quarta-feira, 22 de julho de 2020

DA "ARTE" DE SE VENDER MAIS 71 CAIXÕES POR DIA EM JULHO SEM PEDIR "AJUDA" À COVID

Estamos a viver, neste mês de Julho, uma crise sanitária sem precedentes, enquanto Governo, DGS, imprensa e gente que se preocupa com a covid-19 se estão perfeitamente borrifando. Dá raiva, porque andámos a tentar salvar pessoas que, se foram salvas em Abril, estão agora a morrer em catadupa.

Fiz um breve exercício, mais um, na já muito vã esperança de alertar consciências. Comparei os óbitos dos primeiros 20 dias de Abril (pico da pandemia; nesse período morrreram 598 pessoas de covid) com os primeitos 20 dias de Julho. Em princípio, comparar estes meses não teria muita lógica: em média por dia, em Abril morrem 295 pessoas (período 2009-2019) e em Julho apenas 263  (idem).

Este ano, porém, por causa da pandemia, acrescida do excesso de óbitos, entre 1 e 20 de Abril morreram 7.570 pessoas (363 por dia), havendo assim um excesso de 1.406 óbitos no período, dos quais 598 foram por covid-19, donde 808 terão sido por outras afecções.

Ora, e o que está a suceder em Julho? Uma hecatombe! Nos primeiros 20 dias, a mortalidade atingiu já 6.689 óbitos, uma quantidade absolutamente anormal, que apenas encontra algum paralelo com 2013 (que teve uma intensa onda de calor de duas semanas). Mesmo assim, 2020 está já bem acima desse ano. A média para Julho de 2020 está nos 334 óbitos por dia, quando a média (2009-2019) é de 263. Ou seja, mais 71 caixões por dia!

Tendo em conta isso, o excesso de mortalidade de Julho, em apenas 20 dias, é já de 1.501 óbitos (portanto, já superior a Abril, no pico da pandemia da covid). Como em Julho apenas morreram 118 pessoas por covid, então temos um excesso não-covid de 1.382 óbitos, o que compara com os 808 óbitos em Abril para o mesmo período de tempo (20 dias).

Não sei o que escrever mais para acordar consciências.


terça-feira, 21 de julho de 2020

DO MEU INFELIZ ACERTO

No dia 12 de Julho, portanto, há 9 dias, escrevi um post intitulado "Da crónica das (muitas) mortes anunciadas" (vd. imagem em baixo), em que me manifestava "verdadeiramente 'apavorado' com aquilo que se avizinha[va] nos próximos dias", face então padrão da mortalidade total dos maiores de 85 anos e aos dias de calor que se anunciavam. Previa uma "hecatombe nos idosos".

Bem sei que, no FB, se costuma mandar muitas "bocas", mas, por regra, quando faço análises sérias sobre a covid, não costumo brincar. Também sei que sou acusado, por muitos, de obscura agenda política, de estar contra o SNS (já devo ter perdido uma boa mão-cheia de amigos, alguns verdadeiros) e de andar "armado" em sapateiro a querer tocar rabecão, porque nenhuma formação tenho de epidemiologia ou medicina.

Que seja! Apenas vos acrescento então agora a situação real, referente até ao dia 20 de Julho (ontem). Comparem os dois gráficos: se no dia 10 a média móvel rondava os 140; agora ultrapassou os 170 óbitos. Para esta época do ano é expectável a morte de cerca de 100 pessoas com mais de 85 anos, A diferença entre as duas linhas (vermelha e amarela) em cada dia deve ser multiplicada pelos 10 dias que medeiam entre 10 e 20 de Julho. São o excesso de óbitos, aqueles que podiam ter sido evitados com medidas de assistência adequadas. Sãomuitas vidas, daquelas que se quis salvar com o "lockdown". Depois, tirem as vossas conclusões. Tudo o que aconteceu era previsível. O braço das políticas públicas da saúde, i.e., o SNS (Governo+DGS), entretanto, nada fez. E parece que ninguém leva a mal. Excepto os que morreram. Mas esses já não se queixam.



DA CURA QUE MATARÁ MAIS QUE A DOENÇA?

No Reino Unido, um estudo do Governo britânico, agora revelado, aponta para a possibilidade de ocorrer um acréscimo-extra de 200.000 mortes por efeito do "lockdown". Vai haver de tudo: aumento de mortes prematuras por cancro, ataques cardíacos, suicídios, violência doméstica, etc., etc.. Até agora, a covid matou no Reino Unido 45.312 pessoas. E eu acho que nós, aqui em Portugal, já estamos a sentir esse triste caminho.  A notícia completa, que saiu ontem, pode ser lida aqui: https://www.theweek.co.uk/107564/could-more-people-die-from-lockdown-than-from-coronavirus


segunda-feira, 20 de julho de 2020

DOS TIROS AO LADO (E NOS PÉS) DA NOSSA IMPRENSA

No dia 18 de Julho, anteontem, morreram 193 idosos com mais de 85 anos. Por covid-19 terão morrido quatro, no máximo (os dados da DGS indicam este número para os maiores de 80 anos).

Ora, nesta altura do ano seria expectável morrerem 100 idosos nesta faixa etária. Estão a morrer a este nível tenebroso perante a incapacidade do SNS de os atender e de suprir as carências num período de temperaturas elevadas mas que nem sequer atingem a onda de calor... Foram, meus senhores e minhas senhoras, mais cerca de 90 mortes a mais num SÓ dia!

E o que faz entretanto, por exemplo, o Público? Ora, uma "mui" oportuna reportagem intitulada: "Como ajudar agora os animais de Santo Tirso?"


DAS LARGAS COSTAS DA COVID

Contabilizando os primeiros 19 dias do mês de Julho, o ano de 2020 já é o mais mortífero, mesmo mais do que o de 2013 que incluiu uma das mais terríveis e duradouras ondas de calor (matou 1.700 pessoas). A covid foi apenas responsável por 112 das 6.254 óbitos registados neste período, ou seja, 1,8% do total.

Conforme mostra o gráfico, seria expectável, para este período, a ocorrência de apenas 5.006 mortes, com um intervalo de confiança (a 95%) entre 4.709 e 5.303 óbitos.

Se se comparar, por exemplo, com 2019, registaram-se este ano, apenas em 19 dias, mais 1.142 mortos. Descontando a covid, são mais de 1.000 mortes a mais. A covid, contudo, fica com os "louros" todos, segundo a DGS, o Governo e para quem acredita que a pandemia deve ser a única coisa a ser priorizada em termos de Saúde Pública.



domingo, 19 de julho de 2020

DO DRAMA DOS VELHINHOS QUE PODEM MORRER DESAMPARADOS DE TUDO MENOS DE COVID

A covid é e foi perigosa para os mais idosos. Mas, por amor dos vossos pais e avós, ou de vós mesmos: o SARS-CoV-2 não está, neste mês de Julho, a ser o principal perigo de vida para os mais idosos. 

Pode-se continuar a meter a cabeça na areia, mas o gráfico que vos ofereço agora, desta vez incidindo na faixa etária dos mais idosos, mostra duas coisas:

a) a covid nunca explicou todo o excesso de mortalidade registada mesmo em Março e Abril neste grupo etário;

b) em meados de Junho a situação da covid-19, como causa de morte neste grupo etário, esteve praticamente controlada. Porém, descontrolou-se com os novos casos em lares (e.g. Reguengos de Monsaraz e Loures). No entanto, a subida da mortalidade foi bastante pequena (quatro óbitos diários para o grupo dos 80 anos).

c) quando as temperaturas aumentam bastante, como foi em finais de Maio e agora especialmente em Julho, a mortalidade dispara neste grupo etário de forma abrupta e tenebrosa. Parece-me ser isto um sinal de grande fragilidade e vulnerabilidade da população idosa depois de tantos "confinamentos" e suspensões de assistência médica desde Março.

Conclusão: amanhã, prevejo, será mais um infeliz e trágico dia de "matadouro". E vai durar, para já, pelo menos até 4ªfeira.


Nota: Os dados da mortalidade por covid referem-se aos maiores de 80 anos (a DGS não indica para os maiores de 85 anos), pelo que o peso da covid neste grupo etário até surge inflacionado. Usaram-se as fontes oficiais indicadas no meu post desta tarde para os grupos etários a partir de 2014 (dados mais antigos).


DO RAIO-X À NOSSA DESGRAÇA EM UMA ÚNICA IMAGEM

Costuma-se dzer que uma imagem vale por mil palavras. 

O gráfico que vos apresento é essa "imagem", neste caso aquela que melhor consegui até agora (julgo) para transmitir estes tempos distópicos que vivemos sob a batuta da covid. 

O gráfico que vos apresento é essa "imagem", neste caso aquela que melhor consegui até agora (julgo) para transmitir estes tempos distópicos que vivemos sob a batuta da covid. O SARS-CoV-2 é, efectivamente, perigoso e letal (sobretudo para os mais idosos), mas a gestão política (e técnica) da pandemia tem sido mais mortífera. Infelizmente, na minha opinião, alicerçada por factos, as opções de política de saúde (health policy, não confundir, portanto, com questões político-ideológicas), incluindo decisões, inacções e omissões, estão a ajudar a levar à tumba mais pessoas do que a covid-19.

Ora, mas que mostra o gráfico? Mostra, ao longo dos meses de 2020 e até ontem, a evolução do excesso de óbitos (e em dois pequenos períodos, em Janeiro e Fevereiro, uma redução favorável, devido a rápido desaparecimento do habitual surto gripal deste ano) em relação à média (mortalidade expectável), calculada para o período 2009-2019.

Parece-me ser de fácil interpretação, mas dou-vos a minha:

a) estamos em Julho, agora mesmo, no presente, a viver a crise de mortalidade de mortalidade mais grave deste ano, pavorosa mesmo, que é bem superior ao pico da pandemia em Abril. O excesso de mortalidade chegou ontem aos 105 óbitos (em Abril, o pico rondou os 80, sendo que cerca de 30 óbitos eram de covid; agora a média de óbitos por covid é de apenas 4!), "ajudado" pelo tempo quente (que eu já avisara há dias poder vir a provocar mortalidade elevada, devido sobretudo à maior fragilidade da população vulnerável e à pouca relevância que o SNS sempre botou a estes eventos meteorológicos; notem porém que nem sequer estamos ainda em fase de onda de calor do ponto de vista meteorológico, estando as temperaturas da última semana muito aquém da situação vivida em Julho de 2013 e Agosto de 2018).

b) a subida recente do excesso de mortalidade tem uma inclinação pavorosa, fruto de sete dias contínuos de mortalidade bem acima dos 300 óbitos. A média móvel de cinco dias tem sido largamente superior a 300 óbitos há 11 dias consecutivos (a média no período 2009-2019 varia entre os 260 e 270 óbitos por dia). Ontem, dia 18, fixou-se nos 364 óbitos. 

c) O impacte directo do SARS-CoV-2 (através da mortalidade por covid-19) foi importante na segunda quinzena e relevante em Abril), mas nunca conseguiu "explicar "o excesso de mortalidade que se "instarou" em Portugal desde Março. Têm sido colocadas hipóteses (a evidente fuga das urgências, com efeitos adversos na ocorrência de doenças súbitas fatais), mas parece-me existirem já factores “estruturais”: em finais de Maio (vejam o pico de excesso, que atingiu cerca de 60 óbitos) já tinha havido uma pequena onda de calor, denunciando uma grande vulnerabilidade na população mais idosa (sempre a mais vulnerável). Escrevi sobre isso na altura. Agora, essa vulnerabilidade espraia-se em todo o seu horror. E o pior ainda pode suceder.

d) por fim, o Governo e o SNS andam supostamente preocupados com um novo surto de covid-19 no Inverno. Podem e devem pensar nisso, mas temo que, se tivermos temperaturas acima de 35 graus durante muitos dias seguidos neste Verão, vamos assistir, muito antes disso, a uma hecatombe jamais vista em Portugal. Tudo por causa do medo, da ânsia, do desacompanhamento físico e emocional dos mais idosos e vulneráveis, do adiamento de consultas, diagnósticos, exames e cirurgias, do tempo quente, e sobretudo por causa de um SNS e de um Governo incapazes de ver a política sanitária sem as deturpadas “lentes da covid”. No fim, culparão eles, o SARS-CoV-2, que pode ser microscópico mas tem as costas largas. Podem sair ilibados; mas as mortes, essas, as desnecessárias, as excessivas, essas ninguém as vai “lavar”.

Nota 1: Para a elaboração dos gráficos usaram-se os dados do SICO da DGS (https://evm.min-saude.pt/#shiny-tab-a_total), os dados dos boletins diários da DGS (desde Março até hoje, vd. aqui: https://covid19.min-saude.pt/relatorio-de-situacao/). Para atenuar variações bruscas diárias utilizou-se a média móvel de cinco dias tanto para a mortalidade total diária de 2020 como para a média (2009-2019) e também para a mortalidade por covid-19. O excesso (ou redução favorável) foi calculado diariamente, subtraindo o valor de 2020 à média do período 2009-2019. Note-se que este exercício deve ser visto sobretudo como indicador de variação na evolução da mortalidade ao longo de 2020. Sendo certo que não se usaram intervalos de confiança (que poderiam atenuar ou agravar a evolução, dependendo de se olhar para o limite superior ou inferior do intervalo), também não se considerou (por não ter acesso aos dados) a redução da mortalidade por outras doenças infecciosas do foro respiratório (observou-se sim uma forte redução de episódios deste tipo de doenças, como pneumonias e bronquites, desde Março, em virtude do distanciamento social, o que terá causado uma redução da mortalidade por esta via).


sexta-feira, 17 de julho de 2020

DO SOL VS. SARS-COV-2: HISTÓRIA DE UMA TRISTE ABADA

Vamos a contas: em três dias (14, 15 e 16 de Julho), o imprevisível e desconhecido SARS-CoV-2 matou 14 pessoas; o conhecido e previsível Sol terá matado 304 pessoas (com um intervalo de confiança, a 95%, entre 275 óbitos e 333 óbitos).

Significa assim que a covid-19 terá sido responsável por 1,3% das mortes nestes três dias; as afecções associadas ao tempo quente (ainda nem é uma onda de calor) contribuíram com 28,3% dos óbitos, e as restantes causas com 70,4%. Resumo: o tempo quente, para quem a DGS aconselha água e fresco, matou, em apenas três dias, 21 vezes mais pessoas do que a covid no mesmo período. Eu avisei há dias que a "coisa" (tempo quente) não seria meiga.

Não consta que a DGS tenha feito nenhum balanço sobre esta matéria nem dito o que fez para atenuar os efeitos.


DO ESTADO DE SÍTIO

Hoje, tópicos telegráficos e uma pergunta final:

a) na primeira quinzena de Julho de 2020, morreram 2.034 idosos com mais de 85 anos.

b) durante este período, morrreram 65 idosos com mais de 80 anos por covid-19

c) mesmo assumindo que todos tinham mais de 85 anos, significa que a covid foi a causa, neste período,de 3,2% do total

c) a média de óbitos deste grupo etário no período 2014-2019 foi de 1.481 óbitos.

d) o total de óbitos deste grupo etário em 2020, excluindo a covid, foi de 33,0% em relação à média, e de

d) o número mínimo de óbitos neste período foi de 1969.

e) excluindo a covid, o acréscimo de óbitos totais em 2020, neste período, foi de 20,3% em relação ao segundo ano mais mortífero no período em análise (2019).

Pergunta: a covid-19 está a ser, neste momento, o maior problema de saúde (de vida e de morte) para os mais idosos?


quinta-feira, 16 de julho de 2020

O AÇOUGUE DE VELHOS, DE SEU NOME PORTUGAL

Desculpem-me o título; não é desrespeito, é irritação. Diziam-nos que ia tudo e iam todos ficar bem. Que o sacrifício valia a pena. Pois sim. Muitos dos idosos que acreditaram que as suas vidas eram importantes, já se finaram. Não de covid, mas de outras "coisas" que deixaram de ter importância para o SNS.

Isto agora acho que só vai com "bonecos", mesmo se fruto de análises.O gráfico mostra a mortalidade diária dos maiores de 85 anos deste mês de Julho,separando as mortes por "coisas" que já não interessam das mortes por covid. Notem que as mortes diárias por covid até estarão exageradas, porque a DGS faz o favor de usar grupos etários diferentes no SICO e nos boletins da covid (para confundir). Observem o " peso" da covid, mas sobretudo comparem as barras (com as duas cores) e a linha (que marca a média para cada dia no período 2009-2019). Era expectável morrerem cerca de 100 idosos por dia; vejam onde a coisa anda. O excesso de mortes é de quê? Não se sabe. É de "coisas" que agora não interessam, dirá a DGS e o Governo, e muitos que parecem ver a covid como a única doença que nos torna mortais.

Portanto, continuemos, candidamente, a tratar da covid, e a deixar tudo o resto destroçar-se: o SNS, a Saúde Pública, a Economia, as nossas vidas. E não culpem o SARS-CoV-2, que esse está a borrifar-se.


DAS PRIORIDADES

No dia 14 de Julho morreram 8 pessoas por covid-19. E morreram também 386 pessoas por outras doenças... Muito bem, digníssimos especialistas, suas sumidades da DGS e excelentíssimos membros do Governo, continuem a discutir a colocação de máscaras em crianças de seis anos. Está tudo bem com o resto.. Ah, e está também um calor de ananases, não é? Pois, se calhar vai matar mais do que um mês de covid. É pena, não é?


quarta-feira, 15 de julho de 2020

DA COVID QUE NOS CONSOME

Este gráfico deveria servir de reflexão, embora não tenha grandes esperanças de que tal suceda. Recorri ao dados da Mortalidade em Portugal (vd. link em baixo), considerando os óbitos por doenças infecciosas do foro respiratório (de acordo com os códigos do International Classification Diseases) para os meses de Março a Junho dos anos de 2014-2018 (não estão disponíveis os dados de 2019 e deste ano, infelizmente), e confrontei com os óbitos da covid-19. E não, não pretendo ser negacionista da gravidade da covid para os mais idodos. Mas este simples exercício, que deveria ser feito com maior rigor por investigadores da área da medicina, e com dados deste ano, deveria fazer-nos pensar em três coisas:

a) comparando com as habituais doenças infecto-contagiosas (gripes, pneumonias e bronquites de origem viral ou bacteriana), a covid-19 nunca atingiu em Portugal um cenário catastrófico. Mostra mesmo uma clara tendência descrescente, de sorte que se mostra menos mortífera do que as outras doenças infecciosas do foro respiratório em período homólogo (a única excepção foi Abril).

b) como aqui já referi hoje, com competente (e oficial) gráfico, a quantidade de infecções do foro respiratório tiveram uma descida abrupta desde Março, à boleia do confinamento e do distanciamento social por causa da covid-19. Significa isto que, provavelmente, os óbitos por essas doenças (gripes, pneumonias e bronquites), que atingiam números muito relevantes mesmo em Maio e Junho( terão tido uma descida também muito significativa neste ano de 2020 (a DGS tem dados para saber isso; convinha divulgá-los).

c) Porém, apesar dessa "poupança" de vidas, e do número já não muito relevante de mortes por covid-19, a mortalidade total está muito, muito acima da média. Ou seja, estamos a pagar bem caro a pandemia: não por causa da doença em si mas como como o Governo e DGS andam a gerir o nosso Sistema Nacional de Saúde. O desastre em termos de Saúde Pública, acreditem, já não está no SARS-CoV-2.


DO ENIGMA DO AUMENTO DAS MORTES EM BONS ARES

Desde que há registos automáticos (a partir de 2016), nunca houve tão poucas doenças respiratórias na Primavera e Verão, fruto do distanciamento social imposto pelo SARS-CoV.

Analisando os dados da Monitorização da Gripe e de Outras Infecções Respiratórias da DGS, desde Março deste ano registou-se uma queda acentuadíssima deste tipo de afecções, o que levou, obviamente, a menor quantidade de internamentos e, claro, de mortes. Vejam o primeiro gráfico que apresenta a variação ao longo dos meses, tanto nas gripes como em outras infecções respiratórias. Não é, aliás, surpresa para ninguém que o Inverno tem os valores máximos (tanto para a gripe como para as outras afecções), mas na Primavera e no Verão essas doenças não desaparecem nunca de todo (mesmo a gripe).

Porém, o mais surpeendente é que, apesar de tudo isto, está a morrer-se muito mais. Apenas a título de exemplo, no dia 14 de Julho de 2019 (ou seja, fez ontem um ano) registaram-se 39 episódios de gripe, 977 episódios de outras infecções respiratórias e, globalmente, morreram 254 pessoas.

Ontem, ano da desgraça de 2020, apesar de se registarem apenas 10 episódios gripais (-75% em relação a 2019) e somente 235 episódios de outras infecções respiratórias (-76% em relação a 2019), conforme podem ver no segundo gráfico, acabaram por morrer 378 pessoas (valores provisórios).

Significa isto que, mesmo com a covid-19, estão a ocorrer muito menos infecções respiratórias (que é uma das principais causas de morte), mas anda-se a morrer muito mais. Muito mais mesmo. Especulo assim, e permitam-se a ironia negra, para esconder a irritação: como o SNS não anda a dar conta do recado para as outras doenças, consolemo-nos pelo menos com o facto de o último fólego de muitas das vítimas deste abandono, que morrem de mil e outras coisas, algumas evitáveis, ser feito a plenos pulmões, bem sadios.



terça-feira, 14 de julho de 2020

DO MERCANTILISMO DO MEDO ou DO MEU ESTADO DE IRRITAÇÃO PERANTE O ESTADO DO VALE TUDO PARA MANTER O PÂNICO

A sério: algum do jornalismo do Público (e falo do Público, porque sou leitor e assinante) começa a irritar-me solenemente. Um denominado "Depoimento Coronavírus", que relata longamente o «calvário» de um homem de 36 anos (jovem, lá está!), que esteve 20 dias nos cuidados intensivos por causa do covid-19, é um must do "novíssimo pânico-jornalismo"...

Eis o jornalismo que toma uma andorinha por uma revoada; um jovem por toda a população jovem. Generaliza-se assim o medo da morte para que não se possa viver sem pensar na morte. Faz-me lembrar a Igreja até finais do século XVIII: os padres falavam insistentemente na morte para incutir o medo; e assim fazer com que os crentes pagassem (missas e outras oferendas) pela salvação após a morte. Era (e agora é) o mercantilismo do medo.

Vamos lá a ser sérios: um jornal como o Público, que tem e teve tão bons jornalistas de investigação ao longo dos seus 30 anos, tem obrigação de dar aos leitores muito mais. Eu já me contentava, no caso em apreço, que o Público me dissesse (como leitor) qual a percentagem de casos positivos de pessoas com menos de 40 anos que chega aos cuidados intensivos... Só assim se pode aquilatar se estamos perante um caso sério... E digo-vos, o Público tem meios para conseguir saber isso e muito mais, mas infelizmente parece uma caixa de ressonância da informação oficial. Lamento dizer isto, mas é aquilo que sinto. Não há na informação do Público sobre a covid-19, nos últimops meses, um desvio sequer à informação oficial. Não há uma análise para além do que é facultado pela DGS. Népia. Nanja.

Para já, a única coisa que podemos saber, e não é pelo Público (sou eu que pego nos relatórios da DGS e ponho-me a fazer cálculos), é que a taxa de letalidade para os menores de 40 anos é de apenas 0,027% (cinco óbitos em 18.308 casos positivos). Se considerarmos as pessoas dessa faixa etária que morreram desde Março, a covid-19 é culpada por apenas 0,5% do total. Ah, já agora, cinco mortes de pessoas com menos de 40 anos significa 0,000117% da população portuguesa nesta faixa etária. Não me parece coisa de pandemia. Acho que suicídios de pessoas com menos de 40 anos terão sido mais do que isso. De acidentes rodoviários, idem.

Ah, e não me posso esquecer de um pormenor do «Depoimento Coronavírus». O depoente diz o seguinte, a muitas páginas tantas: «Perdi 15 quilogramas. Mudei um pouco a minha alimentação, porque ainda tenho de perder peso.». Se calhar, o pior perigo para a sua vida não foi o SARS-CoV-2; foi o excesso de peso.


DA TEMPESTADE PERFEITA PARA O DESASTRE

Temos hoje, por mil e uma razões, uma população martirizada, sobretudo a mais idosa, pela ânsia e pela carência de assistência de cuidados médicos, por via do adiamento de consultas, diagnósticos e cirurgias do nosso SNS (por opção política). A gestão da covid-19, temo, pode estar, neste Verão, a criar a tempestade perfeita para uma calamidade pública.

Fiz um mero exercício, que mostro no gráfico em baixo, que reflecte a evolução da mortalidade na onda de calor de 2013, entre 23 de Junho e 14 de Julho (barras vermelhas), que causou uma subida inusitada nos óbitos, sobretudo entre os dia 6 e 11 de Julho, quando as temperaturas superaram os 40 graus em grande parte do território. O pico ocorreu em 8 de Julho, com 498 óbitos, sensivelmente o dobro das mortes do que é expectável num dia normal de Verão (linha amarela). Meses mais tarde, a DGS estimaria que esta onda de calor causou um excesso de 1684 óbitos, afectando sobretudo os maiores de 75 anos.

Olhando agora para a evolução recente da mortalidade de 2020 (linha a negro), estamos numa situação singular, bastante perigosa. A mortalidade está bem acima da média, e temos uma população idosa muito debilitada depois deste meses de omnipresente covid. Com uma onda de calor agreste nas actuais circunstâncias, vamos ter indubitavelmente a mortalidade a disparar, E não será "só até aos 498 óbitos num dia, nem vai ficar por um excesso de mortalidade da ordem dos 1.500. Temo que venha a ser muito mais.

Não querendo ser alarmista, e pelas previsões meteorológicas dos próximos dias, julgo que estamos no momento em lançar um alerta lancinante. O Governo e a DGS vão ter de fazer muito mais do que sugerir que os idosos se ponham as fresco a beber água. Isso só não resulta. Precisamos de um plano de contingência. O sol é, neste momento, acreditem, muito mais perigoso que o SARS-CoV-2. E eu não quero vir, daqui a uma semana, dizer "olhem! vejam o que escrevi na semana passada".

Nota 1:
Link para o relatório da DGS sobre a onda de calor de 2003
https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/relatorio-da-onda-de-calor-de-2306-a-1407-de-2013-em-portugal-continental-pdf.aspx

Nota 2: Todos os dados que se utilizaram provêm do e-VM da DGS (https://evm.min-saude.pt/#shiny-tab-a_total). A média (linha amarela) é referente ao período 2009-2019, excluindo o ano de 2013, para retirar o efeito da onda de calor desse ano. A mortalidade diária de 2020 refere-se à média diária de 5 dias.