segunda-feira, 24 de agosto de 2020

DA RACIONALIDADE

Estou a ouvir nos altifalantes do aeroporto de Frankfurt o aviso para manter a máscara na face e afastar-me 1,5 metros dos outros passageiros, enquanto tiro uma selfie e uma fotografia em frente. Entretanto, quase me falta o ar e os óculos embaciam-se. Vai correr tudo bem. E a Suécia cada vez mais longe.




DO REGRESSO E DO CHOQUE

Rápida visita ao Museu do Vasa. À saída, ultrapassado um casal, percebo sons familiares. Portugueses. Faço a parvoíce do costume, dos lusitanos abanando a cauda ao cheirar patrícios em terras longínquas: “Então, bom dia!” Ficamos ali a falar dois minutos sobre incontornável tema: a liberdade em terras suecas de uns basbaques sem máscara. “Já nem queremos regressar. Aqui não sentimos medo”, diz-me a senhora. “Regresso esta tarde”, lamento. “Estou com medo. Do choque entre a ponderação daqui e o absurdo de lá”. Entretanto, apanho o comboio para o aeroporto, onde revejo a ponderação. Estou ainda sem máscara.




DO MEDO

Ontem, durante, toda a tarde, enquanto andava pela cidade, fui tentando encontrar pessoas com máscara facial. Em Estocolmo é mais raro encontrar uma pessoa de máscara do que uma agulha em palheiro. Encontrei três em mais de cinco horas de caminhada. E aquilo que mais me impressiona, e sucede em Portugal, é um estranho paradoxo: as máscaras parece não darem a quem as usa e defende em todas as situações (eu defendo apenas em transportes com aglomerados e em aglomerações inevitáveis) nem segurança nem confiança. Geralmente, nessas pessoas vislumbra-se, através dos olhos, apenas medo, como se vê nesta senhora (sueca?), uma das três que vi de máscara. Ou seja, a máscara tem um efeito psicológico não irrelevante do ponto de vista da saúde: pespega-nos na cara esse papão omnipresente, a morte, toldando a racionalidade. Passamos a viver com a morte agarrada à boca.



domingo, 23 de agosto de 2020

DO TIRO PELA CULATRA

Sei bem, porque fui jornalista em importantes órgãos de comunicação social (como o Expresso), que as conversas em “off” dos políticos, ainda por cima a dizer mal de alguém, e que não abordaram na entrevista ou conversa, nunca eram desabafos de conversa de café. Eram sobretudo uma tentativa de condicionar, amestrar e/ou influenciar a opinião do jornalista. Aqueles segundos nunca eram um acaso, um despropósito... 

Portanto, independentemente de se saber como vazou a conversa em “off” da gravação do Expresso, desta vez saiu a António Costa o tiro pela culatra.



DAS CARGAS VIRAIS

Li por aí que (mais) um estudo (pouco conclusivo) indica que as crianças podem ter cargas virais de SARS-CoV-2 superiores aos adultos. Mais medo. O pânico habitual. Isto sem tal significar maior capacidade de transmissão, até porque a esmagadora maioria das crianças são assintomáticas... No entanto, até eu me “refugiei” neste parque de Estocolmo, não me juntando demasiado aos baloiços: ali as cargas virais serão lançadas das vias respiratórias da pequenada que nem punhais...

Ver vídeo aqui:

https://www.facebook.com/1322691913/videos/10217647320717804/?extid=50NtNAECWizDrnL0

sábado, 15 de agosto de 2020

DOS TOLOS (QUE TODOS NÓS SEREMOS)

A Fundação Portuguesa para o Pulmão quer agora que seja obrigatório o uso de máscaras na via pública. Esta fundação agrupa especialistas que já lidaram com vírus mais letais que o SARS-CoV-2. Lidam com a pneumonia que mata 16 pessoas por dia em Portugal, contas redondas, quase 6.000 pessoas por ano. Sabem do que falam. Porém, em Março, o seu VICE-PRESIDENTE, Professor Doutor Agostinho Marques, eminente pneumologista, catedrático jubilado da Faculdade de Medicina do Porto e actual director clínico do Hospital Santa Isabel, disse tão-só o seguinte numa entrevista ao jornal local A VERDADE (ironia, acrescento):

“Quem não está doente, não deve usar máscara. O que está a acontecer com a corrida desenfreada às máscaras é um ATO TOLO E INCONVENIENTE. A pessoa usa uma máscara, convencido de que está protegida e não está, arrisca-se a expor-se mais do que deve, porque é criada uma sensação de falsa segurança”.

Portanto, em breve, seremos todos tolinhos. Obrigados, mas tolinhos, não é, senhor Professor Doutor Agostinho Marques?



DO VERÃO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO... OU DA NOVA VISÃO DE UM DESASTRE IGNORADO

Acreditem: sou o maior crítico das minhas análises, sobretudo quando fogem do "mainstream", e/ou quando surgem dúvidas exteriores sobre as minhas habilitações para abordar um tema (por mais que as tenhas, eu sei: nunca serão suficientes).

Pois bem, sobre a "anormalidade" do excesso de óbitos neste Verão, houve já quem tenha apontado o calor (que o houve em Julho, embora o INSA apenas para um dia tenha alertado para risco), outros que foi uma situação semelhante a outros anos (e.g., 2013 e 2018).

Enfim, regressei aos dados da mortalidade, para nova análise, noutra perspectiva. Eis aqui o que vi.

Desde que o Verão começou, em 20 de Junho, passaram 55 dias (até 13 de Agosto). Ora, comparando dia-a-dia, contabilizei 52 dias sucessivos com a mortalidade sempre acima da média de referência (2009-2019). Esta série começou no dia 22 de Junho e apenas terminou anteontem. É uma sequência e uima quantidade de dias acima da média que não encontra pararelo com anos anteriores, mesmo com aqueles que registaram fortes e mortíferas ondas de calor, como 2013 e 2018. Além disso, essa constância e persistência de dias com mortalidade acima da média não é típico de ondas de calor, que apresentam sempre picos bruscos de óbitos, mas rapidamente descem para valores abaixo da média, algo que nunca aconteceu em 2020 no período em análise (Verão)..

Tal como se observa no 1º gráfico, em 2013, marcado por a onda de calor que se intensificou em Julho, registaram-se "apenas" 19 dias sucessivos de mortalidade acima da média, sendo que no total do período se chegaram aos 30. Em 2018 (que registou no início de Agosto uma onda de calor particularmente mortífera) teve como sequência máxima acima da média 6 dias, terminando o período em análise com um total de 28. O ano de 2016 teve também um Verão de mortalidade acima da média, embora com uma sequência máxima de 10 dias acima da média e um total de 41 dias acima da média.

Porém, se neste indicador já se mostra que o Verão de 2020 é absolutamente atípico, perla persistência da mortalidade acuma da média, o segundo gráfico reforça e mostra que não se deveu à covid, e nem encontra justificação em pretensas ondas de calor (já abordei essa temática, particularizando para os distritos de Lisboa e Braga).

Com efeito, o excesso total de mortalidade no Verão de 2020 (até 13 de Agosto) atingiu os 2.918 óbitos, sendo que apenas 242 se deveram à covid. Antes, o pior Verão fora o de 2013, que registou uma fortíssima onda de calor de duas semanas, mas o excesso de óbitos, para o período em causa, acabou por ser de "apenas" 1.018 óbitos. Os outros anos com um número de óbitos acima da média (2010, 2016, 2018 e 2019) não chegaram ao milhar de mortes a mais.

Neste momento - enfim, eu sei que é cansativo estar a repetir -, a covid não é o maior problema de Saúde Pública em Portugal. Pode ser um problema importante, mas não é o principal. Dá-me raiva ver o completo alheamento político e público perante esta hecatombe. E já não falo só do Governo, do Ministério da Saúde e da DGS, mas também dos médicos, dos especialistas em epidemiologia, dos pneumologistas e dos especialistas em covid (da imprensa ou dos partidos da oposição nem falo). Gostava imenso que deixassem de olhar para o umbigo, que olhassem para o problema da mortandade que se está a passar neste Verão em frente aos seus narizes. E que só não grita a plenos pulmões porque às vítimas, mais de 2,500, já nada lhe sairá dos pulmões.



sexta-feira, 14 de agosto de 2020

DO NOVO NORMAL

A Fundação Portuguesa do Pulmão juntou-se à Ordem dos Médicos para defender o uso obrigatório de máscaras nas ruas para reduzir o risco de contágio da covid. Acharia bem se estas duas doutas entidades fizessem uma mea culpa e confessassem que então o mesmo já deveria ter sido feito antes de Março de 2020 para reduzir os contágios e as mortes por gripes e outras infeccções respiratórias. E também deveriam propor que, para a redução das mortes por cancros e muitas outras doenças, fosse proibido o consumo de tabaco, de bebidas alcóolicas, de sal, de enchidos, de carros que lançam químicos, de tudo e de mais alguma coisa... Como assim não procederam, cheira a frete, mais ainda quando a situação da covid está longíssimo da gravidade de Março/Abril. Mas isso agora não interessa. Interessa sim que estão reunidas, social e politicamente falando, as condições propícias para nos meterem açaime e coleira. Os nossos políticos rejubilam. Nunca outros em democracia tiveram tanto poder sobre os cidadãos, controlando-lhes os passos, os actos e os tiques. Estamos a viver uma perigosa época.


DA REALIDADE QUE DÓI SOBRE AS DUAS EPIDEMIAS EM PORTUGAL, UMA DELAS NÃO TRATADA E SEMPRE IGNORADA

Como tenho vindo aqui a defender, Portugal foi atingido por duas epidemias: 1) a covid; e 2) o colapso do SNS (adiamento de consultas, cirurgias, diagnósticos, etc), a par do medo e da falta de confiança das pessoas sobre a capacidade política de resposta à pandemia que as levaram a "fugir" dos hospitais.

Para a primeira epidemia (covid), não tendo sido Portugal um modelo (e.g., lares e transportes públicos), portou-se razoavelmente bem, evitando aquilo que, intimamente, se temia em Março e Abril: sermos iguais à Itália e Espanha).

Para a segunda epidemia, a desgraça tem sido completa, a começar pelo completíssimo alheamento das autoridade de Saúde (DGS) e a completíssima omissão do Ministério da Saúde em assumir que o excesso de mortes não-covid é insustentável pelos seus números absolutamente elevados. Vinco excepcionalmente os advérbios de modo. Esta é, tem sido e será, a minha maior das críticas: Suas Excelências estão borrifando-se completamente pelo excesso de mortes por outras causas; vai tudo para a covid, mesmo quase a lágrima de um secretário de Estado que é médico, e tinha, por isso, obrigação suplementar de ter outra postura perante um quadro tão negro nesta época estival.

Tenho tomado boa nota que as minhas estatísticas irritam já muita gente (preferem, talvez, o doce pingar das estatísticas da DGS, cujo seu Relatório de Situação já vai no número 164). Perante a ópera (bufa) da DGS, claro que as minhas estatísticas parecerão um concerto do Iggy Pop. Aliás, uma boa dúzia daqueles que considero amigos além-FB têm me mimoseado com críticas contundentes; muitos mais passaram a ignorar-me. E isto sem contabilizar os trools, mas para esses tenho sempre bom remédio. Curiosamente, nenhum ataca, provando, o rigor das estatísticas, até porque elas usam dados oficiais. Enfim, quanto a isto, paciência para todos. Continuo na minha: para se opinar tem de se estar munido de ferramentas. Os casos pessoais, o "achismo", a irritação porque "sim", não são a minha praia. Não estaria aqui a  criticar o colapso do SNS se não houvesse um trágico output: as mortes excessivas que ultrapassam qualquer justificação esfarrapada (ou testes estatíticos).

Portanto,hoje, seguem dois gráficos que, enfim, são mais uma tentativa de "ilustrar" a nossa triste situação. Tentei caprichar na parte visual para melhor entendimento.

No primeiro gráfico, coloco a variação diária (média de 5 dias) da mortalidade ao longo de 2020 em relação à média (2009-2019). No entanto, para melhor leitura (e lembrança), essa variação está por blocos mensais, de modo a que as pessoas observem e recordem mais facilmente o que foi acontecendo desde Março.

O segundo gráfico distingue, também por mês, o contributo da covid-19 (mortes oficiais) e de outras causas para o excesso de mortalidade (i.e., mortes acima da média).

Sobretudo da leitura do segundo gráfico, advêm as minhas maiores críticas à gestão da pandemia da covid e da (não) resposta do SNS às outras doenças. Notem que, mesmo em Março e Abril, e quando a covid era verdadeiramente um problema de Saúde Pública (e também por então ainda se desconhecer o verdadeiro impacte), o excesso de mortes derivadas de outras causas foi sempre maior. Em Março, a covid representava 38% do excesso, em Abril subiu para os 45%. Portanto, já havia uma segunda epidemia desde Março.

Em Maio observou-se uma manutenção do peso relativo da covid (39%) e em Junho desceu significativamente (apenas 23%). Neste último mês era já evidente que o SARS-CoV-2 não representava do ponto de vista clínico um problema suficientemente grave que justificasse a manutenção da suspensão dos serviços do SNS para as outras maleitas.

Porém, a receita do Ministério da Saúde manteve-se: tudo para a covid; já não bastava achatar a curva, era necessário "matar" todos os vírus. Objectivo oficial implícito: zero casos positivos, zero mortes por covid. 

Nesta obsessão oficial, os resultados estão à vista: em Junho, um mês geralmente de poucas mortes, continuou a ter um excesso de mortalidade muito elevado por outras causas; e em Julho atingiu níveis absurdos. Esse excesso de mortes foi geral, mesmo em regiões sem onda de calor (como Lisboa) ou nos dias sem onda de calor. Aliás, como também referi aqui, o Índice Ícaro do INSA apenas indicava o dia 17 de Julho como de risco.

Agosto, entretanto, vai pelo mesmo caminho, talvez não como a hecatombe de Julho, mas porque as temperaturas têm estado mais amenas. E andamos nisto. E as pessoas irritam-se porque apresento estatísticas e gráficos. E pior: dou opiniões, e até já prevejo (como fiz em na primeira quinzena de Julho) grandes desgraças para as semanas. Bem sei, nunca se gostou de Cassandras.




quinta-feira, 13 de agosto de 2020

DO DESÂNIMO... OU COMO VEM AÍ A OBRIGAÇÃO DE MÁSCARAS NAS VIAS PÚBLICAS

Para quem tinha esperança de o "circo da covid" parar no Verão, desengane-se. Da ideia inicial de achatar a curva passou-se rapidamente para a peregrina ideia de zero mortes por covid-19, como se isso fosse possível, ainda mais no curto prazo, e mesmo com vacina. 

Enfim, olhando para os números de Agosto das contaminações nos mais idosos (acima dos 70 anos, e sobretudo dos maiores de 80 anos)  parece-me, primeiro, que os lares continuam a ser um problema. E a evolução nos maiores de 80 anos nos dois últimos dias "cheira" a mais descontrolos em lares.

Segundo, por tudo isto, está praticamente garantido (segundo as probabilidades com base nas taxas de letalidade) a existência de quatro a cinco mortes diárias por covid nas próximas semanas. Isto está a um nível lamentável pelas vidas, mas "aceitável" do ponto de vista da Saúde Pública, até porque este número estará abaixo das mortes por infecções respiratórias virais e bacterianas (cuja mortalidade estará este ano a níveis muito mais baixos). Além disso, esta minha estimativa para as mortes por covid-19 aproxima-se do número médio diário registado em Junho e em Julho, dando assim sinais de um certo "endemismo".

Porém, isso pouco interessará aos políticos e aos "covideiros". Só este valor para os óbitos por covid, pingando diariamente quatro ou cinco vítimas, independentente da insignificância estatística face às outras causas de morte, vai ser "suficiente" para continuar a alimentar ad nauseum o "circo". Direi mesmo que, face à manutenção da mortalidade por covid, está praticamente garantido, para muito em breve, a imposição do uso de máscaras nas vias públicas. Viver nos próximos tempos não vai ser fácil para manter a mente sã.

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

DA INSTALAÇÃO DO MEDO: DA INDIFERENÇA AO PÂNICO EM DOIS PASSOS E ALGUMA ESTATÍSTICA

Não nego que a covid-19 seja uma doença perigosa para os mais idosos... mas imaginemos que, em 2018 (uso esse ano, porque ainda não estão disponíveis os dados de 2019), o Ministério da Saúde fazia conferências de imprensa a anunciar as mortes por pneumonias e por bronquites virais e bacterianas.

Vamos imaginar mas ser realistas e colocar mesmo dados reais (e oficiais). Em Março de 2018 ter-se-ia anunciado, em média, 24 óbitos por dia de pneumonias e bronquites (foram seis por covid por dia nesse mesmo mês, este ano). Em Abril de 2018 mais 19 mortes por dia de pneumonias e bronquites (27 por covid no mês homólogo de 2020). Em Maio seriam mais 16 mortes diárias por bronquites e pneumonias (13 mortes por covid nesse mês de 2020). Em Junho outras 14 mortes diárias por pneumonias e bronquites (apenasn cinco por dia em mês homólogo deste ano à conta da covid). E, por fim, em Julho de 2018 ter-se-ia anunciado 11 mortes diárias por pneumonias e bronquites (apenas cinco por dia por covid no mês homólogo deste ano).

Se se fizesse o balanço em termos relativos, anunciar-se-ia em 2018 que, entre Março e Julho, as mortes por pneumonias e bronquites virais e bacterianas representavam 5,6% das mortes totais. A covid, este ano, para o período homólogo, representou 3,5% do total das mortes.

Aquilo que deixo aqui como reflexão é o seguinte: que mudou entre 2018 e 2020 para se ter passado da indiferença total em relação às mortíferas pneumonias e bronquites (e que matam ainda mais no Inverno) para um exacerbado pânico por causa da covid? Foi a (des)informação ou a deturpação da informação?

Nota 1. Ainda não existem dados de mortalidade por pneumonias e bronquites para os meses em análise para o ano de 2020, embora seja previsível uma redução da ordem dos 2/3 em linha com a reduçãos dos casos notificados destas doenças na DGS.




segunda-feira, 10 de agosto de 2020

DA ANÁLISE NECESSÁRIA: O "MILAGRE PORTUGUÊS" IGUALA O "DESASTRE SUECO", MENOS NA ECONOMIA

Ainda há poucos dias, o Público (outrora jornal de referência) noticiava que «o PIB sueco cai[u] 8,2% no segundo trimestre», como se Portugal estivesse num mar de rosas (o PIB do nosso país caiu um "poucachinho" mais: uns estonteantes 16,5% no mesmo período).

Enfim, já todos sabem: desde Março, a imprensa (e a portuguesa em grande destaque) atacou ferozmente a estratégia sueca de um "lockdown" suave. A narrativa da nossa imprensa foi sempre de mostrar a Suécia como um país irracional e egocêntrico. Pouco valia a "defesa" das autoridades suecas sobre o facto de se estar perante uma maratona e não um sprint.

Bom, na verdade, acho que ainda estamos a meio da maratona, mas como encontrei dados estatísticos sobre a mortalidade total da Suécia, fui fazer comparações com Portugal.

Pois bem, contabilizando a mortalidade desde 1 de Março até 31 de Julho, basicamente estamos praticamente iguais neste aspecto, mas com uma tendência pior para Portugal. A Suécia, embora tenha tido um pico bastante significativo na mortalidade total até meados de Abril, começou de forma consistente a reduzir os números, de sorte que desde Julho os óbitos totais estão abaixo da média dos últimos cinco anos.

Por sua vez, Portugal não se teve um pico de mortalidade total tão exacerbado em Abril, mas tirando um par de dias em Junho,tem estado sempre bastante acima da média, ou seja, sempre com excesso de óbitos, com particular evidência em finais de Maio e durante todo o mês de Julho. 

Resultado disto, somando tudo: a Suécia registou, entre Março e Julho, um excesso de mortalidade de 13,5% em relação à média; Portugal um excesso de mortalidade de 12,9%. Em termos absolutos,o excesso de mortalidade em Portugal é já superior (também por força de um maior envelhecimento populacional). No nosso país, entre Março e Julho morreram mais 5.667 pessoas do que a média; na Suécia mais 4.912.

Conclusão: a meio da maratona, estamos a ficar pior do que a Suécia em termos de mortos. Do ponto de vista da Economia nem se fala. E do ponto de vista da Saúde Pública (e Mental) é melhor estar calado. Quem ainda continua a achar que somos um "milagre"?

Nota: Os dados da mortalidade na Suécia podem ser consultados aqui: https://www.scb.se/en/finding-statistics/statistics-by-subject-area/population/population-composition/population-statistics/ . Os dados da mortalidade em Portugal podem ser consultados aqui: https://evm.min-saude.pt/#shiny-tab-a_total . Para ambos os valores médios foram calculados para o período 2015-2019 (período disponível nas estatísticas suecas). O excesso de óbitos foi calculado deduzindo os óbitos totais no período de 2020 com a média. Para a elaboração do gráfico considerou-se a média móvel de 5 dias, tendo-se padronizado a mortalidade de Portugal (em relação à Suécia). A padronização permite uma correcção muito ligeira face à estimativa da população de ambos os países (10.295.909 habitantes em Portugal em 2019, segundo estimativas do INE; e 10.336.510 habitantes, segundo estimativas do CBS de Janeirode 2020). A maior mortalidade média em Portugal deve-se a uma maior taxa de mortalidade, por via de um maior envelhecimento. Note-se, contudo, que a leitura do gráfico deve ser feita comparando sobretudo os valores de 2020 com a média respectiva para cada país).



sexta-feira, 7 de agosto de 2020

DA ALDRABICE DO MILAGRE PORTUGUÊS E DA SUA PERNA CURTA

Em 26 de Abril, quando Portugal era elogiado na Europa pelo baixo impacte da covid na mortalidade total (e Marcelo e Costa se congratulavam do putativo "milagre português"), eu denunciei aqui, no post "Do milagre português aldrabado", que os dados enviados para o sistema europeu EuroMomo não estavam correctos, que estavam subcontabilizados. Enfim, que o "milagre português" era aldrabado.

Entretanto, estamos no Verão, e Portugal é agora notícia na Europa exactamente por ser o único país com excesso de mortalidade. Decidi então ir ver os valores enviados para o EuroMomo e reparei que os dados de Março e Abril estão agora correctos. Foram entretanto alterados, o que significa que aumentaram os óbitos aí registados. Note-se que, no final de Abril, segundo as minhas análises, Portugal reportara ao EuroMomo menos 1.164 mortas do que aquelas que se tinham efectivamente verificado entre 15 de Março e 23 de Abril. E só por isso Portugal conseguira estar com níveis de mortalidade mais baixos e a receber elogios. Apenas a título de exemplo (e a prova de um dia), cf. fotos, vejam os óbitos enviados para o EuroMomo de 4 de Abril (na primeira foto, que usei no meu post de 26 de Abril) e o valor que agora consta no histórico tirado hoje: de 389 passou para 421 (que era o valor que deveria sempre ter lá constado). Esta subcontabilização foi feita sistematicamente ao longo de Março e Abril,todos os dias, durante mais de um mês.

E conseguiu-se com esta aldrabice elogios internacionais. Mas como se sabe, a mentira tem perna curta. E aquilo que se andou a fazer e, sobretudo, a não fazer desde o início da pandemia, e quando já havia excesso de mortalidade não-covid, anda agora a perseguir-nos.


quinta-feira, 6 de agosto de 2020

DOS BODES EXPIATÓRIOS (UMA ANÁLISE DETALHADA SOBRE O EFEITO DA ONDA DE CALOR DE JULHO)

Mão amiga enviou-me o relatório com 16 páginas do IPMA sobre a meteorologia em Julho, aconselhando-me a ver, pelo menos, as duas primeiras. Se seguisse o conselho, ficaria com a ideia de que afinal foi o tempo quente e seco (o mauzão) que causou uma mortandade no mês de Julho. Pois, mas por mim, ou leio os relatórios, e formo uma opinião, ou não leio e não formo.

Primeiro, quando olhamos para valores médios das temperaturas (mínima, média e máxima), efectivamente Julho foi bastante quente, sobretudo quando comparamos com as últimas três décadas do século XX, mas não tanto com as dos anos do presente século (hélas, o aquecimento global).Porém, como todos sabem, por certo, o nosso país tem um clima muitíssimo variado para país tão pequeno, além de ter uma concentração populacional nos distritos do litoral.

Ora, conforme se pode observar no relatório do IPMA, as ondas de calor em Julho fizeram-se sentir sobretudo nos distritos do interior, menos populosos. O único distrito mais populoso, com uma onda de calor de 10 dias (9-18 de Julho). Lisboa, por exemplo, não registou qualquer onda de calor. Os extremos da temperatura foram, por norma, atingidos no dia 17 de Julho, aliás, o único em que o Índice Ícaro (do INSA), sobre o qual escrevi ontem, indicava risco de excesso de mortalidade.

Lendo o relatório, e verificando ausência de onda de calor no distrito de Lisboa e presença de onda de calor entre 9 e 18 de Julho no distrito do Braga, fui ver como variou a mortalidade diária nestas duas regiões ao longo do mês. Podem observar os resultados nos dois gráficos, tendo aqui uma síntese:

Distrito de Lisboa (sem onda de calor)
Mortalidade média diária (2014-2019): 50,5 óbitos
Mortalidade média diária (Julho 2020): 66,6 óbitos
Dias sem onda de calor: 31
Dias com onda de calor: 0
Mortalidade média diária na onda de calor: (não aplicável)
Excesso de óbitos em Julho de 2020: 497 (+ 31,7%)

Distrito de Braga
Mortalidade média diária (2014-2019): 14,8 óbitos
Mortalidade média diária (Julho 2020): 21,2 óbitos
Dias sem onda de calor: 21
Dias com onda de calor: 10
Mortalidade média diária na onda de calor: 22,4 óbitos
Mortalidade média diária fora da onda de calor: 20,7 óbitos
Excesso de óbitos em Julho de 2020: 201 (+ 44,0%)
Excesso de óbitos nos 10 dias com onda de calor: 77 (+51,9%)
Excesso de óbitos nos 21 dias sem onda de calor: 124 (+40,1%)

Donde se conclui que no distrito de Lisboa, apesar da não existência de onda de calor, houve um excesso de quase 32% da mortalidade. No caso de Braga, sendo certo que nos 10 dias da onda de calor houve maior aumento da mortalidade em relação à média (51,9%), esse indicador foi também bastante elevado (40,1%) nos dias sem onda de calor, o que revela que apenas uma pequena parte do excesso de mortalidade terá tido essa onda de calor como causa.

Ou seja, continuo a defender que as temperaturas elevadas terão contribuído para o excesso de mortalidade, mas como factor de exacerbamento, o que se mostra bastante preocupante. De facto, se tivermos este Verão ondas de calor a atingir os distritos populosos, sobretudo do litoral, e em especial Lisboa e Portugal, a situação de Saúde Pública pode sim, neste caso, ser catastrófica. Portanto, não negando a existência de onda de calor durante o mês de Julho em parte substancial do território, tivemos mesmo assim a sorte de não atingir as zonas populosas. Porém, temo também que a onda de calor no interior sirva como argumento político para se encontrar um bode expiatório. Como mostrei em particular para os distritos de Lisboa e Braga, não é preciso onda de calor para haver um excesso de mortes. Era bom que o Governo debelasse o problema em vez de procurar bodes expiatórios que não fará ressuscitar ninguém.



quarta-feira, 5 de agosto de 2020

DA AREIA (OU DO SOL) PARA OS NOSSOS OLHOS

Para justificar a morticínio de Julho, já começam a surgir as explicações da DGS, do IPMA e de "especialistas" para confundir a malta, dizendo que, provavelmente, afinal a culpa foi toda do Sol, esse malvado. Acreditem já naquilo que quiserem. Eu acredito na Ciência. Ora, há uns anos, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) criou um índice de previsão de excesso de mortes por causa do calor denominado Índice Ícaro.

Cito a explicação: "Genericamente um Índice Alerta Ícaro é uma medida numérica do risco potencial que as temperaturas ambientais elevadas têm para a saúde da população. Compara os óbitos previstos pelo modelo estatístico subjacente ao sistema de vigilância ÍCARO, com os óbitos esperados sem o efeito das temperaturas extremas. O índice Alerta ÍCARO toma valores maiores ou iguais a zero, sendo esperados efeitos sobre a mortalidade quando este ultrapassar o valor um.»

Pergunta de «um milhão": quantos dias em Julho do ano da nossa desgraça de 2020 excederam o valor 1 do Índice de Ícaro?

A resposta está no gráfico: 1 dia. Repito: 1 dia. Somente 1 dia. Foi apenas no dia 17 de Julho. E vejam como foi o exceso nesse dias: 113 óbitos a mais. Foi muito? Claro que foi. Mas no dia 14 o índice foi de 0,17 e morreram a mais 149... E por aí fora. E, assim, tivemos uma excesso de óbitos no final de Julho de 2.292, sendo que só num dia (com 113 óbitos a mais) havia condições meteorológicas para esperar mortalidade acrescida.