sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

DAS BOAS NOTÍCIAS, MY ASS! OU DOS JORNALISTAS QUE NEM AS PENSAM

Os escritos dos nossos jornalistas estão cada vez mais patéticos, no sentido de dar pena. Agora, andam mais preocupados com os internamentos do que até com as mortes. No dia em que se anuncia o recorde de óbitos por covid, os jornalistas do Expresso, Cristina Pombo e João Diogo Correia (vou começar a colocar aqui sistematicamente os nomes), viram “boas notícias”. Ah, sim? Onde estão? 

Os jornalistas do Expresso respondem: “As boas notícias chegam dos hospitais, onde há hoje menos 74 pessoas internadas (3230) e menos duas em unidades de cuidados intensivos (507).” Ora aí está! Só lamento não terem agradecido aos 95 internados do dia anterior que, patrioticamente, contribuíram para a “boa notícia”... falecendo, e saindo das camas.

DO ANNUS HORRIBILIS

O ano de 2020 já será, garantidamente, o mais mortífero de que há registo. Até dia 10 de Dezembro foram contabilizados 114.810 óbitos, e o ano que mais se aproxima (e até 31 de Dezembro) teve 113.594 (ano de 2018). Pelas minhas estimativas, e tendo em consideração que, desde Novembro se está a registar um acréscimo de 30% na mortalidade total, prevejo que a mortalidade de 2020 até 31 de Dezembro venha a suplantar os 124 mil. Nesta linha, teremos então um acréscimo absoluto de cerca de 13 mil óbitos em relação à média do último quinquénio, e superior a 15 mil face média da última década. Em termos relativos será um acréscimo de 11,5% e 14,3%, respetivamente.

Foi tudo culpa da covid? Claro que não. Mesmo admitindo que se venha a chegar ao final do ano com valores acima de 7.000 óbitos (muito provável, tendo em conta os infectados com mais de 70 anos e sobretudo com mais de 80 anos), a covid representará pouco mais de 5,5% de todas as causas de morte. 

Ou seja, se fosse a covid o único e fundamental motivo para o acrécimo de mortalidade teríamos cerca de 117 mil óbitos até ao final do ano de 2020. ATENÇÃO: Na verdade, até muito menos, porque geralmente não se anda a contabilizar o "efeito" indirecto da covid na prevalência de outras infecções respiratórias. 

Com efeito, estimo que, apenas com o efeito covid, e sem colapso do SNS, teríamos  114 mil óbitos no final do ano, e afirmo isto porque, em virtude da pandemia, se registou um número anormalmente baixo de infecções respiratórias (e.g. pneumonias), que apresentam, em situação normal, cerca de 1,5% de taxa de letalidade. Essa redução "poupou" vidas de pessoas, sendo certo que uma parte foi, depois, vítima da covid (e signifia isto também que, se não houvesse covid, a pneumonia teria matado mais gente, como habitualmente) 

Este valor não é atirado ao ar. Por exemplo, em 2018, ano em que se registaram 432 mil episódios de infecções respiratórias que resultaram em 6.547 óbitos (dados da Plataforma da Mortalidade do SNS), então a mortalidade por esta causa será inferior em pelo menos 3.000 óbitos em 2020, visto que até 10 de Dezembro se contabilizou apenas pouco mais de 187 mil episódios de infecções respiratórias (ou seja, menos de metade de 2018).

Em suma, e em termos de balanço líquido, confirmando-se os números que agora estimo (mortalidade total e por covid), direi que a pandemia do SARS-Cov-2 será responsável por 4.000 óbitos a mais (deduzida a menor mortalidade por pneumonias indirectamente relacionada com as medidas anti-pandemia), e que, por outro lado, as outras causas não-covid (decorrentes do colapso conjuntural do SNS, e, temo, já estrutural) representarão um acréscimo de 9.000 óbitos em relação à média do útimo quinquénio, ou de cerca de 11.000 óbitos face à média da última década.

Quanto a Janeiro de 2021, mantenho o meu pessimismo: o mês de Janeiro costuma ser o mês mais mortífero em qualquer ano. E também sobretudo pela evolução da curva da mortalidade total desde  Outubro, que não parece típica de "surtos". Sobre isso escreverei em breve.

Fonte. SICO-eVM e SNS (Plataforma da Mortalidade e Monitorização da Gripe e Outras Infecções Respiratórias)

DA ESCOLA PRIMÁRIA

O Público continua com jornalistas a necessitarem de aprender o bê-á-bá da Matemática, que isto de jornalismo não é só saber juntar letras. Continuam insistentemente a dar “novas” sobre a Índia. Esta manhã lá continuam com o relambório: 414 mortes por covid na Índia. Que horror! O descontrolo!... São o equivalente a 3 mortes em Portugal, país, o nosso, que anda com 80 óbitos diários (média móvel de 7 dias), o que é equivalente a mais de 10.600 óbitos na Índia. Mas eles, os jornalistas (do Público e não só) continuarão... Já não sabem fazer outra coisa. Acham já que informação e pânico são sinónimos.



quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

DO PENOSO INVERNO QUE SE AVIZINHA

Muito cedo, nesta pandemia, e as publicações aqui e no meu blog servem de prova, fui manifestando, muito antes até de muitos médicos, a minha preocupação por a estratégia anti-covid apenas olhar para esta doença e não a enfrentar como um problema de Saúde Pública integrando-a no contexto global. Ou seja, as zero mortes por covid seriam uma utopia, e seria errado apostar todas as "fichas" para reduzir ao máximo das mortes por covid, sobretudo havendo o risco das vidas eventualmente poupadas acabarem sucumbindo de outras maleitas pelo colapso do SNS e pela falta de assistência médica para outras afecções.

Desde cedo, e sobretudo no Verão, já existiam indicadores preocupantes, sobretudo aquando da grande mortandade de Julho, sobre os efeitos dos desequilíbrios na assistência e acompanhamento médico aos mais idosos. A situação não se alterou ao longo dos meses, mesmo quando no Verão a covid deu descanso, e está agora a agravar-se para níveis alarmantes. E não se culpe a covid. Pelo contrário.

Pegando apenas na mortalidade dos maiores de 85 anos, o grupo mais vulnerável à covid MAS também muitíssimo vulnerável ao colapso do SNS (adiamento de consultas, diagnósticos, cirurgias, etc.), mostra-se tenebroso observar a evolução da mortalidade desde o Verão para o ano de 2020 quando confrontado com os anos anteriores (2014 a 2019). Por exemplo, no dia 30 de Junho, mesmo depois da primeira vaga da covid, a taxa de mortalidade (por 1.000 habitantes desse grupo etário) em 2020 era o terceiro mais baixo desde 2014, sendo os valores os seguintes:

2020 - 83,5 óbitos por 1.000 hab.

2019 - 84,1 óbitos por 1.000 hab.

2018 - 88,6 óbitos por 1.000 hab.

2017 - 85,6 óbitos por 1.000 hab.

2016 - 83,2 óbitos por 1.000 hab.

2015 - 93,0 óbitos por 1.000 hab.

2014 - 82,5 óbitos por 1.000 hab.

E isto, repita-se, após a primeira vaga da covid, Reparem no valor de 2015, em grande destaque, muito por via do período gripal nos primeiros meses do ano (sem covid, claro).

O grande problema de Saúde Pública este ano manifestou-se não pela resposta política à covid, mas sim pela opção política de secundarizar todas as outras doenças e até "esfregar as mãos de satisfação" (figura de estilo) por as pessoas terem "fugido" das urgências por medo de infecção. Ora, juntando o que sucedeu no Verão com a suspensão do SNS para tudo o que não era covid, conseguiu-se como resultado um aumento da mortalidade dos mais idosos e "fomentou" uma maior vulnerabilidade para o Inverno que se avizinha. 

Uma prova evidente disso obtém-se através da observação dos diferentes gráficos que apresento em baixo (sempre confrontando a evolução da taxa de mortalidade acumulada desde 1 de Janeiro até 9 de Dezembro). O ano de 2020 tornou-se para os mais idosos, enfim, o mais mortífero em termos absolutos (número total de óbitos) e agora também relativos (taxa de mortalidade acumulada) não apenas pelo que está a suceder desde Novembro, mas também pelo que se fez e não fez no Verão. E não se culpe apenas a covid, repito, até porque, neste momento, as infecções respiratórias (pneumonias e afins) praticamente terão desparecido e, portanto, deixaram de "criar" mortos.

Neste momento, estou particularmente pessimista sobre o Inverno, não apenas por agora ser evidente a existência tanto de um excesso de mortalidade absoluta como relativa. Na verdade, a covid até pode diminuir, mas o "perfil" de 2020 (e o lastro das opções políticas) evidenciam problemas "estruturais" criados por uma conjuntura politica e clinica mal conduzidas. 

Um dos grandes dramas da estratégia portuguesa foi, na verdade, numa primeira linha, os epidemiologistas terem convencido os políticos de a covid ser o único problema de Saúde Pública. Numa segunda linha por os médicos de Saúde Pública não terem gritado "alto e pára o baile", tendo entrado afinal no baile. E, numa linha contínua, por a comunicção social ter fomentado a manutenção do dito baile por comodismo, benefício, negócio e ignorância, tudo misturado. No meio disto, os políticos nada mais fizeram que animar o baile. 

E, quando falo em baile, estou referir-me à "silenciosa carnificina de velhos", sobretudo dos que não morrem por covid. 

Fonte: SICO








DO BRASIL DO MAU BOLSONARO E DO PORTUGAL DO BOM COSTA, OU DA ANÁLISE ENTRE O SUPOSTO INFERNO E O ALEGADO PARAÍSO

O Brasil de Bolsonaro - ou melhor, o Brasil por causa do Bolsonaro, que pessoal e ideologicamente não aprecio nada - esteve na berlinda noticiosa durante meses. As notícias sobre a covid e a sua mortalidade atroz durante o final da Primavera e o Verão foram constantes. O Brasil era apontado como o paradigma do que não devia ser feito, como um antro de políticos irresponsáveis. Pelo contrário, Portugal, para consumo interno da máquina de Propaganda Mediática (leia-se, imprensa nacional) era olhado como o exemplo "evidente" de políticas responsáveis. 

Sendo certo que mantenho a opinião que houve uma política irresponsável do Governo de Bolsonaro, na mesma linha de análise isenta, e em oposição, jamais embarquei na narrativa do "milagre lusitano". E mais: nunca suportei as análises delicodoces da nossa imprensa, que, cantando como um cisne, nos levava a acreditar na tese montada pelo Governo de Costa: se algo correr mal, a culpa é das pessoas; se algo correr bem, deve-se aos políticos.

Como se sabe, a Estatística, em particular, e a Ciência, em geral, têm a "imperfeição" de desmontar ficções. Ora, tendo em conta o padrão sazonal que o SARS-CoV-2 mostra - além de outros que ainda desconhecemos -, quando se olhava para o Brasil em Maio, em Junho e nos meses seguintes, não se devia esquecer que, embora tenha um clima muito diversificado e distinto do nosso clima europeu (mediterrânico e atlântico), as estações do ano estão invertidas. Grosso modo, o Carnaval deles em Fevereiro é como se fosse no nosso Agosto. E isso conta muito para infecções de padrão sazonal.

Posto isto, decidi fazer uma comparação mensal da mortalidade média diária por covid entre Portugal e o Brasil, padronizado para a população portuguesa (10,2 milhões de habitantes vs.  213,2 milhões), mas confrotando meses de características similares. Ou seja, o nosso Março corresponde ao Setembro brasileiro, o Abril ao Outubro, e assim sucessivamente. Como a pandemia não fez ainda um ano, esse paralelismo impede que se cruze o nosso Verão (meses de Julho a Setembro), de baixa mortalidade por covid, com o Verão brasileiro (Janeiro a Março). No caso do nosso Dezembro (que compara com o Junho brasileiro) considerei apenas os primeiros sete dias.

O resultado deste confronto - que em certa medida compara sete pares de meses, i.e., sobretudo os desempenhos na Primavera e no Outono - parecem-me muito interessante. E nada abonatório para Portugal. Com efeito, se nos meses correspondentes à nossa Primavera (com transição do Inverno, em Março; e para o Verão, em Juho), Portugal apresentou um desempenho globalmente melhor do que o Brasil (com excepção de Abril, correspondente ao Outubro brasileiro), o Outono está a ser bem pior em Portugal.

Assim, em Outubro, a mortalidade média diária em Portugal foi de cerca de 18 óbitos, enquanto no Brasil (padronizado à população portuguesa) foi um pouco menos de 10 no mês paralelo (Abril). Sempre se pode dizer que em Abril estava a começar a pandemia no Brasil. E é verdade: no mês de Maio de 2020, as mortes diárias por covid mais que triplicaram em relação ao mês anterior (36,4 óbitos padronizados), e ainda subiria emn Junho. Porém, quando confrontamos Maio e Junho do Brasil com os correspondentes meses simétricos de Portugal (Novembro e Dezembro), a nossa situação é extremamente desfavorável.

Mas, obviamente, como somos um país pequeno (10 milhões) passamos despercebidos no desastre, Já o Brasil não só tem mais de 200 milhões de pessoas, mas tem também Bolsonaro, o que dá sempre jeito para aplicar a máxima: enquanto se criticam os defeito dos outros, não se criticam os meus. Ter uma imprensa globalmente acrítica também ajuda.



quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

DO PÚBLICO VERGONHOSO OU DA TENTATIVA AIROSA QUANDO APANHADO COM AS CALÇAS NA MÃO

Depois de ter escrito um post (vd. aqui) sobre a intencional supressão de uma frase fundamental de um artigo da Reuters publicado pelo Público sobre a situação da Suécia (e que não foi inocente, porque alterava ate o sentido do título), decidi não apenas escrever no link da edição online do jornal, para correcções, como também na caixa de comentários, no sentido de alertar os leitores sobre essa supressão, colocando mesmo o link para o artigo original da Reuters. O comentário foi enviado pelas 22h30.

Foi o meu comentário publicado? Claro que não!

Teve a minha "sugestão" de correcção um contacto de qualquer jornalista do Pública, uma vez que se coloca o e-mail? Claro que não!

Fez o Público alguma coisa? Claro que sim!

O que sucedeu? Ora, o Público acrescentou, muito rapidamente, pelas 22h37, a frase: "Durante a Primavera, pico da doença no país, os hospitais chegaram a receber 1100 pacientes." E no final do texto a menção "Notícia actualizada às 22h37", mas manteve o título a expressão sobre a sobrelotação, e continuou a não seguir o sentido do título do artigo original da Reuters. E, aliás, "notícia actualizada"? A Reuters mexeu na notícia, e actualizou-a? Ou foi antes o Público que a truncou inicialmente e só repõs a frase truncada porque foi apanhado?

Portanto, depois de ter sido "apanhado" a manipular um artigo de uma agência noticiosa, o Público corrigiu verdadeiramente o sentido do texto, incluindo o título? Nada! Informou os leitores da sua omissão inicial? Nada! Fazer "mea culpa"? Nada! Publicar o meu comentário? Nada! É isto o jornalismo a que o Público agora nos habituou? É! 

Ou seja, se apanhado de calças na mão, corrige à socapa, assobia para o ar e espera que não volte a ser apanhado. Por mim, não acredito mais sequer numa notícia do Público sobre a pandemia, mesmo se for uma tradução de artigos. Ou sobretudo desses.

Aqui em baixo, para memória futura, deixo o printscreen do trecho originalmente publicado às 20h00, o meu comentário não publicado enviado às 22h30 e o trecho "acrescentado" às 22h37.

Parabéns, Público, foi pior a emenda do que o soneto para a tua credibilidade.

Nota: Eu já deixei de ser ingénuo. Ainda há dois dias um colunista do Público, Miguel Coelho, professor da Universidade Lusíada, teve a ousadia de publicar um artigo de opinião (vd. aqui: https://www.publico.pt/.../portugal-ataca-suecia-marca...) que confrontava a estratégia da Suécia com a de Portugal. Claro que alguém no Público acho que devia ser "contrabalançada", mesmo se "martelando", truncando uma notícia de agência noticiosa. E também os dados reais. Aliás, sobre essa matéria, basta seguir este link das autoridades suecas, mais transparentes do que a nossa DGS: https://experience.arcgis.com/.../09f821667ce64bf7be6f9f8... . Aliás, bem se pode ver que o número de casos em cuidados intensivos é substancialmente inferior ao pico da Primavera.



DO PÚBLICO, ESSE JORNAL QUE PERDEU A VERGONHA E A SERIEDADE OU DA PROVA INEQUÍVOCA DE MANIPULAÇÃO

Esta noite, na edição online (vd. aqui), o Público traduziu um artigo (supostamente integral) da Reuters sobre um apelo de um responsável sanitário de Estocolmo em relação aos cuidados intensivos. Como sou já pessoa desconfiada sobre tudo o que a imprensa portuguesa refere sobre a situação da Suécia, fui olhar para o original, i.e., para o texto original da Reuters (vd. aqui). 

E descobri uma nada inocente, vergonhosa e intencional supressão de uma frase. 

E qual a frase? Esta: "That [os 814 pacientes em tratamento da dita doença em Estocolmo] compares with roughly 1,100 patients during the spring outbreak of the disease.".

Vejam em baixo o trecho da Reuters (com a frase suprimida sublinhada a vermelho) e o trecho traduzido pelo Público (links para as duas versões em baixo). 

Ou seja, foi intencionalmente suprimida pela redação do Público a frase que a impediria de titular que "casos de covid-19 enchem cuidados intensivos na capital da Suécia", pelo simples facto de 814 ser 74% de 1.100. 

Ou seja, a suposta segunda vaga não "sobrelotou as unidades de cuidados intensivos de Estocolmo", como também abusivamente traduziu o Público [no original da Rueters está "(...) a second wave of COVID infections that has filled intensive care wards in Sweden’s capital city"]. 

Além disso, o responsável sueco pediu às autoridades do país o envio de enfermeiros especializados ("specialist nurses", no original da Reuters), mas o Público decidiu traduzir simplesmente por "enfermeiros" para assim dar ideia de caos. 

Isto é tudo muito, muito mau. É manipulação até ao tutano, até de notícias de agências noticiosas. Já não se chafurda só no lamaçal, porque a imprensa até já abriu um poço. Ou, melhor dizendo, um chiqueiro.

Senhor director do Público, caro Manuel Carvalho, isto não é jornalismo! O Público não era isto, caramba!


DO "DIZ QUE SOU UMA ESPÉCIE DE JORNALISTA" OU DA LIÇÃO DE JORNALISMO DE UM EX-JORNALISTA

Eu sei que Ricardo Ramos é jornalista do Correio da Manhã (havendo quem defenda que possa servir de atenuante), mas há limites para a indigência profissional. Escreve o dito na edição de hoje do jornal mais lido de Portugal: "Os cientistas já tinham avisado e o exemplo da epidemia da febre espanhola de 1918 também fazia prever o pior. E confirmou-se. A segunda vaga da pandemia na Europa, ainda em curso, está a ser muito mais mortífera do que a primeira vaga, entre março e julho".

Não exijamos a uma pessoa, a quem a Comissão de Carteira Profissional de Jornalista concedeu o direito a ganhar a vida a montar letras, mesmo se mais de nove meses após a chegada da covid a Portugal, que saiba que em 1918 houve uma epidemia de gripe, baptizada de espanhola, e não de "febre". Esqueçamos esse, assumamos, lapso. Porém, já não é admissível que haja gajos (e também gajas, para não fazer discriminação de género) que escrevam profissionalmente como jornalistas, mas que insistem, na sua ignorância e/ou má-fé, em não ler, em não pesquisar sobre a gripe espanhola e sobre a covid, de sorte a não fazerem comparações sensacionalistas, e que somente alimentam, criminosamente, o pânico.

A gripe espanhola é, e será sempre de outro campeonato. Vamos lá fazer umas breves comparações, mesmo se a covid ainda anda por cá:

1) A mortalidade pela gripe espanhola nunca foi determinada com rigor, sendo apresentadas estimativas que variam entre os 17 milhões e os 100 milhões de óbitos. O valor mais indicado (por exemplo, pelo CDC dos Estados Unidos) é de 50 milhões. Tendo em consideração que, na segunda década do século XX, viviam cerca de 1,8 mil milhões de pessoas, isto dá uma taxa de mortalidade global de 2,7%. Por sua vez, a covid matou, até agora, um pouco menos de 1,6 milhões de pessoas, mas para uma população mundial de 7,8 mil milhões. A taxa de mortalidade por covid é, assim, de 0,02%. Ou seja, a GRIPE ESPANHOLA teve, pelo menos, uma "agressividade" (causadora de mortes) cerca de 130 VEZES MAIOR DO QUE A COVID. E, aliás, conforme se pode observar no gráfico (Our World in Data), a covid ainda não atingiu os níveis de mortalidade da gripe asiática de 1957-58 e da gripe de Hong Kong de 1968-69, porquanto no início da década de 60 a população rondava os 3 mil milhões e somente se chegou aos 4 mil milhões em 1975 (Gráfico 1).

2) A evolução da mortalidade da covid, numa perspectiva mundial, não tem sido por ondas. Antes sim, conforme se pode observar no segundo gráfico (Worldometers), evidenciou-se um crescimento abrupto em Março, até Abril, e depois a mortalidade andou num patamar entre Maio e Setembro, estando agora a aumentar ao longo do Outono, mostrando um perfil de sazonalidade típico das doenças respiratórias (Gráfico 2). Convém, no entanto, referir que poucos são os países da Europa que assistem a uma segunda onda pior do que a vaga da Primavera, sobretudo porque os países em pior situação desde Novembro não tinham registado níveis elevados de mortalidade por covid (sobretudo países de Leste). Mesmo no caso dos Estados Unidos, que apresentam agora uma mortalidade bastante superior à Primavera e Verão, verifica-se que são os Estados não afectados na primeira vaga que se encontram agora a ser flagelados. Por exemplo, o Estado de New York, particularmente fustigado na Primavera, chegando a valores de óbitos próximos dos 1.000 por dia, está agora com uma média diária inferior a 80 (equivalente a cerca de 40 óbitos em Portugal).

3) A suposta probabilidade de ocorrência de uma pandemia de covid por ondas – sendo que a segunda seria sempre pior do que a primeira, como uma espécie de castigo para quem não acreditou na perigosidade da primeira –, assemelhando-se à gripe espanhola, constitui um enviesamento histórico da realidade. Na verdade, é certo que a mortalidade da gripe espanhola foi ocorrendo sobretudo entre 1918 e 1920, sendo que no Outono de 1918 (segunda fase) se registou a maior parte das mortes a nível mundial. Contudo, essa variação à escala mundial em três ondas resultou sobretudo da disseminação dessa pandemia no Mundo em fases distintas. À escala de um país ou de uma região não se observaram três ondas de mortalidade, como se, depois de uma “visita mortífera”, outras pudessem surgir para matar muito mais. Na verdade, a mortalidade foi maior ou menor em função de factores sociais e demográficos. Por exemplo, na maior parte dos países da Europa, embora a gripe espanhola se tivesse mantido presente ao longo de pelo menos três anos, a mortalidade atingiu valores elevados apenas durante um período relativamente curto (três ou quatro meses). O Reino Unido foi dos poucos países em que claramente se detectam três ondas de mortalidade. No caso português, a mortalidade associada à gripe espanhola teve apenas expressão relevante (e muito) entre Setembro e Dezembro de 1918 (cf. gráfico 3, retirado de um artigo científico "Mortality burden of the 1918-1919 influenza pandemic in Europe", vd. aqui).

4) Um outro aspecto que mostra o quão abusivo é querer-se colar a gripe espanhola á covid refere-se à idade das vítimas. Sabendo-se hoje que a covid constitui um perigo sobretudo para a população mais idosa (a idade é o factor de risco mais elevado) e/ou com algumas comorbidades específicas (o que felizmente limita a sua gravidade em termos de saúde pública), a gripe espanhola afectava toda a população, e em especial os jovens, como se pode ver num dos gráficos do artigo científico "The Spanish influenza pandemic in occidental Europe (1918-1920) and victim age" (vd. aqui).

E fico-me por aqui, terminando com um conselho para Ricardo Ramos e demais colegas: ser jornalista não é apenas juntar palavras. É fazer o que eu fiz para escrever este simples post. Di-lo um vosso ex-camarada. E ex, felizmente, porque muitos de vocês andam a envergonhar uma profissão que já foi nobre.






DA PROVA

Ontem ficou provado que a covid é a única doença mortal da Humanidade. Se assim não fosse, o William Shakespeare, que já por cá anda desde o século XVI, não teria ido a correr para ser vacinado.

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

DOS EPIDEMIOLOGISTAS QUE MATAM COM O SUSTO

Pegue-se num "assunto qualquer" e pergunte-se a uma especialista desse "assunto qualquer" se esse "assunto qualquer" é importante. O especialista desse "assunto qualquer", pessoa competentíssima mas com alguma compreensível frustração por nunca lhe perguntarem se o tal "assunto qualquer" é importante, aproveitará a oportunidade para exacerbar a importância desse "assunto qualquer". No limite, dirá que a sobrevivência da espécie humana está dependente de assumir que esse "assunto qualquer " é fundamental e deve ser relegado para o patamar da importância suprema em exclusivo e para todo o sempre.

Ora, exagero à parte, o maior erro da estratégia de combate à actual pandemia foi não ter permitido um debate sério entre as diversas perspectivas que se jogam quando se está perante questões relacionadas com políticas de Saúde Pública. A ideia obtusa, muito portuguesa, de ter dado a primazia absoluta a epidemiologistas, virologistas e pneumologistas - pouco habituados à atenção dos media e do público -, levou a um inquinamento da comunicação, e cometeram-se erros de estratégia e de comunicação. 

Ainda hoje estamos a pagar isso, mas o mal começou desde cedo, logo no início da pandemia, onde teria sido fundamental uma estratégia de comunicação ponderada, e medidas políticas com alguma maturidade. Começou-se mal, e pior se continua, com a persistente informação enviesada e a comunicação social a aliemtar continuamente o pânico. Não surpreende que, sobretudo em países de fraca literacia em Saúde, as mortes em excesso sucedam por "fuga" aos serviços de urgência. 

Em Portugal, quase nove meses depois das primeiras mortes da "dita doença", os serviços de urgência continuam com um índice de procura de cerca de metade da resgistada antes da pandemia. No primeiro gráfico, a título de exemplo, apresento o número total de episódios de urgência para o dia 6 de Dezembro. A brutal queda não se deveu ao facto de os portgueses terem passado a estar mais saudáveis, mas sim mais temerosos de irem ao hospital. Alguns fizeram mal, porque simplesmente morreram em casa.

Um outro sinal evidente de que a morte pode vir pelo susto evidencia-se pela análise do segundo gráfico, que mostra a percentagem de óbitos em 2020 fora dos estabelecimentos de saúde. Por norma, e nesse aspecto a Saúde de uma sociedade parece um relógio suíço, regista-se ao longo de um ano médio uma percentagem entre 35% e 40% do total dos óbitos fora dos hospitais (residências, lares, ruas, etc.). Porém, vejam o que sucedeu em Março, numa primeira fase quando surgiu os casos positivos, e sobretudo a partir da segunda quinzena com as primeiras mortes e o decreto do confinamento. Num ápice, a mortalidade fora dos hospitais subiu até aos 47% e esteve longos meses sempre acima dos 40%, e bem acima da média. 

Em suma, o medo mata. E tem matado mais do que o SARS-CoV-2, Mas são mortes invisíveis. Esquecidas, Irrelevantes. Não é assim, Direcção-Geral da Saúde?

Fonte:SICO-eVM e SNS (vd. aqui).





segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

DA OUTRA PANDEMIA: O MEDO E A FALTA DE CONFIANÇA, QUE JÁ MATOU MAIS DO QUE O SARS-CoV-2

Como se sabe, a covid tem sido o ai-Jesus do Governo, da Direcção-Geral de Saúde (DGS), do Serviço Nacional de Saúde e da nossa imprensa. Também, como se sabe, estas dignas instituições só olham para os números da covid, para a capacidade de resposta dos hospitais para a covid, para as taxas de internamento da covid, para a ocupação das unidades de cuidados intensivos para a covid. No meio disto, o medo enraizou-se tanto nos portugueses que uma grande parte foge mais depressa dos hospitais do que o diabo da cruz. 

Um grandíssimo problema desta visão redutora, errada e completamente absurda de se olhar para uma pandemia - como se esta fosse a única doença do Mundo -, tem sido falada: muitas consultas, exames de diagnóstico e cirúrgias têm sido adiadas, o que vai acarretar um aumento a prazo da letalidade de doenças tratáveis.

Porém, há também um efeito imediato, que se está a fazer sentir de forma muito preocupante, e à qual se tem denominado excesso de "mortalidade não-covid". Embora lamentavelmente a DGS, transformada agora em DGC (Direcção-Geral da Covid), recuse analisar (e divulgar) as causas das morte em excesso não-associadas à pandemia (e era fácil), existem indicadores que mostram que uma parte significativa se deverá a doenças súbitas (e.g., enfartes e AVC). Um desses indicadores (que lança a suspeita) é muito simples de obter: o local do óbito.

Ora, dirão alguns, como o local de óbito pode lançar essa suspeita? Muito simples. Sabendo-se que todos (ou praticamente todos) os doentes covid estarão a morrer nos hospitais, um aumento muito significativo e consistente da mortalidade fora dos estabelecimentos de saúde mostra a ocorrência de eventos anormais e súbitos que não terão sequer permitido uma resposta dos serviços de saúde. Ou seja, um aumento significativo de óbitos fora dos hospitais significa um aumento de doenças agudas. E sobretudo quando não são nada poucas, 

Através dos dados do SICO-eVm apurou que este ano, até ao dia 5 de Dezembro, registou-se um aumento de 6.287 óbitos em relação à média dos últimos cinco anos (2015-2019). Repito: 6.287 óbitos a mais, o que é um valor superior aos óbitos por covid.

Esse acréscimo verifica-se, de forma consistente, desde o início da pandemia, em Março, atingindo curiosamente (com excepção do Verão) os picos mais elevados nos períodos de maior restrição (e maior pânico) associada à luta contra a covid, isto é, entre Março e Abril e desde Outubro. 

Saliente-se, para os mais distraídos, que esse aumento das mortes fora das unidades de saúde não são de covid. Na verdade, uma parte dessas mortes poderia ter sido evitada se o SNS transmitisse confiança relativamente à segurança das urgências e, sobretudo, se a comunicação social não continuasse a (já quase criminosa) postura de fomentador do pânico. 

Insisto na ideia: há uma pandemia de medo que está a matar mais do que a covid. E isso não é racional.

domingo, 6 de dezembro de 2020

DOS SOBREVIVENTES

Nunca vi, em qualquer ano anterior, um jornal a dedicar insistentes reportagens sobre os “sobreviventes” de outras doenças ou mesmo das pneumonias que, quando levam a internamentos, apresentam taxas de letalidade que ultrapassam os 20%. 

Neste aspecto, o Público, enfim, la vai seguindo o seu novo “livro de estilo”, pró-apocalipse, e hoje presenteia-nos cim uma sugestiva reportagem intitulada “E depois da covid-19? As dores e os projectos que continuam com os sobreviventes”. 

Aí está: SOBREVIVENTES! Ou melhor dizendo, como afirma a jornalista Andrea Cunha Freitas, o “pelotão de sobreviventes”, que estão com “mazelas”, supostamente inimagináveis e únicas, que são, parece para quem leia a dita reportagem, exclusivas da nova doença.

Ora, mas de quantos SOBREVIVENTES com “mazelas”, de toda a ordem, estamos a ter? São 10? São 100? São 1.000? São 10.000? São 100.000? Um milhão? A reportagem responde. Citemos Andrea Cunha Freitas: “Há, actualmente, cerca de 200 mil pessoas em Portugal que tiveram covid-19 e recuperaram. No mundo serão cerca de 40 milhões. Porém, muitos não escaparam ilesos.” 

Aí está: são MUITOS, o que é um número que se situa entre 0 e mais infinito. E que justifica inteiramente que se chegue à conclusão de a nova doença só dar dois resultados possíveis: mortos ou sobreviventes. Com mazelas.

A reportagem do Público pode ser lida aqui.



DOS MESTRES-ESCOLA

António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa transformaram-se nos mestres-escola dos portugueses. O país tornou-se numa mega-escola primária. Na sala de aulas, chamada Portugal, onde nada se ensina, nada se divulga, nada se forma, nada se conhece, nada se avalia, os professores mostram-se sempre activos mas apenas no manejo da régua e da palmatória. 

De quando em vez, magnânimos, deixam os meninos sair para o recreio. Porém, de forma ordeira e de espada de Dâmocles na nuca. Se algo correr mal neste sistema de “ensino”, a culpa será sempre dos meninos, de nós. E o castigo está prometido: “Se isto se alterar radicalmente e voltarmos a ter um crescimento exponencial da pandemia, teremos de puxar o travão de mão”, avisa António Costa. Leia-se: acaba o recreio, já bem sumido.

Entretanto, os lares de idosos estão com mais de 4% dos seus residentes com casos positivos activos, enquanto fora dos lares a prevalência é inferior a 0,7%. A culpa é também dos meninos, de nós. Nunca dos mestres-escola.



sábado, 5 de dezembro de 2020

DO BODE EXPIATÓRIO

Na divulgação da morte do jornalista Pedro Camacho, a covid-19 surge no destaque em toda a comunicação social. Porém, depois, lendo a notícia completa do Expresso e do Público, fica a saber-se que afinal “não resistiu às complicações da covid-19 agravadas por duas infeções causadas por bactérias hospitalares”. Haver infecções nosocomiais, está visto, é coisa que passou a ser irrelevante nos nossos hospitais desde que a covid esteja presente para arcar com as culpas.



DO TERROR

Sobre estas sequelas não se fazem estudos: durante a devastadora e dantesca pandemia, muitos desgraçados jazem, como mortos-vivos, em desespero, tentando sobreviver, enquanto tratam “das flores no quintal”, vêem televisão, lêem “sete livros”, e pensam “muito”. Os danos, desconfio, serão irreversíveis.