sábado, 25 de julho de 2020

DA IGNORADA PANDEMIA CHAMADA VERÃO DE 2020, JÁ PIOR DO QUE A COVID

Os números são aquilo que são. O Verão começou a 20 de Junho e estão aí os resultados de meses de suspensão de cuidados médicos básicos, à conta de "tudo para a covid", de uns dias de maior calor. Contas feitas, e usando dados oficiais da DGS, o excesso de mortes no Verão de 2020 (em apenas 35 dias) já terá ultrapassado o número de mortes pelo SARS-CoV-2 em quarto meses (desde 16 de Março)! .

Não é uma opinião. É um facto. Considerando o período 20Jun-24Jul, o excesso de mortes (acima da média de 2009-2019) é já de 1.970 óbitos (já deduzidas as 188 mortes por covid nesse período). As mortes totais por covid, desde Março, é de 1716.

(no gráfico apresento o intervalo de confiança a 95%. Ou seja, esse excesso estará a variar entre 1.318 e 2.623 óbitos).

E ainda só agora terminámos o primeiro mês de Verão.

Sobre isto, a nossa imprensa de referência (tv, jornais e rádios, quase em geral), NANJA. Parabéns à DGS e ao Governo por terem conseguido amestrar quase generalidade da comunicação social sem sequer gastar lápis azuis. E de conseguirem uma população tão obsessivamente medrosa e acéfala de raciocínio. É obra!


DO TUDO VAI BEM NA REPÚBLICA SEM NÚMEROS

Já são 13 os dias consecutivos de mortalidade total em Portugal durante o período de Verão sempre acima de 300 óbitos. Não são 20 seguidos porque no dia 11 de Julho “só” morreram 297 pessoas, interrompendo assim uma série catastrófica. A média de óbitos em Julho no período 2009-2019 é de apenas 264. O pior ano a seguir ao actual é o de 2013 com 10 dias acima de 300 óbitos (houve então uma onda de calor de quase três semanas, com alguns dias acima de 40 graus mesmo no Centro e Norte). A covid, entretanto, tem estado a matar menos de seis pessoas por dia. Mas como somos um país pouco dado a matemáticas, só se fala de covid.

sexta-feira, 24 de julho de 2020

DAS SUBTILEZAS DA NOSSA IMPRENSA PARA ALIMENTAR O MEDO

O Público continua em "grande" na sua campanha de agudização do pânico. Agora até se aproveita de artigos da Reuters e traduz o título para português dando-lhe tons alarmistas. Neste caso em concreto, o título é "Nos EUA, a covid-19 mata diabéticos a um ritmo alarmante".

Lê-se o texto, escrito por jornalistas da Reuter, e fica a saber-se, entre outras coisas, que «manter a diabetes sob controlo [nos Estados Unidos] — uma das melhores defesas contra a covid-19 — tornou-se difícil, já que a pandemia interrompeu os cuidados médicos, os exercícios e rotinas alimentares saudáveis.» (sic).

'Pera aí! Então afinal, o que mata não é a covid! É ter covid e não ter tratamento adequado para a diabetes! Quer dizer: deduz-se que se houvesse tratamento adequado para a diabetes em tempos de pandemia, os diabéticos não morreriam tanto de covid se a tiverem. Certo? Ou seja, a culpa não é propriamente do SARS-CoV-2. É da diabetes e é de não se dar um tratamento e condições adequados aos diabéticos. Certo? Ent-ao, sendo assim, que raio de título é aquele?

Fui ainda pesquisar como estava titulada a mesma notícia em versões inglesas. Pois bem, está assim: "Why COVID-19 is killing U.S. diabetes patients at alarming rates". Pois, é uma coisa completamente diferente e que reflecte o conteúdo. Lá fora faz-se jornalismo sem se ser alarmista. Os jornalistas remetem-se ao seu papel de... jornalistas.

Enfim, o Público parece ser um case-study sobre como se aniquila a crediblidade de 30 anos com uma pandemia.



DO CALOR QUE DESGRAÇA AINDA MAIS UMA DESGRAÇA

Hoje tenho um gráfico um pouco mais complexo de análise (embora simplificado), mas que mostra bem a nossa triste realidade. Este pode vir a ser "o Verão do nosso descontentamento"

Como alguns talvez saibam, os nossos serviços de Meteorologia (IPMA) têm um modelo que calcula (como previsão) o Índice Ícaro, que permite saber se será expectável, nos dias seguintes, um excesso de óbitos por causa do calor.

Desde o dia 5 de Julho, este indicador (barras amarelas) tem estado positivo (e em alguns dias com valor algo elevado), o que fez disparar as mortes (parece que os avisos para a DGS servem de pouco). Porém, aquilo que uma análise mais detalhada mostra, conforme se visualiza no gráfico, é um persistente excesso de mortalidade desde início de Maio, e com variações ainda mais para cima, de forma exacerbada, quando o Índice Ícaro fica positivo mesmo em valores pequenos, como no final de Maio (área a rosa indica as variações diárias, sendo que valores acima de 0 significam excesso de óbitos em relação à média; a linha vermelha é a média móvel de 5 dias para o ano de 2020).

Mesmo quando se usam intervalos de confiança (não coloco aqui os gráficos, porque ficaria de difícil leitura; poderei colocar em comentário se assim desejarem), continua a ser bastante visível um grande excesso de mortalidade no período.

O EXCESSO de mortalidade total desde 1 de Maio até 23 de Julho é de 3.538 óbitos (com intervalo de confiança, a 95%, entre 2.219 e 4.857 óbitos). A covid é apenas responsável por 705 mortes neste período.

Analisando tudo o que se tem passado, e reflectindo sobre o que tenho escrito, considero que a grande fragilidade física e emocional, sobretudo dos mais idosos, e decorrente de um mau planeamento da assitência médica na obsessiva luta contra a covid, está a contribuir para um exacerbamento da mortalidade em tempo quente, O sol apenas é assim a última gota que faz transbordar o copo de muitos... até à tumba.


quinta-feira, 23 de julho de 2020

DO INSUSTENTÁVEL SILÊNCIO

Por agora, até ao dia 22, o acréscimo de óbitos totais em Julho de 2020 é de 28,4% (acima da média). Para os idosos com mais de 85 anos, as mortes estão 48,9% acima da média. Um lindo serviço!

Eis aqui os resultados que conseguimos com lockdowns, confinamentos, adiamentos de consultas e cirurgias, e ausência completa de investimento no SNS e de planeamento estratégico para preparar cuidados de saúde no Verão

Os contributos diários da covid-19 para a morte dos idosos em Julho são aquelas barrinhas azuis. As barras vermelhas são tudo o resto. As quantidades diárias acima da linha amarela (média) representam os idosos que não era suposto terem já morrido, mas morreram, e não de covid. São já uns bons centos. Na verdade, são 985 pessoas. Bom, que sejam: são estatísticas esquecidas para a DGS, porque nem sequer morreram de covid. Certo?


DA FÁBRICA DE FAZER MORTOS

Bem sei: aqui vai mais um sermão aos peixes. Mais um post que irritará uns quantos. Mais uma minha perplexidade nestes tempos distópicos. Mas segue.

Ora, tenho para mim, que os hospitais são locais para salvar vidas; não apenas para registar últimos suspiros. Tenho também para mim que nos hospitais existem várias funções: médicos, enfermeiros e outro pessoal fundamental para a gestão da saúde individual e pública. Os dois primeiros grupos devem (e sabem fazê-lo) salvar vidas. Não se lhes peça mais O outro vasto grupo deve fazer funcionar a «máquina», o que também salva vidas, ou as deixar morrer prematuramente se houver desleixo.

Tenho para mim, continuando, que neste último vasto grupo deveria haver pelo menos uma "alminha" que monitorizasse o que se anda a passar quotidiamente no conjunto dos hospitais. É tarefa que não é complicada, porque felizmente até existe moderna monitorização (e Portugal está na vanguarda). Porém, a tecnologia não é tudo. Tem de ser usada, olhada e depois tem de existir acção. Ou seja, eu gostava que houvesse uma "alminha" que olhasse para os números; ou então que um qualquer informático lhe pusesse uma buzina na orelha para o alertar em situações anómalas.

Tudo isto para dizer que não consigo, sinceramente, compreender como é possível que a DGS, o SNS ou alguém dos raio que nos parta não veja que desde a última semana de Junho esteja a ocorrer um incremento absurdamente elevado de mortes em unidades hospitalares, que atingiu, até agora o ponto mais alto em 20 de Julho, e nada se diz, nada se faz, nada. Tudo na paz do Senhor. Como se, na verdade, não estivessemos a viver uma siruação completamente anormal, e que não tem a ver com a covid. Uma situação de calamidade que, na verdade, está a ser pior do que a registada no pico da covid em Março-eAbril.

Não, não estou, infelizmente, a exagerar. Vejam o gráfico: em Julho, nas unidades de saúde devia estar a registar-se menos de 170 óbitos diários. Já ultrapassámos os 230, acima mesmo dos valores do pico da covid, e a cois começou a ser detectável ainda em Junho. Estamos hoje, em Julho, senhores!, com níveis de mortalidade em unidades de saúde que são típicas de Janeiro, o que é tudo menos normal.E não: não é por causa da covid.

Digam-me: o que anda a suceder nos hospitais? Colapsaram? Levam para lá agora apenas os moribundos, as pessoas que estão nas últimas? Os hospitais servem apenas agora para registar mortes? E ninguém acha isto estranho? Ninguém investiga? Todos acham a coisa "normal", não o sendo?


quarta-feira, 22 de julho de 2020

DA "ARTE" DE SE VENDER MAIS 71 CAIXÕES POR DIA EM JULHO SEM PEDIR "AJUDA" À COVID

Estamos a viver, neste mês de Julho, uma crise sanitária sem precedentes, enquanto Governo, DGS, imprensa e gente que se preocupa com a covid-19 se estão perfeitamente borrifando. Dá raiva, porque andámos a tentar salvar pessoas que, se foram salvas em Abril, estão agora a morrer em catadupa.

Fiz um breve exercício, mais um, na já muito vã esperança de alertar consciências. Comparei os óbitos dos primeiros 20 dias de Abril (pico da pandemia; nesse período morrreram 598 pessoas de covid) com os primeitos 20 dias de Julho. Em princípio, comparar estes meses não teria muita lógica: em média por dia, em Abril morrem 295 pessoas (período 2009-2019) e em Julho apenas 263  (idem).

Este ano, porém, por causa da pandemia, acrescida do excesso de óbitos, entre 1 e 20 de Abril morreram 7.570 pessoas (363 por dia), havendo assim um excesso de 1.406 óbitos no período, dos quais 598 foram por covid-19, donde 808 terão sido por outras afecções.

Ora, e o que está a suceder em Julho? Uma hecatombe! Nos primeiros 20 dias, a mortalidade atingiu já 6.689 óbitos, uma quantidade absolutamente anormal, que apenas encontra algum paralelo com 2013 (que teve uma intensa onda de calor de duas semanas). Mesmo assim, 2020 está já bem acima desse ano. A média para Julho de 2020 está nos 334 óbitos por dia, quando a média (2009-2019) é de 263. Ou seja, mais 71 caixões por dia!

Tendo em conta isso, o excesso de mortalidade de Julho, em apenas 20 dias, é já de 1.501 óbitos (portanto, já superior a Abril, no pico da pandemia da covid). Como em Julho apenas morreram 118 pessoas por covid, então temos um excesso não-covid de 1.382 óbitos, o que compara com os 808 óbitos em Abril para o mesmo período de tempo (20 dias).

Não sei o que escrever mais para acordar consciências.


terça-feira, 21 de julho de 2020

DO MEU INFELIZ ACERTO

No dia 12 de Julho, portanto, há 9 dias, escrevi um post intitulado "Da crónica das (muitas) mortes anunciadas" (vd. imagem em baixo), em que me manifestava "verdadeiramente 'apavorado' com aquilo que se avizinha[va] nos próximos dias", face então padrão da mortalidade total dos maiores de 85 anos e aos dias de calor que se anunciavam. Previa uma "hecatombe nos idosos".

Bem sei que, no FB, se costuma mandar muitas "bocas", mas, por regra, quando faço análises sérias sobre a covid, não costumo brincar. Também sei que sou acusado, por muitos, de obscura agenda política, de estar contra o SNS (já devo ter perdido uma boa mão-cheia de amigos, alguns verdadeiros) e de andar "armado" em sapateiro a querer tocar rabecão, porque nenhuma formação tenho de epidemiologia ou medicina.

Que seja! Apenas vos acrescento então agora a situação real, referente até ao dia 20 de Julho (ontem). Comparem os dois gráficos: se no dia 10 a média móvel rondava os 140; agora ultrapassou os 170 óbitos. Para esta época do ano é expectável a morte de cerca de 100 pessoas com mais de 85 anos, A diferença entre as duas linhas (vermelha e amarela) em cada dia deve ser multiplicada pelos 10 dias que medeiam entre 10 e 20 de Julho. São o excesso de óbitos, aqueles que podiam ter sido evitados com medidas de assistência adequadas. Sãomuitas vidas, daquelas que se quis salvar com o "lockdown". Depois, tirem as vossas conclusões. Tudo o que aconteceu era previsível. O braço das políticas públicas da saúde, i.e., o SNS (Governo+DGS), entretanto, nada fez. E parece que ninguém leva a mal. Excepto os que morreram. Mas esses já não se queixam.



DA CURA QUE MATARÁ MAIS QUE A DOENÇA?

No Reino Unido, um estudo do Governo britânico, agora revelado, aponta para a possibilidade de ocorrer um acréscimo-extra de 200.000 mortes por efeito do "lockdown". Vai haver de tudo: aumento de mortes prematuras por cancro, ataques cardíacos, suicídios, violência doméstica, etc., etc.. Até agora, a covid matou no Reino Unido 45.312 pessoas. E eu acho que nós, aqui em Portugal, já estamos a sentir esse triste caminho.  A notícia completa, que saiu ontem, pode ser lida aqui: https://www.theweek.co.uk/107564/could-more-people-die-from-lockdown-than-from-coronavirus


segunda-feira, 20 de julho de 2020

DOS TIROS AO LADO (E NOS PÉS) DA NOSSA IMPRENSA

No dia 18 de Julho, anteontem, morreram 193 idosos com mais de 85 anos. Por covid-19 terão morrido quatro, no máximo (os dados da DGS indicam este número para os maiores de 80 anos).

Ora, nesta altura do ano seria expectável morrerem 100 idosos nesta faixa etária. Estão a morrer a este nível tenebroso perante a incapacidade do SNS de os atender e de suprir as carências num período de temperaturas elevadas mas que nem sequer atingem a onda de calor... Foram, meus senhores e minhas senhoras, mais cerca de 90 mortes a mais num SÓ dia!

E o que faz entretanto, por exemplo, o Público? Ora, uma "mui" oportuna reportagem intitulada: "Como ajudar agora os animais de Santo Tirso?"


DAS LARGAS COSTAS DA COVID

Contabilizando os primeiros 19 dias do mês de Julho, o ano de 2020 já é o mais mortífero, mesmo mais do que o de 2013 que incluiu uma das mais terríveis e duradouras ondas de calor (matou 1.700 pessoas). A covid foi apenas responsável por 112 das 6.254 óbitos registados neste período, ou seja, 1,8% do total.

Conforme mostra o gráfico, seria expectável, para este período, a ocorrência de apenas 5.006 mortes, com um intervalo de confiança (a 95%) entre 4.709 e 5.303 óbitos.

Se se comparar, por exemplo, com 2019, registaram-se este ano, apenas em 19 dias, mais 1.142 mortos. Descontando a covid, são mais de 1.000 mortes a mais. A covid, contudo, fica com os "louros" todos, segundo a DGS, o Governo e para quem acredita que a pandemia deve ser a única coisa a ser priorizada em termos de Saúde Pública.



domingo, 19 de julho de 2020

DO DRAMA DOS VELHINHOS QUE PODEM MORRER DESAMPARADOS DE TUDO MENOS DE COVID

A covid é e foi perigosa para os mais idosos. Mas, por amor dos vossos pais e avós, ou de vós mesmos: o SARS-CoV-2 não está, neste mês de Julho, a ser o principal perigo de vida para os mais idosos. 

Pode-se continuar a meter a cabeça na areia, mas o gráfico que vos ofereço agora, desta vez incidindo na faixa etária dos mais idosos, mostra duas coisas:

a) a covid nunca explicou todo o excesso de mortalidade registada mesmo em Março e Abril neste grupo etário;

b) em meados de Junho a situação da covid-19, como causa de morte neste grupo etário, esteve praticamente controlada. Porém, descontrolou-se com os novos casos em lares (e.g. Reguengos de Monsaraz e Loures). No entanto, a subida da mortalidade foi bastante pequena (quatro óbitos diários para o grupo dos 80 anos).

c) quando as temperaturas aumentam bastante, como foi em finais de Maio e agora especialmente em Julho, a mortalidade dispara neste grupo etário de forma abrupta e tenebrosa. Parece-me ser isto um sinal de grande fragilidade e vulnerabilidade da população idosa depois de tantos "confinamentos" e suspensões de assistência médica desde Março.

Conclusão: amanhã, prevejo, será mais um infeliz e trágico dia de "matadouro". E vai durar, para já, pelo menos até 4ªfeira.


Nota: Os dados da mortalidade por covid referem-se aos maiores de 80 anos (a DGS não indica para os maiores de 85 anos), pelo que o peso da covid neste grupo etário até surge inflacionado. Usaram-se as fontes oficiais indicadas no meu post desta tarde para os grupos etários a partir de 2014 (dados mais antigos).


DO RAIO-X À NOSSA DESGRAÇA EM UMA ÚNICA IMAGEM

Costuma-se dzer que uma imagem vale por mil palavras. 

O gráfico que vos apresento é essa "imagem", neste caso aquela que melhor consegui até agora (julgo) para transmitir estes tempos distópicos que vivemos sob a batuta da covid. 

O gráfico que vos apresento é essa "imagem", neste caso aquela que melhor consegui até agora (julgo) para transmitir estes tempos distópicos que vivemos sob a batuta da covid. O SARS-CoV-2 é, efectivamente, perigoso e letal (sobretudo para os mais idosos), mas a gestão política (e técnica) da pandemia tem sido mais mortífera. Infelizmente, na minha opinião, alicerçada por factos, as opções de política de saúde (health policy, não confundir, portanto, com questões político-ideológicas), incluindo decisões, inacções e omissões, estão a ajudar a levar à tumba mais pessoas do que a covid-19.

Ora, mas que mostra o gráfico? Mostra, ao longo dos meses de 2020 e até ontem, a evolução do excesso de óbitos (e em dois pequenos períodos, em Janeiro e Fevereiro, uma redução favorável, devido a rápido desaparecimento do habitual surto gripal deste ano) em relação à média (mortalidade expectável), calculada para o período 2009-2019.

Parece-me ser de fácil interpretação, mas dou-vos a minha:

a) estamos em Julho, agora mesmo, no presente, a viver a crise de mortalidade de mortalidade mais grave deste ano, pavorosa mesmo, que é bem superior ao pico da pandemia em Abril. O excesso de mortalidade chegou ontem aos 105 óbitos (em Abril, o pico rondou os 80, sendo que cerca de 30 óbitos eram de covid; agora a média de óbitos por covid é de apenas 4!), "ajudado" pelo tempo quente (que eu já avisara há dias poder vir a provocar mortalidade elevada, devido sobretudo à maior fragilidade da população vulnerável e à pouca relevância que o SNS sempre botou a estes eventos meteorológicos; notem porém que nem sequer estamos ainda em fase de onda de calor do ponto de vista meteorológico, estando as temperaturas da última semana muito aquém da situação vivida em Julho de 2013 e Agosto de 2018).

b) a subida recente do excesso de mortalidade tem uma inclinação pavorosa, fruto de sete dias contínuos de mortalidade bem acima dos 300 óbitos. A média móvel de cinco dias tem sido largamente superior a 300 óbitos há 11 dias consecutivos (a média no período 2009-2019 varia entre os 260 e 270 óbitos por dia). Ontem, dia 18, fixou-se nos 364 óbitos. 

c) O impacte directo do SARS-CoV-2 (através da mortalidade por covid-19) foi importante na segunda quinzena e relevante em Abril), mas nunca conseguiu "explicar "o excesso de mortalidade que se "instarou" em Portugal desde Março. Têm sido colocadas hipóteses (a evidente fuga das urgências, com efeitos adversos na ocorrência de doenças súbitas fatais), mas parece-me existirem já factores “estruturais”: em finais de Maio (vejam o pico de excesso, que atingiu cerca de 60 óbitos) já tinha havido uma pequena onda de calor, denunciando uma grande vulnerabilidade na população mais idosa (sempre a mais vulnerável). Escrevi sobre isso na altura. Agora, essa vulnerabilidade espraia-se em todo o seu horror. E o pior ainda pode suceder.

d) por fim, o Governo e o SNS andam supostamente preocupados com um novo surto de covid-19 no Inverno. Podem e devem pensar nisso, mas temo que, se tivermos temperaturas acima de 35 graus durante muitos dias seguidos neste Verão, vamos assistir, muito antes disso, a uma hecatombe jamais vista em Portugal. Tudo por causa do medo, da ânsia, do desacompanhamento físico e emocional dos mais idosos e vulneráveis, do adiamento de consultas, diagnósticos, exames e cirurgias, do tempo quente, e sobretudo por causa de um SNS e de um Governo incapazes de ver a política sanitária sem as deturpadas “lentes da covid”. No fim, culparão eles, o SARS-CoV-2, que pode ser microscópico mas tem as costas largas. Podem sair ilibados; mas as mortes, essas, as desnecessárias, as excessivas, essas ninguém as vai “lavar”.

Nota 1: Para a elaboração dos gráficos usaram-se os dados do SICO da DGS (https://evm.min-saude.pt/#shiny-tab-a_total), os dados dos boletins diários da DGS (desde Março até hoje, vd. aqui: https://covid19.min-saude.pt/relatorio-de-situacao/). Para atenuar variações bruscas diárias utilizou-se a média móvel de cinco dias tanto para a mortalidade total diária de 2020 como para a média (2009-2019) e também para a mortalidade por covid-19. O excesso (ou redução favorável) foi calculado diariamente, subtraindo o valor de 2020 à média do período 2009-2019. Note-se que este exercício deve ser visto sobretudo como indicador de variação na evolução da mortalidade ao longo de 2020. Sendo certo que não se usaram intervalos de confiança (que poderiam atenuar ou agravar a evolução, dependendo de se olhar para o limite superior ou inferior do intervalo), também não se considerou (por não ter acesso aos dados) a redução da mortalidade por outras doenças infecciosas do foro respiratório (observou-se sim uma forte redução de episódios deste tipo de doenças, como pneumonias e bronquites, desde Março, em virtude do distanciamento social, o que terá causado uma redução da mortalidade por esta via).


sexta-feira, 17 de julho de 2020

DO SOL VS. SARS-COV-2: HISTÓRIA DE UMA TRISTE ABADA

Vamos a contas: em três dias (14, 15 e 16 de Julho), o imprevisível e desconhecido SARS-CoV-2 matou 14 pessoas; o conhecido e previsível Sol terá matado 304 pessoas (com um intervalo de confiança, a 95%, entre 275 óbitos e 333 óbitos).

Significa assim que a covid-19 terá sido responsável por 1,3% das mortes nestes três dias; as afecções associadas ao tempo quente (ainda nem é uma onda de calor) contribuíram com 28,3% dos óbitos, e as restantes causas com 70,4%. Resumo: o tempo quente, para quem a DGS aconselha água e fresco, matou, em apenas três dias, 21 vezes mais pessoas do que a covid no mesmo período. Eu avisei há dias que a "coisa" (tempo quente) não seria meiga.

Não consta que a DGS tenha feito nenhum balanço sobre esta matéria nem dito o que fez para atenuar os efeitos.


DO ESTADO DE SÍTIO

Hoje, tópicos telegráficos e uma pergunta final:

a) na primeira quinzena de Julho de 2020, morreram 2.034 idosos com mais de 85 anos.

b) durante este período, morrreram 65 idosos com mais de 80 anos por covid-19

c) mesmo assumindo que todos tinham mais de 85 anos, significa que a covid foi a causa, neste período,de 3,2% do total

c) a média de óbitos deste grupo etário no período 2014-2019 foi de 1.481 óbitos.

d) o total de óbitos deste grupo etário em 2020, excluindo a covid, foi de 33,0% em relação à média, e de

d) o número mínimo de óbitos neste período foi de 1969.

e) excluindo a covid, o acréscimo de óbitos totais em 2020, neste período, foi de 20,3% em relação ao segundo ano mais mortífero no período em análise (2019).

Pergunta: a covid-19 está a ser, neste momento, o maior problema de saúde (de vida e de morte) para os mais idosos?