seja o saber fazer mais do que uma "regra de três simples", ou mais do que contar pelos dedos; vá, continuem a achar que só se morre de covid-19, sendo essa uma morte gloriosa (ao contrário das outras), equivalente à dos "mártires da jihad", com direito a prebendas no paraíso... Enfim, seja como queiram...
Em todo o caso, a realidade é esta, a dos números, e aqui vai, a realidade, para quem quiser.
Vejam o primeiro gráfico. Na última quinzena, a mortalidade dos maiores de 85 anos "disparou", e não foi pouco e não foi à conta da covid-19. Nos últimos dias deve terá sido pelo calor (a DGS não recomenda ligar-se ares condicionados por causa da covid-19). A média móvel de 5 dias aponta, à data de ontem, para 36 mortos acima da média. O excesso de mortalidade desde o dia 15 até ao dia 29 de Maio é de 361 óbitos em relação ao valor expectável para esta época do ano (média dos últimos seis anos). Destes, apenas cerca de uma centena morreram de covid-19.
Vejam agora o segundo gráfico. Com a covid-19 supostamente controlada e nunca com cuidados intensivos sobrelotados, o mês de Maio de 2020 tem sido uma razia para os mais idosos, e a culpa não é, pelos dadis da DGS, da covid. Até ao dia 29 de Maio já morreram 3.820 pessoas deste grupo etário; quase 700 óbitos a mais do que a média. E a covid-19 matou muito menos de 150 pessoas deste grupo (na verdade, registaram-se 147 óbitos embora no grupo dos maiores de 80... a DGS não faz, julgo que propositadamente, coincidir as faixas etárias para dificultar análises).
E era só. Tenham um bom dia. E boa sorte.



sexta-feira, 29 de maio de 2020

DA INSUSTENTÁVEL OPACIDADE DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE

O presidente Marcelo Rebelo de Sousa garantiu-nos que ninguém iria mentir. Não prometeu, é certo, que ninguém iria esconder informação. Nem a omissão é, para os puristas, uma mentira.

Isto a pretexto do obscurantismo da Direcção-Geral da Saúde (DGS) em redor dos dados da covid-19. O Decreto nº 2-B/2020 referia, no seu artigo 39º, que seria disponibilizada "à comunidade científica e tecnológica portuguesa" os microdados anonimizados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica.

Mesmo sendo uma base de dados, que por lei constitui documentos administrativos não-nominativos, acessível a qualquer cidadão, como sou doutorando no ISCTE (e, aliás, já fiz um relatório académico sobre a covid-19), assumi modestamente integrar a "comunidade científica e tecnológica
 portuguesa". Portanto, pedi as credenciais de acesso à base de dados da DGS.

Pois bem, exigiram-me um documento do ISCTE sobre o estudo que iria fazer e ainda um parecer da Comissão de Ética da universidade. Não há nada no Decreto nº 2-B/2020 que exija tal, nem a lei geral e de acesso aos documento administrativos exige tal. E desconfio que a DGS se arrogue o direito de aceitar ou não os requerimentos. Por uma questão de princípio, não aceito que a Administração Pública (que é feita de pessoas que devem cumprir a lei) exijam aquilo que não consta na lei.

Solicitei à DGS, portanto, que o meu pedido fosse aceite ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos. Mais de duas semanas depois, não tenho resposta. Seguiu hoje queixa para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA). Devo ter um parecer daqui a uns meses, como habitualmente, mesmo se favorável... A Administração Pública, ainda mais em matérias sensíveis, continua igual, independentemente do Governo. Está na massa do sangue da Administração Pública a opacidade, a procrastinação, o medo de ver os cidadãos a olharem e pensarem com seus olhos e seus cérebros a realidade.

Nota: Transcrevo o art. 39º do Decreto nº 2-B/2020 de 2 de Abril:

Acesso a dados anonimizados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica para investigação científica

A Direção-Geral da Saúde disponibiliza à comunidade científica e tecnológica portuguesa o acesso a microdados de saúde pública relativos a doentes infetados pelo novo coronavírus SARS-CoV-2 e a pessoas com suspeita de COVID-19, devidamente anonimizados e sem possibilidade de identificação do respetivo titular, que se encontrem na posse da Direção-Geral da Saúde ou sob a sua responsabilidade

Nota: Transcrevo o art. 39º do Decreto nº 2-B/2020 de 2 de Abril:

Acesso a dados anonimizados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica para investigação científica
A Direção-Geral da Saúde disponibiliza à comunidade científica e tecnológica portuguesa o acesso a microdados de saúde pública relativos a doentes infetados pelo novo coronavírus SARS-CoV-2 e a pessoas com suspeita de COVID-19, devidamente anonimizados e sem possibilidade de identificação do respetivo titular, que se encontrem na posse da Direção-Geral da Saúde ou sob a sua responsabilidade.


DA COVID, O MENOR DOS MALES DOS MAIS IDOSOS


Continua a ser difícil fazer análises cruzadas com os dados da DGS, por as suas bases de dados usarem grupos etários distintos, mas vamos lá, mesmo com uma aproximação...
Todos sabemos já que a covid-19 é especialmente precupante para os mais idosos, sobretudo a partir dos 75 anos e, em especial, nos maiores de 85 anos. Segundo a DGS, já terão morrido, até ontem, 929 pessoas por covid com mais de 80 anos, representando 67% do total, i.e., duas em cada três vítimas da covid-19 são idosos com mais de 80 anos. Seria mais conveniente ter esse valor para os maiores de 85 anos,mas vamos admitir que todos estes tenham mais de 85 anos. Significa que a covid-19 vitima muito mais este grupo etário, tendo em conta que, segundo o INE, 40% das mortes por ano são de maiores de 85 anos.
No entanto, tenho também chamado aqui a atenção que se está a assistir a um excedente de mortes não-covid - i.e., óbitos acima do expectável, devido a patologias não-covid mas associadas em certa medida às lacunas da assistência médica no decurso da pandemia (e que tem sido abordado por estudos de investigadores na área da medicina). Ora, esse excedente de mortes está, obviamente, a incidir sobretudo sobre essa faixa dos mais idosos - e os meus apelos têm vindo a ser dirigidos nesse sentido. Ou seja, a covid-19 é importante, mas não é tudo. Não se pode investir tudo, com custos sociais enormes, para salvar idosos da covid para depois os deixar morrer por outras patologias nas semanas ou meses seguintes.
Para ilustrar qual tem sido o peso da covid-19 na mortalidade dos mais idosos deixo-vos o gráfico em baixo que constitui uma aproximação da realidade: mostra a contribuição da covid-19, em termos de percentagem, na totalidade das causas de morte, usando as média móveis de 5 dias.
Note-se que a análise peca por excesso, porque é a razão entre a mortalidade por covid-19 dos maiores de 80 anos em relação à mortalidade total dos maiores de 85 anos. Ou seja, o peso da covid-19 será ligeiramente menor do que o representado. Em todo o caso, a covid-19 nunca terá sido responsável por mais de 15% das mortes totais durante o mês de Abril, e actualmente representa menos de 6%. Ou seja, comecemos a olhar agora também para as outras patologias que nos "levam" 94 idosos em cada 100, mesmo se os outros 6 sejam perdas que nos devam preocupar.




DO CAOS BRASILEIRO E DO MILAGRE LUSITANO

Ninguém de bom juízo pode aprovar o destrambelhamento do Brasil sob a batuta do inenarrável Jair Bolsonaro. O caos já há muito ali se instalou, e nem a culpa é do SARS-CoV-2. Nos últimos dias têm morrido por covid ao ritmo de mil pessoas por dia. A tal ponto a situação é grave que o Brasil está quase a ultrapassar Portugal no número de mortes por milhão de habitantes: 126 contra 136... Ainda estão, portanto, atrás do “milagre lusitano”.


quinta-feira, 28 de maio de 2020

DAS NOTÍCIAS QUE NÃO INTERESSA DAR

Não costumo embandeirar na onda daqueles que criticam a comunicação social (até por ter sido jornalista), mas sinto que, cada vez mais, no tratamento da pandemia, a tentação é continuar a dar notícias que alimentem o pânico e justifiquem a "nova normalidade" imposta pelo Governo, que dá sempre um "bom" fluxo noticioso. Porém, há limites!

Reparei hoje que o Instituto Nacional de Estatística (INE), atenção, repito: o Instituto Nacional de Estatística, que é só a entidade oficial mais independente em relação a dados oficiais, fez uma análise divulgada no passado dia 22 de Maio. Só hoje a vi, e não me recordo que qualquer órgão de comunicação social tenha sequer abordado ao de leve algumas das suas conclusões a partir dessa análise.

E o que mais ressalta nessa análise do INE (e que eu chamaria para primeira página)? Isto: o efeito da pandemia foi nulo nos menores de 65 anos. Atenção, não é o Pedro Almeida Vieira  dizer, ou outro qualquer, ou um estudo da DGS ou do INSA. Ou do Gato das Botas. É SÒ o INE! Vejam o gráfico, com base nos dados do INE, onde surge a comparação da mortalidade acumulada entre 1 de Março e 10 de Maio para os anosde 2020,2019 e 2018 para a população com menos de 65 anos... Para aquela faixa etária, da população activa, a covid não existe. Existirá para o grupo dos mais idosos, mas a incidência das medidas de protecção devem ser feitas para esse grupo, não para a generalidade da população.

Tudo o que se está a fazer em termos de desconfinamento não poderia ignorar esta análise do INE. Tudo isto que se anda a fazer é um absurdo. Aquilo que deveria estar a ser feito era reforçar as medidas profilácticas nos lares e junto dos mais idosos, que, aliás,estarão a sofrer agora mais com as temperaturas elevadas do que com a coivid. E não parece estar a ver-se qualquer medida da DGS. E pergunta-se: o que anda a comunicação social portuguesa a fazer no meio disto tudo? Depois queixem-se de as pessoas deixarem de confiar nela...