sábado, 16 de janeiro de 2021

DO CAOS AO DESERTO EM 24 HORAS

Depois de terem perdido a fila de ambulâncias de ontem, os jornalistas não deviam perder a oportunidade de entrevistar em directo a ÚNICA pessoa que está, neste preciso momento, nas sala de Urgências (para atendimento) do Hospital de Santa Maria. 

Mas têm de correr mesmo, não vá ele ir-se embora entretanto, até porque só está com a pulseira amarela....


DA GRANDE FARSA

Depois de ontem um "oportuno" vídeo ter mostrado uma fila de ambulâncias nas urgências do Hospital de Santa Maria, estou à espera de ver o mesmo esta noite. Por agora, consultando o site do SNS estão apenas 4 pessoas a ser atendidas. No entanto, sabe Deus (ou se calhar nem Ele) se não estão, agora mesmo, a caminho umas 20 ou 30 ambulâncias para as fotografias.

Nem de propósito, hoje um administrador do Hospital de Santa Maria veio dizer que em "15 dias, a procura [hospitalar] cresceu 70%", traçando um cenário apocalíptico se as pessoas não se portassem  bem.

Eu, que já me devia chamar Tomé (embora não seja Santo), fui ver como estiveram as urgências, bem como os internamentos resultantes dessas urgências no Santa Maria, ou melhor, no Centro Hospitalar de Lisboa Norte, onde ele se integra (e é o principal hospital). Fui ver dados oficiais.

Pois bem, vejam os gráficos com dados do SNS. Oficiais, portanto. 

Entre 1 e 14 de Janeiro de 2021 houve 6.157 episódios de urgência neste centro hospitalar que contrasta com 10.196 episódios no mesmo período de 2020 (queda de 40%). Nos internamentos (vindos das urgências, que inclui entrada de doentes covid), entre 1 e 14 de Janeiro de 2021 houve 719 casos, o que contrasta com 1.055 em igual período de 2020 (queda de 32%). Notem também que os valores dos últimos dias disponíveis (13 e 14) nem são sequer os mais elevados de Janeiro de 2021.

Se compararmos estas duas semanas de Janeiro (1-14) com as duas últimas semanas de 2020 (18-31 de Dezembro) verificamos que houve apenas um acréscimo de 5% nos episódios de urgência (e não 70%), passando de 5.878 para 6.157 episódios. No caso dos internamentos, as duas primeiras semanas de Janeiro de 2021 tiveram apenas mais três casos do que as duas últimas semanas de Dezembro de 2020. Note-se que as afluências às urgências, mesmo com a vaga de frio, continuam abaixo dos valores mais baixos pré-covid em qualquer mês do ano.

É certo que os protocolos para a admissão de doentes-covid são mais complexos, mas basta de mentiras sobre mentiras sobre mentiras. Esta farsa não pode continuar. É pornográfica, porque estamos a falar em vidas humanas. Assustar, implicita e explicitamente, as pessoas para que não irem aos hospitais porque se cruzam com doentes-covid ou porque as urgências estão (falsamente) cheias é eticamente reprovável. E chega a ser criminoso.

Fonte: SNS




DO FUGIR POR ENTRE OS PINGOS DA CHUVA OU DA NECESSIDADE DE ACORDAR ANTES DE SE MORRER

Antes de 2021, contabilizavam-se apenas três dias com mais de 500 óbitos diários (desde que se iniciaram estes registos, em 2009). Neste nosso Janeiro, o nosso Inverno do Descontentamento, que conta por agora 16 dias, teremos em princípio com a contabilização de hoje, 12 dias consecutivos com mais de 500 óbitos e sete dias consecutivos com mais de 600 óbitos. O dia mais morífero é 11 de Janeiro com 661 óbitos.

Isto não é tudo por causa da covid, embora com a "narrativa" criada em redor do Natal e do Ano Novo, e dos abraços e beijos, e das máscaras supostamente que não se usavam, e dos ministros que afinal também ficaram infectados, tudo se centra agora na covid, e nada no resto. A Imprensa fala de covid. O Governo fala de covid. O Presidente da República fala de covid. Os candidatos a Presidente da República falam de covid. O Povo fala de covid. Os Intelectuais falam de covid. Ah, e também de livrarias. 

E quase ninguém fala do resto. E o resto é tudo. O resto é o caos que é, não sendo dito, culpa do Governo. É,.E deveria ser um ponto inicial para uma discussão. Para acção. 

O resto é um população, sobretudo débil, sobretudo idosa, ainda mais débil agora por desacompanhamento médico ao longo dos últimos 10 meses; que chega ao Inverno e apanha uma vaga de frio sem que haja um plano de contingência, 

Que chega ao Inverno e apanha uma vaga de frio com campanhas da DGS a apelarem para não correr para as urgências se se sentir doente. 

Que chega ao Invermo e apanha uma vaga de frio, e tem medo de ir às urgências se se sente doente, porque também vê agora na TV umas filas de ambulâncias plantadas em certos hospitais, apesar do número de atendimentos nas urgências estarem actualmente muito mais baixo do que em Janeiro de 2020 (p. ex., anteontem houve 11.224 episódios de urgência hospitalar; no mesmo dia em 2020 houve 19.679). 

O desastre em termos de Saúde Pública anda aí a ceifar vidas sem que ninguém questione o Governo. É tudo por causa da covid, não é? É só a covid que justifica que nos primeiros 3-4 dias de Janeiro a mortalidade estivesse na casa dos 400 óbitos diários, e agora estarmos bem acima dos 600, não é? 

É só por causa da covid que nas duas primeiras semanas de Janeiro tenham morrido 1.696 pessoas em Lisboa quando a média é de 1.080? É só por causa da covid que a mortalidade no distrito de Évora aumentou 78%., não é? E que o Alentejo inteiro (pouco habituado ao frio) está a ter uma enome mortandade neste Janeiro, sendo que o acréscimo não é tão grande no Norte (onde o frio é mais suportável pela população), não é? 

Morre-se só por causa da covid, não é? O Governo anda interessadíssima que se fale só de covid, assim se furtando de responsabilidades pela covid e tudo o resto, que é tudo. É toda uma arte de se fugir da chuva por entre os pingos da chuva. Não é para todos. António Costa está, neste aspecto, de parabéns como líder de um Governo que quer manter o poder. Porém, como primeiro-ministro de um país que deveria ser decente, não.

Apetece-me dizer-vos ao gritos: ACORDEM, ANTES DE MORREREM!

DO COLAPSO

Errei por 6 a previsão do número de óbitos de ontem, mas esse erro deve-se a um problema muito mais grave: a taxa de mortalidade nos internados aumentou um bocadinho mais (basta umas centésimas para tal acontecer). Faço nova previsão: 169 para o dia de hoje (16/1). Existe obviamente uma margem de erro, sendo que se o valor for mais elevado significa que houve ainda mais degradação do colapso no SNS; se for menor, uma melhoria.

Porém, nas minhas análises, apurei um aspecto mais relevante e preocupante: estes valores estarão sempre nesta ordem de grandeza enquanto, efectivamente, não se conseguir descer o número de internados para baixo dos 3.500. O Governo tem agora uma estratégia: como se fiou na sorte e não apostou num reforço de meios humanos e técnicos (anunciou apenas camas, que nem sequer parecem existir), exige agora que não fiquemos doentes. Se se morrer, a culpa é do doente. Imaginem no futuro alguém ter um acidente de trabalho, ser levado ao hospital e o encontrar fechado: morre mas a culpa é sua, porque foi descuidado e sofreu o acidente.

Notem que em 23 de Outubro existe um comunicado do SNS do onde se refere taxativamente que existe "um total de 17.700 camas para assistência à pandemia". (vd. aqui).

Como chego ao número de internamentos a partir dos quais o sistema entra em colapso. De uma forma muito simples: sendo os óbitos uma função dos internamentos, fui verificar se se verifica uma tendência linear à medida que os internamento aumentam. Até aos 2.500 intrernados é quase: por cada mil internados ocorrem cerca de 20 óbitos. Porém, a partir dos 2.500 internados, os óbitos já apresentam uma grande amplitude, e sobretudo a partir dos 3.500 internamentos (a situação actual), o desastre evidencia-se. Notem que em todos os cinco dias com mais de 4.000 internados, o número de óbitos diários suplantou os 140.

Se não houvesse colapso, e estivessemos perante um SNS bem oleado, a mortalidade de ontem (166 óbitos) seria alcançável apenas quando se registassem cerca de 6.500 internamentos. E, na verdade, com o actual número de internamentos deveríamos ter entre 100 e 110 óbitos.

Tendência para os próximos dias: os níveis de mortalidade vão manter-se nesta escala de grandeza. 





sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

DO CONTO DE NATAL COMO PARTE DA ANTOLOGIA "A GRANDE NARRATIVA"

Há toda uma narrativa, já enraizada no Povo, pela Imprensa e Governo, de ter sido o Natal e o Ano Novo que fizeram disparar em Janeiro os casos positivos, os internamentos e as mortes. 

Ou seja, a culpa foi exclusivamente das pessoas e dos seus encontros familiares e com amigos, e não é culpa da natureza de um vírus sazonal, nem é culpa dos contactos nos transportes ou no emprego, nem é culpa do Governo que não soube equipar o SNS com meios necessários para uma doença que, pelos protocolos impostos, necessitava de um reforço de meios para este Inverno.

Bem se sabe que a transmissão do SARS-CoV-2 é maior do que as de outros agentes infeciosos. Porém, também é certo que, nos outros Invernos e nos outros Natais e festividades do Ano Novo, as pessoas tiveram incomensuravelmente uma muitíssimo maior proximidade, o que deveria, se assim fosse líquido, ter desencadeado nas semanas seguintes muiíssimas mais infecções, e portanto muito mais gripes e outras infecções respiratórias.

Será sempre assim? Fui ver. E a resposta é. não!

Peguei nos registos do SNS das gripes e outras infecções respiratórias do dia 23 de Dezembro dos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, comparando-os com o dia 14 de Janeiro do ano seguinte.

No período 2020-2021, embora com níveis muito mais baixos, é certo que as infecções respiratórias aumentaram. Porém, nos anos 2016-2017, 2017-2018 e 2019-2020, os casos de infecção respiratória em 14 de Janeiro eram inferiores aos registados na antevéspera do Natal anterior. Em 2018-2019 aumentaram, mas não me parece que tenha existido comportamentos diferentes das pessoas durante as festividades, Sucedeu assim porque, enfim, não se controla tudo, mesmo sabendo que existe uma sazonalidade nas infecções respiratórias, não se podendo determinar uma causa directa entre Natal/Ano Novo e aumento de infecções respiratórias.

Em suma, a ideia enraizada do Natal e Ano Novo terem feito disparar as infecções respiratórias, e, por dedução, os casos positivos de covid, carece de evidência. Mas faz já parte da Grande Narrativa de culpabilização dos portugueses.

Fonte: Monitorização da Gripe e Outras Infecções Respiratórias (SNS, aqui).

DA EFICÁCIA HOSPITALAR E DO COMO ISSO PODE FAZER UMA DESGRAÇA

Durante as últimas semanas, Governo e comunicação social tentaram, e conseguiram, criar a ideia da existência de uma relação directa e linear entre casos positivos, internamentos e mortes. Não é bem assim, pelo contrário, como ontem bem demonstrei. 

Com efeito, caso não haja aldrabice na contabilização dos óbitos por covid (para atenuar o excesso de mortalidade não-covid), então Portugal assistiu a uma degradação acentuada dos níveis de eficácia no tratamento hospitalar desta doença nos últimos cinco meses.

Em Setembro e Outubro (Cenário OUT), a taxa de mortalidade diária dos internados rondou 1,5%. Ou seja, sobreviviam (para o dia seguinte) 98,5% das pessoas internadas.

Em Novembro e Dezembro (Cenário DEZ), esta taxa de mortalidade diária subiu para 2,5%, significando assim um agravamento da eficácia hospitalar.

Agora, em Janeiro (Cenário JAN), a taxa de mortalidade está já a rondar os 3,5%. 

Parecendo uma subida pequena, as consequências de uma perda de eficácia hospitalar são dramáticas, mesmo quando estamos a falar de subidas aparentemente perquenas (2 pontos percentuais entre Outubro e Janeiro).

Para se ter uma ideia mais concreta em termos de óbitos, vou começar, sempre se que revelar possível e pertinente, a minha previsão de óbitos para o dia corrente (face ao número de internados do dia anterior e à taxa de mortalidade vigente), confrontando com o número de óbitos (para o mesmo número de internados) que se teriam se a eficácia de tratamento hospitalar estivesse nos níveis de Outubro e de Dezembro (Cenários OUT e DEZ, respectivamente).

Talvez isto recentre o debate: a fatalidade de uma doença, independentemente de ser covid, nunca depende apenas do doente, mas depende sim fortemente do investimento de um Estado nos cuidados de saúde destiados a curar o doente. Isto parecia evidente no passado; parece que o Governo e a Imprensa nos inculcaram a ideia que não; que a culpa é exclusivamente dos doentes que ficam doentes.

Assim sendo, amanhã, a DGS deverá divulgar que morreram ao longo do dia de hoje 160 pessoas com covid. Seriam menos 46 por covid se os hospitais estivessem com a eficácia de Dezembro; seriam menos 92 mortes por covid se estivessem com a  eficácia de Setembro.

Quem não tiver podido ir às livrarias hoje, não tendo assim nada para se entreter, tem aqui um bom ponto de reflexão.

Nota: Não faço esta previsão para me armar em, Zandinga, nem com o objectivo de acertar no Euromilhões. Reparem apenas numa coisa;: se o valor efectivo das mortes for superior ao que indico, então a eficácia do tratamento hospitalar ainda piorou; se o número de óbitos for inferior, então melhorou ligeiramente.

Fonte: Boletins diários da DGS.

DAS ELITES E DOS LIVROS

Em resumo, estamos como estamos na actual situação, má até a nível internacional, por duas simples razões: 1) as infecções na população idosa (mais de 80 anos) está descontrolada, sobretudo por causa dos lares; 2) a taxa de mortalidade dos internados está mais de 3 vezes superior à registada em Setembro (ou seja, mais mortes não se deve sobretudo à existência de mais internados, mas sim ao colapso do sistema de saúde).

No entanto, vejo muitos amigos e conhecidos daquilo que se pode chamar “elites da Cultura”, por aqui, muito ciosas da necessidade de confinamento GERAL de TODA a população, mas sem exigir medidas eficazes de controlo das infecções nos lares e sem exigir responsabilidades ao Governo por não ter reforçado o SNS (durante o Verão) na luta contra a covid sem ser à custa do adiamento de consultas e agora até cirurgias oncológicas (e nem assim será suficiente).

Vejo, no entanto, agora, essas elites tremendamente preocupadas e escandalizadas com a falta de lógica por não se deixar as livrarias abertas. As livrarias.

Porém, acham lógica em tudo o resto. 

Eu acho que, de facto, deveria manter-se as livrarias abertas. Mas só com autorização para vender uns livros de Matemática básica, de como interpretar dados e gráficos, de estratégias de Saúde Pública e sobre manipulação de massas. E esperava, depois, que as elites da Cultura fossem lá a correr em vez de continuarem a olhar para o umbigo. E para que se instruíssem. A Cultura não é só artes.

DO ONDE SE PERDE UMA GUERRA

Sempre assumi, praticamente desde o início da pandemia, ser evidente que a covid era uma doença infecciosa que constituía um perigo efectivo, do ponto de vista da Saúde Pública, apenas para a população mais idosa (maiores de 80 anos), e marginalmente para uma franja de pessoas vulneráveis (com determinadas comorbilidades).

Foram também incontáveis os alertas que fui fazendo, ao longo dos meses, sobre a imperiosa necessidade de encontrar uma estratégia sólida e eficaz para os lares, onde vivem cerca de 100 mil pessoas com uma média de idade a rondar os 85 anos. Também me foi sendo cada vez mais evidente que esse grupo etário dos maiores de 80 anos (que tem constituído cerca de 2/3 do total das mortes com covid) não estavam a ser infectado pelos grupos etários mais jovens segundo uma lógica geracional, isto é, serem os filhos ou netos a contaminarem os pais ou avós.

Na verdade, olhando agora para a taxa de incidência dos casos positivos por grupo etário - que já não actualizava há alguns meses (e houve um pulo enorme deste Novembro) -, mais se confirma um padrão associado à mobilidade e à sociabilidade (vd. gráfico, sobretudo as barras vermelhas). Quem se movimenta mais e socializa mais tem maior probabilidade de se infectar. Com efeito, a incidência dos casos positivos cresce  do grupo etários dos 0-9 anos para os 10-19 anos, e atinge um topo (7,2%) no grupo dos 20-29 anos (estudantes e jovens adultos). A seguir há um contínuo decréscimo nos grupos etários mais velhos, até chegar aos 3,3%, no grupo dos 70-79 anos, a primeira faixa dos reformados. Porém, depois não continua a descer para o grupo seguintes (maiores de 80 anos), e isso é um grandíssimo problema. 

De facto, é a partir dos 80 anos que, claramente, se está a perder a guerra. Numa idade com menores contactos sociais e mobilidade (até em comparação com o grupo dos 70.79 anos), os maiores de 80 anos apresentam actualmente uma taxa de incidência acumulada de 6,8%, a segunda maior, pouco atrás do grupo líder (20-29 anos). Em comparação mais uma vez com o grupo antecessor, o crescimento desde Novembro é colossal, passando de 1,8% para 6,3% (mais 4,5 pontos percentuais), enquanto  na faixa etária dos 70-79 anos se passou dos 0,9% para 3,3% (subida de 2,4 pontos percentuais).

Como é de admitir que a esmagadora maioria das pessoas do grupo dos 70-79 anos não é institucionalizada (ou seja, não vive em lares), enquanto cerca de 15% das cerca de 670 mil pessoas com mais de 80 anos vive em lares, será de admitir fortemente que é nos lares que está a raiz do problema. Ou seja, são os cerca de 100 mil idosos institucionalizados em lares que estarão a "empurrar" para cima a elevada taxa de incidência dos maiores de 80 anos.

Quanto? Ninguém sabe porque as informações sobre a situação dos lares continua sem ser validada e conhecida com rigor. Custa a DGS divulgar esses dados com detalhe, e nem parece que haja medidas no terrenos para inverter esta elevadíssima taxa de incidência (só desde o início do ano, em 13 dias apenas, subiu ,2 pontos percentuais).

Vejam que é aqui que estamos a perder a guerra (como, aliás, uma parte importante dos países do mundo ocidental). E não devia acontecer. Numa estratégia eficaz, seria, digo eu, aceitável e até exigível que a taxa de incidência dos maiores de 80 anos fosse (não digo já menor) similar à da faixa dos 70-79 anos, isto é, 3,3%, em vez dos 6,3%. Se assim fosse, significava que em vez de se contabilizarem 42.057 casos positivos desde o ínicio da pandemia, se teria afinal 22.374 casos, o que significava menos 19.683 infecções. E isto é muito.

Se em populações jovens, mais mil menos mil casos positivos, e mesmo mais 20 mil ou menos 20 mil, vai dar ao mesmo (ou seja, níveis nulos ou quase nulos de mortalidade), nos maiores de 80 anos essas diferenças contam. E muito.

De facto, se a taxa de incidência nos maiores de 80 anos fosse de 3,3%, em vez de 6,3%, uima redução dos tais 19.683 casos positivos significaria, à actual taxa de letalidade de 15%, menos cerca de 2.950 vidas perdidas.

Vejam bem. Vejam porque tenho insistido na questão dos lares, e considerado ser um esforço inglório, inútil e contraproducente (de todos os pontos de vista) as tentativas de controlar todas as infecções por covid na população, perante a baixíssima gravidade para a esmagadora maioria da população portuguesa. A guerra contra a covid está nos lares, onde sim é bastante mortífera, sobretudo por via das debilidades quer dos utentes quer das próprias instituições. 

Confesso que as mudanças estruturais para reformar os lares teriam de ser hercúleas, mas não seria melhor isso do que assistirmos a estúpidos confinamentos, ao colapso da vida social, da Economia, da própria Saúde Pública? Torna-se premente tratar esta pandemia com racionalidade, de contrário continuará a causar (ou causará) mais mortes colaterais do que o próprio vírus. E não salvaremos os velhos.



quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

DO GOVERNO DO POVO E DOS CONFINAMENTOS

Faz todo o sentido que, desde Outubro, um Governo com uma taxa de incidência de covid de 15,0% (3/20 ministros) desde Outubro mande confinar o Povo que, em igual período, regista uma taxa de incidência de 4,3%, porque se andou a portar mal. O povo! Não os ministros!

N.B. - Agora com dados: desde 1 de Outubro registaram-se 437.741 casos positivos, correspondentes a 4,3% da população. Se a taxa de incidência da população fosse similar à dos membros do Governo (15%), entâo haveria 1.527.003 casos positivos. Muito bem se anda a portar os governados face aos governantes.



DAS REVELAÇÕES OU DA HISTÓRIA DO ACERTO NA PREVISÃO E OUTRAS COISAS MAIS IMPORTANTES

O prometido é devido.  E gostaria muito que esta longa explicação fosse lida pelo maior número possível de pessoas.

Vou explicar como esta madrugada, previamente acertei, até à unidade, na mortalidade por covid anunciada esta tarde pela DGS.

Porém, mais importante do que isso, desejo demonstrar que estamos perante um de dois cenários:

Cenário 1 – O tratamento dos doentes-covid piorou assustadoramente desde Setembro, e sobretudo a partir de Janeiro.

Cenário 2 – Sobretudo com a vaga de frio deste Janeiro, a DGS está a manipular as estatísticas da mortalidade por covid para “mascarar” acréscimos de mortalidade não-covid, que denunciariam o colapso do SNS na assistência de outras doenças com repercussões nos óbitos totais.

Talvez a melhor forma de compreenderem será através de uma analogia.

Imaginem que têm um café e eu vos empresto 100 copos para servir 100 clientes. No dia a seguir, vocês dizem-me que um se partiu. Posso dizer que 1% dos copos se partiram. Aplicando aos internamentos da covid (e sempre com base nos dados da DGS), dir-vos-ei que em Setembro, em cada 100 internados num determinado dia, observava-se sensivelmente uma morte no dia a seguir. Ou seja, tal como nos copos, a taxa de mortalidade nos internamentos era de 1% (vd. nota 1 em baixo).

Imaginem agora que o fluxo de clientes do café (ou internados covid) aumentam para 1.000 clientes e, portanto, eu vos empresto 1.000 copos. Por causa desse aumento em 10 vezes do número de copos, já eu sabendo que se partia 1 em cada 100, eu esperava que se partissem 10 copos. Porém, no dia a seguir vocês avisam-se que se se tinha partido 25 copos. Ou seja, partiram-se 15 copos a mais do que seria expectável, e portanto a “taxa de mortalidade” dos copos passou de 1% para 2,5%. Este valor de 2,5% corresponde à taxa de mortalidade que, efectivamente, se passou a observar entre a segunda metade de Novembro e todo o mês de Dezembro nos hospitais com internados por covid.

Isto é, a mortalidade absoluta por covid decorreu do aumento de pessoas internadas (a média diária de pessoas em internamento em Setembro foi de 491; e na segunda metade de Novembro e em Dezembro subiu para uma média de 3.119), mas também houve um agravamento porque se passaram a partir mais copos, ou seja, a não sobreviverem em cada dia do último mês do ano tantas pessoas,  em proporção, como sucedia em Setembro.

Como espero que já tenham percebido a mecânica, abandono a analogia dos copos, e centro-me no que aconteceu em Janeiro com os doentes-covid. Apesar de um aumento diário do stock diário de internados (resultante dos internados do dia anterior e dos fluxos de entradas e saídas), que levou a uma subida de 2.858 em 1 de Janeiro parar 4.368 no dia 14 de Janeiro – e que, por si só, resultaria num acréscimo de mortalidade, aquilo que se observou foi um nova e impressionante escalada na taxa de mortalidade dos internados, de sorte que, num pulo, se passou a situar próximo dos 3,5%, se considerada, como fiz, a média móvel de sete dias. Ou seja, indica uma redução de taxa de sobrevivência diária nos internados de 96,5% no dia de ontem, o que contrasta com cerca de 99% em Setembro. 

Isto pode parecer uma coisa de pormenor, mas tem um efeito brutal na mortes por covid. Com efeito:

a) Se eu aplicar uma taxa de mortalidade de 3,5% aos internados do dia 12 de Janeiro (4.220), eis que obtenho os 148 óbitos para o dia 13 (ontem), o valor que adivinhei (AQUI ESTÁ A REVELAÇÃO MUI SIMPLES).

b) Se eu aplicar uma taxa de mortalidade de 2% (que era a que tinha, com muito ligeiras variações, entre a segunda metade de Novembro e o final de Dezembro) aos internados do dia 12 de Janeiro (4.220), teria então 106 óbitos. Ou seja, menos 42 pessoas mortas apenas num só dia pelo efeito exclusivo da taxa de mortalidade. 

c) Se eu aplicar uma taxa de mortalidade entre 1% e 1,5% (que foi a que se registou em grande parte de Setembro e Outubro) aos internados do dia 12 de Janeiro (4.220), teria então entre 42 óbitos (taxa de 1%) e 63 óbitos (taxa de 1,5%). Ou seja, entre menos 85 e 106 pessoas mortas apenas pelo efeito da taxa de mortalidade. 

Reparem não são valores irrelevantes, mesmo nada irrelevantes, e recentram, na minha opinião, a discussão em termos da eficácia do SNS na resposta à epidemia. Sendo certo que existe uma relação entre maior número de internados por causa do aumento de casos positivos, existe um efeito importantíssimo na eficácia dos serviços hospitalares. 

Este brutal e muito repentino agravamento da taxa de mortalidade pode ter várias explicações (entre as quais a maior debilidade dos internados por causa da repentina vaga de frio), mas também pode resultar na incapacidade do Governo no reforço do SNS para o atendimento dos doentes-covid, não ainda ao nível de camas, mas nos recursos humanos. Ou seja, não podemos continuar a aceitar que o ónus do problema fique sistematicamente do lado dos infectados, quando, na verdade, está muito no lado do SNS, na sua capacidade de resposta ao afluxo de internados.

Porém, e seria bom que os médicos dos hospitais (e a su Ordem) se pronunciassem, e que nos digam se sim ou se não estão a conseguir salvar, proporcionalmente agora, tantas pessoas como em Setembro. E se não estão, porquê. 

Porque se afinal estão a salvar a mesma proporção (isto é, a taxa de mortalidade não se mexeu), então tem de se concluyir que a DGS anda a manipular dados para não mostrar que há excesso não-covid (Cenário 2); só que, fazendo-o, deixa um “rabo” de fora. 

Na verdade, não há grande escapatória: se não está a suceder um acréscimo de óbitos não-covid por causa da ruptura do SNS, está então a ocorrer um acréscimo não natural de mortes por covid por causa da ruptura do SNS. Não há mesmo escapatória possível. A não ser andar a culpar os portugueses, tornado-os bodes expiatórios, mas sem a parte do expiatório.

Nota 1: O número de internados anunciados é o “stock” ao final do dia decorrente do número de internados no dia anterior, adicionados aos novos internamentos e deduzidas as saídas, que podem ser por duas vias: os doentes que receberam alta e aqueles que faleceram. A taxa de mortalidade do dia N é, assim, a divisão dos óbitos nesse dia pelo todos os internados do dia anterior (que era a população susceptível de morrer). Noutro prisma, por exemplo, uma taxa de mortalidade no dia N pode ser “transformada” em taxa de sobrevivência dos internados do dia N-1 no dia N, quer porque continuavam internados quer porque tinha recebido alta. 



DA MAGIA DOS NÚMEROS

Garanto-vos que não tive esta madrugada (6h30) acesso antecipado à base de dados da DGS sobre as mortes por covid. Mas como podem ver (e não fiz acertos, como basta observar nas edições do post, para quem não o leu) acertei na "mouche" há 9 horas quando adiantei que iriam ser anunciadas estas tarde 148 mortes por covid.

Adivinhei? Nã! Descobri apenas como se consegue prever as mortes que o Governo vai anunciando. E não dependem sequer do número de casos positvos. 

Mais tarde explico a "magia"...




DAS ESCOLHAS

Há pessoas que gostariam que não vivêssemos para não morrermos.


DO PORTUGUÊS E MEIO OU DO RIDÍCULO

O Público continua a desbobinar números como uma máquina acéfala. Como sabemos, algum jornalista engraçou com a Índia e, mesmo existindo máquinas de calcular, não as sabe sequer usar. Publica tudo. Porta-se como muitos copistas da Idade Média que, na verdade, nem sabiam ler: apenas copiavam o formato das letras de um livro para as páginas de outro.

Hoje lá vem mais um número merecedor de destaque noticioso: ontem, morreram de covid 198 indianos. Como a Índia tem cerca de  1,353 mil milhões de habitantes, isto corresponde cerca de um português e meio. Ontem, em Portugal, o Governo disse-nos que morreram, por cá, morreu-se proporcionalmente 100 vezes mais.

P.S. Estou a imaginar alguém na Índia a escrever um post: “vejam lá que em Portugal, um minorca país no extremo da Europa, no dia 12 de Janeiro deixou-se morrer 156 pessoas com covid numa população de apenas 10,3 milhões; se tivéssemos essa proporção então em vez dos nossos 198 compatriotas mortos iríamos lamentar 20.492”.

DA PREVISÃO

Não sou o Zandinga, mas direi que esta tarde a DGS indicará 148 óbitos por covid (mais coisa menos coisa). 

Eu, mais tarde, virei aqui explicar que deveriam ser 64 (valor aproximado), se o SNS estivesse a trabalhar como em Setembro e parte de Outubro; ou 106 (valor aproximado), se o SNS esttivesse a trabalhar como em parte de Novembro e Dezembro. Depois explico... com contas e gráficos. Com base em dados oficiais, como sempre. Aqui nada se inventa.



quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

DA “PANDEMIA” DO FRIO

Em Setembro morrem em média cerca de 250 pessoas por dia. Em Dezembro, por causa da gripe e do frio, em ano normal é expectável que esse valor seja de 400. Significa que gripe+frio causam, grosso modo, directa e indirectamente 150 óbitos. 

Ontem e anteontem morreram, em cada dia, qualquer coisa como 650 pessoas. Destas, sabemos agora que 150 morreram de covid, que substituiu completamente a gripe e sobretudo doenças mortíferas associadas (pneumonias e afins). 

Então, se acrescentarmos aos 150 óbitos a tal mortalidade base (250), devíamos estar a ter 400 óbitos. Porém, tivemos 650! Donde significa que o frio é a “pandemia” ignorada por estes dias: matou, grosso modo, directa e indirectamente, 250 pessoas em cada um destes dois dias. Uma coisa não falada, obviamente, pela ignara Imprensa. E isto, não tenho dúvida, se deveu muito por o SNS estar em colapso.