quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

DO PÚBLICO VERGONHOSO OU DA TENTATIVA AIROSA QUANDO APANHADO COM AS CALÇAS NA MÃO

Depois de ter escrito um post (vd. aqui) sobre a intencional supressão de uma frase fundamental de um artigo da Reuters publicado pelo Público sobre a situação da Suécia (e que não foi inocente, porque alterava ate o sentido do título), decidi não apenas escrever no link da edição online do jornal, para correcções, como também na caixa de comentários, no sentido de alertar os leitores sobre essa supressão, colocando mesmo o link para o artigo original da Reuters. O comentário foi enviado pelas 22h30.

Foi o meu comentário publicado? Claro que não!

Teve a minha "sugestão" de correcção um contacto de qualquer jornalista do Pública, uma vez que se coloca o e-mail? Claro que não!

Fez o Público alguma coisa? Claro que sim!

O que sucedeu? Ora, o Público acrescentou, muito rapidamente, pelas 22h37, a frase: "Durante a Primavera, pico da doença no país, os hospitais chegaram a receber 1100 pacientes." E no final do texto a menção "Notícia actualizada às 22h37", mas manteve o título a expressão sobre a sobrelotação, e continuou a não seguir o sentido do título do artigo original da Reuters. E, aliás, "notícia actualizada"? A Reuters mexeu na notícia, e actualizou-a? Ou foi antes o Público que a truncou inicialmente e só repõs a frase truncada porque foi apanhado?

Portanto, depois de ter sido "apanhado" a manipular um artigo de uma agência noticiosa, o Público corrigiu verdadeiramente o sentido do texto, incluindo o título? Nada! Informou os leitores da sua omissão inicial? Nada! Fazer "mea culpa"? Nada! Publicar o meu comentário? Nada! É isto o jornalismo a que o Público agora nos habituou? É! 

Ou seja, se apanhado de calças na mão, corrige à socapa, assobia para o ar e espera que não volte a ser apanhado. Por mim, não acredito mais sequer numa notícia do Público sobre a pandemia, mesmo se for uma tradução de artigos. Ou sobretudo desses.

Aqui em baixo, para memória futura, deixo o printscreen do trecho originalmente publicado às 20h00, o meu comentário não publicado enviado às 22h30 e o trecho "acrescentado" às 22h37.

Parabéns, Público, foi pior a emenda do que o soneto para a tua credibilidade.

Nota: Eu já deixei de ser ingénuo. Ainda há dois dias um colunista do Público, Miguel Coelho, professor da Universidade Lusíada, teve a ousadia de publicar um artigo de opinião (vd. aqui: https://www.publico.pt/.../portugal-ataca-suecia-marca...) que confrontava a estratégia da Suécia com a de Portugal. Claro que alguém no Público acho que devia ser "contrabalançada", mesmo se "martelando", truncando uma notícia de agência noticiosa. E também os dados reais. Aliás, sobre essa matéria, basta seguir este link das autoridades suecas, mais transparentes do que a nossa DGS: https://experience.arcgis.com/.../09f821667ce64bf7be6f9f8... . Aliás, bem se pode ver que o número de casos em cuidados intensivos é substancialmente inferior ao pico da Primavera.



DO PÚBLICO, ESSE JORNAL QUE PERDEU A VERGONHA E A SERIEDADE OU DA PROVA INEQUÍVOCA DE MANIPULAÇÃO

Esta noite, na edição online (vd. aqui), o Público traduziu um artigo (supostamente integral) da Reuters sobre um apelo de um responsável sanitário de Estocolmo em relação aos cuidados intensivos. Como sou já pessoa desconfiada sobre tudo o que a imprensa portuguesa refere sobre a situação da Suécia, fui olhar para o original, i.e., para o texto original da Reuters (vd. aqui). 

E descobri uma nada inocente, vergonhosa e intencional supressão de uma frase. 

E qual a frase? Esta: "That [os 814 pacientes em tratamento da dita doença em Estocolmo] compares with roughly 1,100 patients during the spring outbreak of the disease.".

Vejam em baixo o trecho da Reuters (com a frase suprimida sublinhada a vermelho) e o trecho traduzido pelo Público (links para as duas versões em baixo). 

Ou seja, foi intencionalmente suprimida pela redação do Público a frase que a impediria de titular que "casos de covid-19 enchem cuidados intensivos na capital da Suécia", pelo simples facto de 814 ser 74% de 1.100. 

Ou seja, a suposta segunda vaga não "sobrelotou as unidades de cuidados intensivos de Estocolmo", como também abusivamente traduziu o Público [no original da Rueters está "(...) a second wave of COVID infections that has filled intensive care wards in Sweden’s capital city"]. 

Além disso, o responsável sueco pediu às autoridades do país o envio de enfermeiros especializados ("specialist nurses", no original da Reuters), mas o Público decidiu traduzir simplesmente por "enfermeiros" para assim dar ideia de caos. 

Isto é tudo muito, muito mau. É manipulação até ao tutano, até de notícias de agências noticiosas. Já não se chafurda só no lamaçal, porque a imprensa até já abriu um poço. Ou, melhor dizendo, um chiqueiro.

Senhor director do Público, caro Manuel Carvalho, isto não é jornalismo! O Público não era isto, caramba!


DO "DIZ QUE SOU UMA ESPÉCIE DE JORNALISTA" OU DA LIÇÃO DE JORNALISMO DE UM EX-JORNALISTA

Eu sei que Ricardo Ramos é jornalista do Correio da Manhã (havendo quem defenda que possa servir de atenuante), mas há limites para a indigência profissional. Escreve o dito na edição de hoje do jornal mais lido de Portugal: "Os cientistas já tinham avisado e o exemplo da epidemia da febre espanhola de 1918 também fazia prever o pior. E confirmou-se. A segunda vaga da pandemia na Europa, ainda em curso, está a ser muito mais mortífera do que a primeira vaga, entre março e julho".

Não exijamos a uma pessoa, a quem a Comissão de Carteira Profissional de Jornalista concedeu o direito a ganhar a vida a montar letras, mesmo se mais de nove meses após a chegada da covid a Portugal, que saiba que em 1918 houve uma epidemia de gripe, baptizada de espanhola, e não de "febre". Esqueçamos esse, assumamos, lapso. Porém, já não é admissível que haja gajos (e também gajas, para não fazer discriminação de género) que escrevam profissionalmente como jornalistas, mas que insistem, na sua ignorância e/ou má-fé, em não ler, em não pesquisar sobre a gripe espanhola e sobre a covid, de sorte a não fazerem comparações sensacionalistas, e que somente alimentam, criminosamente, o pânico.

A gripe espanhola é, e será sempre de outro campeonato. Vamos lá fazer umas breves comparações, mesmo se a covid ainda anda por cá:

1) A mortalidade pela gripe espanhola nunca foi determinada com rigor, sendo apresentadas estimativas que variam entre os 17 milhões e os 100 milhões de óbitos. O valor mais indicado (por exemplo, pelo CDC dos Estados Unidos) é de 50 milhões. Tendo em consideração que, na segunda década do século XX, viviam cerca de 1,8 mil milhões de pessoas, isto dá uma taxa de mortalidade global de 2,7%. Por sua vez, a covid matou, até agora, um pouco menos de 1,6 milhões de pessoas, mas para uma população mundial de 7,8 mil milhões. A taxa de mortalidade por covid é, assim, de 0,02%. Ou seja, a GRIPE ESPANHOLA teve, pelo menos, uma "agressividade" (causadora de mortes) cerca de 130 VEZES MAIOR DO QUE A COVID. E, aliás, conforme se pode observar no gráfico (Our World in Data), a covid ainda não atingiu os níveis de mortalidade da gripe asiática de 1957-58 e da gripe de Hong Kong de 1968-69, porquanto no início da década de 60 a população rondava os 3 mil milhões e somente se chegou aos 4 mil milhões em 1975 (Gráfico 1).

2) A evolução da mortalidade da covid, numa perspectiva mundial, não tem sido por ondas. Antes sim, conforme se pode observar no segundo gráfico (Worldometers), evidenciou-se um crescimento abrupto em Março, até Abril, e depois a mortalidade andou num patamar entre Maio e Setembro, estando agora a aumentar ao longo do Outono, mostrando um perfil de sazonalidade típico das doenças respiratórias (Gráfico 2). Convém, no entanto, referir que poucos são os países da Europa que assistem a uma segunda onda pior do que a vaga da Primavera, sobretudo porque os países em pior situação desde Novembro não tinham registado níveis elevados de mortalidade por covid (sobretudo países de Leste). Mesmo no caso dos Estados Unidos, que apresentam agora uma mortalidade bastante superior à Primavera e Verão, verifica-se que são os Estados não afectados na primeira vaga que se encontram agora a ser flagelados. Por exemplo, o Estado de New York, particularmente fustigado na Primavera, chegando a valores de óbitos próximos dos 1.000 por dia, está agora com uma média diária inferior a 80 (equivalente a cerca de 40 óbitos em Portugal).

3) A suposta probabilidade de ocorrência de uma pandemia de covid por ondas – sendo que a segunda seria sempre pior do que a primeira, como uma espécie de castigo para quem não acreditou na perigosidade da primeira –, assemelhando-se à gripe espanhola, constitui um enviesamento histórico da realidade. Na verdade, é certo que a mortalidade da gripe espanhola foi ocorrendo sobretudo entre 1918 e 1920, sendo que no Outono de 1918 (segunda fase) se registou a maior parte das mortes a nível mundial. Contudo, essa variação à escala mundial em três ondas resultou sobretudo da disseminação dessa pandemia no Mundo em fases distintas. À escala de um país ou de uma região não se observaram três ondas de mortalidade, como se, depois de uma “visita mortífera”, outras pudessem surgir para matar muito mais. Na verdade, a mortalidade foi maior ou menor em função de factores sociais e demográficos. Por exemplo, na maior parte dos países da Europa, embora a gripe espanhola se tivesse mantido presente ao longo de pelo menos três anos, a mortalidade atingiu valores elevados apenas durante um período relativamente curto (três ou quatro meses). O Reino Unido foi dos poucos países em que claramente se detectam três ondas de mortalidade. No caso português, a mortalidade associada à gripe espanhola teve apenas expressão relevante (e muito) entre Setembro e Dezembro de 1918 (cf. gráfico 3, retirado de um artigo científico "Mortality burden of the 1918-1919 influenza pandemic in Europe", vd. aqui).

4) Um outro aspecto que mostra o quão abusivo é querer-se colar a gripe espanhola á covid refere-se à idade das vítimas. Sabendo-se hoje que a covid constitui um perigo sobretudo para a população mais idosa (a idade é o factor de risco mais elevado) e/ou com algumas comorbidades específicas (o que felizmente limita a sua gravidade em termos de saúde pública), a gripe espanhola afectava toda a população, e em especial os jovens, como se pode ver num dos gráficos do artigo científico "The Spanish influenza pandemic in occidental Europe (1918-1920) and victim age" (vd. aqui).

E fico-me por aqui, terminando com um conselho para Ricardo Ramos e demais colegas: ser jornalista não é apenas juntar palavras. É fazer o que eu fiz para escrever este simples post. Di-lo um vosso ex-camarada. E ex, felizmente, porque muitos de vocês andam a envergonhar uma profissão que já foi nobre.






DA PROVA

Ontem ficou provado que a covid é a única doença mortal da Humanidade. Se assim não fosse, o William Shakespeare, que já por cá anda desde o século XVI, não teria ido a correr para ser vacinado.

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

DOS EPIDEMIOLOGISTAS QUE MATAM COM O SUSTO

Pegue-se num "assunto qualquer" e pergunte-se a uma especialista desse "assunto qualquer" se esse "assunto qualquer" é importante. O especialista desse "assunto qualquer", pessoa competentíssima mas com alguma compreensível frustração por nunca lhe perguntarem se o tal "assunto qualquer" é importante, aproveitará a oportunidade para exacerbar a importância desse "assunto qualquer". No limite, dirá que a sobrevivência da espécie humana está dependente de assumir que esse "assunto qualquer " é fundamental e deve ser relegado para o patamar da importância suprema em exclusivo e para todo o sempre.

Ora, exagero à parte, o maior erro da estratégia de combate à actual pandemia foi não ter permitido um debate sério entre as diversas perspectivas que se jogam quando se está perante questões relacionadas com políticas de Saúde Pública. A ideia obtusa, muito portuguesa, de ter dado a primazia absoluta a epidemiologistas, virologistas e pneumologistas - pouco habituados à atenção dos media e do público -, levou a um inquinamento da comunicação, e cometeram-se erros de estratégia e de comunicação. 

Ainda hoje estamos a pagar isso, mas o mal começou desde cedo, logo no início da pandemia, onde teria sido fundamental uma estratégia de comunicação ponderada, e medidas políticas com alguma maturidade. Começou-se mal, e pior se continua, com a persistente informação enviesada e a comunicação social a aliemtar continuamente o pânico. Não surpreende que, sobretudo em países de fraca literacia em Saúde, as mortes em excesso sucedam por "fuga" aos serviços de urgência. 

Em Portugal, quase nove meses depois das primeiras mortes da "dita doença", os serviços de urgência continuam com um índice de procura de cerca de metade da resgistada antes da pandemia. No primeiro gráfico, a título de exemplo, apresento o número total de episódios de urgência para o dia 6 de Dezembro. A brutal queda não se deveu ao facto de os portgueses terem passado a estar mais saudáveis, mas sim mais temerosos de irem ao hospital. Alguns fizeram mal, porque simplesmente morreram em casa.

Um outro sinal evidente de que a morte pode vir pelo susto evidencia-se pela análise do segundo gráfico, que mostra a percentagem de óbitos em 2020 fora dos estabelecimentos de saúde. Por norma, e nesse aspecto a Saúde de uma sociedade parece um relógio suíço, regista-se ao longo de um ano médio uma percentagem entre 35% e 40% do total dos óbitos fora dos hospitais (residências, lares, ruas, etc.). Porém, vejam o que sucedeu em Março, numa primeira fase quando surgiu os casos positivos, e sobretudo a partir da segunda quinzena com as primeiras mortes e o decreto do confinamento. Num ápice, a mortalidade fora dos hospitais subiu até aos 47% e esteve longos meses sempre acima dos 40%, e bem acima da média. 

Em suma, o medo mata. E tem matado mais do que o SARS-CoV-2, Mas são mortes invisíveis. Esquecidas, Irrelevantes. Não é assim, Direcção-Geral da Saúde?

Fonte:SICO-eVM e SNS (vd. aqui).





segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

DA OUTRA PANDEMIA: O MEDO E A FALTA DE CONFIANÇA, QUE JÁ MATOU MAIS DO QUE O SARS-CoV-2

Como se sabe, a covid tem sido o ai-Jesus do Governo, da Direcção-Geral de Saúde (DGS), do Serviço Nacional de Saúde e da nossa imprensa. Também, como se sabe, estas dignas instituições só olham para os números da covid, para a capacidade de resposta dos hospitais para a covid, para as taxas de internamento da covid, para a ocupação das unidades de cuidados intensivos para a covid. No meio disto, o medo enraizou-se tanto nos portugueses que uma grande parte foge mais depressa dos hospitais do que o diabo da cruz. 

Um grandíssimo problema desta visão redutora, errada e completamente absurda de se olhar para uma pandemia - como se esta fosse a única doença do Mundo -, tem sido falada: muitas consultas, exames de diagnóstico e cirúrgias têm sido adiadas, o que vai acarretar um aumento a prazo da letalidade de doenças tratáveis.

Porém, há também um efeito imediato, que se está a fazer sentir de forma muito preocupante, e à qual se tem denominado excesso de "mortalidade não-covid". Embora lamentavelmente a DGS, transformada agora em DGC (Direcção-Geral da Covid), recuse analisar (e divulgar) as causas das morte em excesso não-associadas à pandemia (e era fácil), existem indicadores que mostram que uma parte significativa se deverá a doenças súbitas (e.g., enfartes e AVC). Um desses indicadores (que lança a suspeita) é muito simples de obter: o local do óbito.

Ora, dirão alguns, como o local de óbito pode lançar essa suspeita? Muito simples. Sabendo-se que todos (ou praticamente todos) os doentes covid estarão a morrer nos hospitais, um aumento muito significativo e consistente da mortalidade fora dos estabelecimentos de saúde mostra a ocorrência de eventos anormais e súbitos que não terão sequer permitido uma resposta dos serviços de saúde. Ou seja, um aumento significativo de óbitos fora dos hospitais significa um aumento de doenças agudas. E sobretudo quando não são nada poucas, 

Através dos dados do SICO-eVm apurou que este ano, até ao dia 5 de Dezembro, registou-se um aumento de 6.287 óbitos em relação à média dos últimos cinco anos (2015-2019). Repito: 6.287 óbitos a mais, o que é um valor superior aos óbitos por covid.

Esse acréscimo verifica-se, de forma consistente, desde o início da pandemia, em Março, atingindo curiosamente (com excepção do Verão) os picos mais elevados nos períodos de maior restrição (e maior pânico) associada à luta contra a covid, isto é, entre Março e Abril e desde Outubro. 

Saliente-se, para os mais distraídos, que esse aumento das mortes fora das unidades de saúde não são de covid. Na verdade, uma parte dessas mortes poderia ter sido evitada se o SNS transmitisse confiança relativamente à segurança das urgências e, sobretudo, se a comunicação social não continuasse a (já quase criminosa) postura de fomentador do pânico. 

Insisto na ideia: há uma pandemia de medo que está a matar mais do que a covid. E isso não é racional.

domingo, 6 de dezembro de 2020

DOS SOBREVIVENTES

Nunca vi, em qualquer ano anterior, um jornal a dedicar insistentes reportagens sobre os “sobreviventes” de outras doenças ou mesmo das pneumonias que, quando levam a internamentos, apresentam taxas de letalidade que ultrapassam os 20%. 

Neste aspecto, o Público, enfim, la vai seguindo o seu novo “livro de estilo”, pró-apocalipse, e hoje presenteia-nos cim uma sugestiva reportagem intitulada “E depois da covid-19? As dores e os projectos que continuam com os sobreviventes”. 

Aí está: SOBREVIVENTES! Ou melhor dizendo, como afirma a jornalista Andrea Cunha Freitas, o “pelotão de sobreviventes”, que estão com “mazelas”, supostamente inimagináveis e únicas, que são, parece para quem leia a dita reportagem, exclusivas da nova doença.

Ora, mas de quantos SOBREVIVENTES com “mazelas”, de toda a ordem, estamos a ter? São 10? São 100? São 1.000? São 10.000? São 100.000? Um milhão? A reportagem responde. Citemos Andrea Cunha Freitas: “Há, actualmente, cerca de 200 mil pessoas em Portugal que tiveram covid-19 e recuperaram. No mundo serão cerca de 40 milhões. Porém, muitos não escaparam ilesos.” 

Aí está: são MUITOS, o que é um número que se situa entre 0 e mais infinito. E que justifica inteiramente que se chegue à conclusão de a nova doença só dar dois resultados possíveis: mortos ou sobreviventes. Com mazelas.

A reportagem do Público pode ser lida aqui.



DOS MESTRES-ESCOLA

António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa transformaram-se nos mestres-escola dos portugueses. O país tornou-se numa mega-escola primária. Na sala de aulas, chamada Portugal, onde nada se ensina, nada se divulga, nada se forma, nada se conhece, nada se avalia, os professores mostram-se sempre activos mas apenas no manejo da régua e da palmatória. 

De quando em vez, magnânimos, deixam os meninos sair para o recreio. Porém, de forma ordeira e de espada de Dâmocles na nuca. Se algo correr mal neste sistema de “ensino”, a culpa será sempre dos meninos, de nós. E o castigo está prometido: “Se isto se alterar radicalmente e voltarmos a ter um crescimento exponencial da pandemia, teremos de puxar o travão de mão”, avisa António Costa. Leia-se: acaba o recreio, já bem sumido.

Entretanto, os lares de idosos estão com mais de 4% dos seus residentes com casos positivos activos, enquanto fora dos lares a prevalência é inferior a 0,7%. A culpa é também dos meninos, de nós. Nunca dos mestres-escola.



sábado, 5 de dezembro de 2020

DO BODE EXPIATÓRIO

Na divulgação da morte do jornalista Pedro Camacho, a covid-19 surge no destaque em toda a comunicação social. Porém, depois, lendo a notícia completa do Expresso e do Público, fica a saber-se que afinal “não resistiu às complicações da covid-19 agravadas por duas infeções causadas por bactérias hospitalares”. Haver infecções nosocomiais, está visto, é coisa que passou a ser irrelevante nos nossos hospitais desde que a covid esteja presente para arcar com as culpas.



DO TERROR

Sobre estas sequelas não se fazem estudos: durante a devastadora e dantesca pandemia, muitos desgraçados jazem, como mortos-vivos, em desespero, tentando sobreviver, enquanto tratam “das flores no quintal”, vêem televisão, lêem “sete livros”, e pensam “muito”. Os danos, desconfio, serão irreversíveis.



sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

DOS MISTÉRIOS DAS INFECÇÕES RESPIRATÓRIAS

Um dos grandes mistérios da pandemia tem sido a abrupta redução das infecções respiratórias (incluindo a gripe) que chegam ao SNS. Muitos dizem que a redução se deve às medidas anti-covid, designadamente o distanciamento dito social e as máscaras, mas... assim, nesse caso, há uma questão essencial a colocar: porque motivo essas medidas funcionam para as infecções respiratórias mais vulgares (gripes, pneumonias, bronquites, etc.) e não funcionam para para evitar as infecções por SARS-CoV-2?

Com efeito, reparem no gráfico que apresento. Com o surgimento da covid em Março, as infecções respiratórias baixaram significa e abruptamente em relação aos anos anteriores (2017, 2018 e 2019, segundo dados do SNS). Em Março registou-se uma queda de 35%, mas entre Abril e Junho a redução rondou os 75%. Nos meses de Verão (Julho a Agosto) a redução relativa foi menor, mas esse período é bastante ameno na prevalência de infecções respiratórias.

Seria expectável que nos meses de Outono se registasse um aumento das infecções respiratórias, mas tem andado em contraciclo: em Outubro foram contabilizados 14.764 episódios (47% da média dos três anos anteriores) e em Novembro apenas 9.731 episódios (apenas 26% da média).

Desde Março, o diferencial absoluto de infecções respiratórias em 2020 é de 158.667 episódios em relação à média dos três anos anteriores, Tendo em conta que a taxa de letalidade das infecções respiratórias ronda os 1,6%, significa que se obteve, por aqui, uma "poupança" de mais de 2.500 vidas por causa, paradoxalmente, da covid, e que assim deviam ser deduzidas às provocadas directamente pelo SARS-CoV-2.

Dir-me-ão: isso é bom!, foram os efeitos das máscaras na rua e as novas medidas de confinamento e de recolher obrigatório, entre outras sapientíssimas decisões políticas.

Ah! sim?! E então como essa lógica encaixa na recente evolução de casos positivos de covid (assumindo que são todos verdadeiros positivos)? Como se explica que, com as medidas anti-covid, enquanto as outras infecções respiratórias regrediram de forma espantosa, o SARS-CoV-2 aumentou alegremente a sua capacidade de contágio? Vejam o gráfico! Em Setembro registaram-se cerca de 44 mil casos, em Outubro aumentou para 104 mil e em Novembro aproximou-se dos 200 mil.

Dir-me-ão que o SARS-CoV-2 tem uma capacidade de contágio muito superior, que será um vírus que "bloqueia" outros vírus e também bactérias que causam as habituais infecções respiratórias, mas isso parece-me apenas baseado em especulações. Seria bom, insisto, que se encontrasse alguma lógica para se manterem medidas políticas que não parecem racionais. E se, não parecendo, até são, talvez fosse conveniente algum sumidade nos explicasse o que anda a acontecer. Com desenho (leia-se, provas e estudos científicos), se necessário for.

Fonte: Monitorização da Gripe d Outras Infecções Respiratórias (SNS, consultável aqui).



DA VACINA OU DA NECESSIDADE DE VOLTAR A PENSAR NA SAÚDE PÚBLICA

Estou ansioso pela tal vacina. Sou 100% a favor da vacina, e desejoso que a campanha de vacinação decorra 1.000 melhor do que a campanha de vacinação contra a gripe. Estou mesmo a fazer figas.

A razão é muito simples: independentemente de vir a ser uma milagrosa vacina, ou de ser um placebo transformado em negócio, a pandemia "desaparecerá", porque do desaparecimento da pandemia está dependente a sobrevivência dos políticos que nos levaram até ao actual ponto. E eles vão fazer tudo, mesmo tudo, para que a vacina resulte.

Além disso, precisamos com muita urgência de terminar este "massacre" mediático e cessar o "circo" político em torno de uma doença que, até finais de Novembro, supostamente foi a causa de 4,1% das mortes totais em Portugal durante o ano de 2020, e matou 0,04% da população portuguesa. As outras doenças mataram 1,04%. Há vida e doenças para além da covid. Há uma política de Saúde Pública que não pode continuar "sequestrada" em torno de uma só doença que está a matar mais pela "cura".




quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

DA SUÉCIA (ESSE DESUMANO PAÍS QUE NÃO É COMO PORTUGAL), E QUE ABANDONOU OS VELHOS À MORTE E QUE BLÁ BLÁ BLÁ

Directamente da Human Mortality Database, organizada pelo Max Planck Institute e a Berkeley - University of California, eis um retrato da mortalidade semana a semana (excesso ou défice) entre Portugal e a Suécia para os maiores de 85 anos durante o ano de 2020 em comparação com os anos de referência de 2015-2019.... Quem anda a deixar morrer os velhos que nem tordos, quem é? Ah, pois!, há mais vida (neste caso, morte) para além da "dita" (a tal doença)...

Fonte: Human Mortality Database (vd. aqui).

DA ANÁLISE DA PANDEMIA DENTRO DA UNIÃO EUROPEIA PARA MOSTRAR QUE NEM TUDO É IGUAL; PELO CONTRÁRIO

Apeteceu-me fazer um pequeno exercício de análise multivariada (mais um "ensaio" do que uma análise académica), usando apenas a mortalidade mensal por covid, desde Março até Novembro (padronizada) para a União Europeia, apenas para tentar aperceber como se têm portado os diversos países, dado a convicção empírica de não ser tudo igual. O dendrograma que saiu está aqui em baixo, e, mais uma vez sem pretensões académicas (que neecssitariam de análises mais finas), eis as minhas conclusões relativamente aos diferentes perfis (grupos) que se formam. 

Grupo A - formado pela Bélgica França, Espanha, Itália, Suécia, Irlanda e Holanda, que foram particularmente atingidos durante a primeira fase da pandemia (Março-Maio). Este grupo subdivide-se em três subgrupos, a saber:

 A1 - Bélgica, que se distingue pela elevadíssima mortalidade tanto na primeira como na segunda fase; 

A2 - França, Espanha e Itália, que registam uma segunda onda menor ou sensivelmente superior à primeira, mas num nível inferior á da Bélgica; 

A3 - Suécia, Irlansda e Holanda, que apresentam uma segunda onda com muitíssima menor dimensão da primeira.

Grupo B - formado pela Roménia, Luxemburgo, Portugal, Áustria, Bulgária, Hungria, Polónia, Croácia,  República Checa e Eslovénia, e agregando países em que a onda de Outono (Outubro-Novembro) é substancialmente superior à registada na primeira fase da pandemia, na Primavera, quando tal ocorreu. Este grupo suibdivide-se em três subgrupos, a saber:  

B1 - Roménia, Luxemburgo, Portugal e Áustria, que já tinham sido atingidos na Primavera, embora em menor grau relativamente ao grupo A, e que apresentam na segunda fase (Outubro-Novembro) uma mortalidade mais elevada. Pode afirmar-se que a segunda onda é pior do que a primeira. embora os valores não sejam dos mais elevados na UE-27.

B2 - Bulgária, Hungria, Polónia e Croácia, formado por países que  registaram, por norma, mortalidade muito baixa até Setembro (portanto, sem primeira onda) e que apresentam agora no Outono uma mortalidade muito elevada. Ou seja, a onda de Outono é, na verdade, a primeira onda.

B3 - Eslovénia e República Checa, formado por dois países com semelhanças ao subgrupo B2 mas com uma mortalidade muitíssimo elevada em Outubro e sobretudo em Novembro.

Grupo C - formado pela Alemanha, Chipre, Letónia, Dinamarca, Finlândia, Estónia, Malta, Grécia, Eslováqui e Lituânia, formado pelos países com melhor desempenho na UE, comparativamente aos restantes, embora formando dois subgrupos com perfis distintos, a saber:

C1 - Malta, Grécia, Eslováquia e Lituânia, formado por países que não foram atingidos pela primeira onda da Primavera, mas que apresentam agora (Outubro-Novembro) maior mortalidade, embora num nível menor do que o dos países dos grupos A e B.

C2 - Alemanha, Chipre, Letónia, Dinamarca, Finlância e Estónia, inrtegrando países que têm conseguido suster a mortalidade ao longo da pandemia, registando mesmo, em alguns casos, mortalidade em Novembro inferior à registada em Abril (que nãop foi então muito elevada).

Como em tudo, Portugal está ali no meio: longe do Paraíso, mas também não sendo propriamente um Inferno.  

Fonte: Worldometers. Análise de clusters hierárquico feito através do SPSS 25.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

DO NÃO SE QUERER OLHAR PARA A REALIDADE PARA APRENDER

Uma das coisas que mais me irrita - sim, tenho andado irritado - é a incapacidade da maioria dos Governos europeus em assumirem erros (e o de Portugal, nesse aspecto, tem esse problema crónico) e em procurarem e adoptarem soluções que se mostraram bem-sucedidas noutros contextos - aquilo que se chama benchmarking. 

Isto a pretexto da propalada segunda onda da c0vid, e da preferência por estratégias que de eficácia duvidosa na contenção da pandemia e com evidentes consequências nefastas na Economia e na saúde mental das populações. 

Sendo certo que, na União Europeia (UE-27), o mês Novembro foi o pior desde o início da pandemia (94.193 óbitos contra 75.472 registados em Abril), não se pode afirmar - na minha opinião é errado e abusivo - que a (suposta) segunda onda está a ser pior do que a primeira (Primavera). Com efeito, se compararmos a situação dos cinco países com maior mortalidade por c0vid em Abril (França, Espanha, Itália, Bélgica e Alemanha) com a mortalidade em Novembro observamos uma redução de 16% no número de óbitos. A primeira onda, em termos efectivos no seio da UE-27, foi extremamente localizada. Os cinco países acima identificados agruparam 85% das mortes em Abril; agora em Novembro ronda os 57% (e uma redução absoluta de 10 mil óbitos). Em Abril. e em termos relativos (padronizado à população portuguesa), a situação apenas se mostrou preocupante sobretudo na Bélgica (194 óbitos diários), Espanha (117), França (105), Itália (86), Suécia (86), Irlanda (82) e Holanda (74), sendo que então em 16 países da UE-27 se registou uma mortalidade diária inferior a 20 óbitos (padronizados), a maioria dos quais localizados na região leste e norte da Europa

Na verdade, Novembro veio sobretudo mostrar que a c0vid atacou sobretudo os países que tinham sido poupados ao "ataque" da Primavera. De entre os oito países que em Novembro registaram mais de 100 óbitos diários (padronizados), somente na Bélgica e na Itália se pode dizer que existe uma segunda onda, podendo-se acrescentar também o Luxemburgo (embora seja caso especial, devido à reduzida população). 

De resto, os outros países bastante afectados em Novembro (Eslovénia, República Checa, Bulgária, Hungria, Croácia e Polónia, numa primeira linha, e Áustria, Roménia e Grécia, numa segunda linha), tinham tido valores relativamente reduzidos de mortalidade na Primavera. Ou seja, não se pode dizer que estejam a sofrer uma segunda onda, mas sim uma primeira onda, pois não a tiveram na Primavera.

Porém, na minha opinião, aquilo que se deveria estar a olhar era sobretudo para os casos de sucesso, quer para os países que se estão a portar relativamente bem neste Outono (face à Primavera) quer para aqueles que sempre mantiveram a c0vid longe de constituir um factor de mortalidade excessiva. 

No pimeiro lote, excluindo Chipre (por ser ilha de pequena dimensão), destacaria a Finlândia, a Dinamarca e a Estónia, que têm conseguido, ao longo dos meses, sempre baixa mortalidade, e sobretudo agora em Novembro. Note-se que na Finlândia e na Estónia a máscara não faz parte da estratégia de contenção da pandemia.

Num segundo lote, destacaria as boas evoluções da Espanha (que, mesmo ainda não estando num situação aceitável, conseguiu reduzir a mortalidade de Novembro em 50% face ao valor de Abril) e sobretudo da Irlanda e, em certa medida, da Suécia. Este último país é, como se sabe, o mais "liberal" e menos restritivo de todos os países da UE-27, e embora tenha aumentado significativamente a mortalidade em Novembro, é o oitavo com menos mortes diárias. No caso da Irlanda, cuja realidade e estratégia conheço mal, a evolução desde Abril é impressionamente favorável.

Em suma, de uma forma racional, em vez de se insistir em medidas de eficácia absurda (e.g., máscaras na rua, que é das medidas mais estúpidas, como vos asseguro por experiência própria de 19 dias na Itália) ou contraproducentes (restrições de horários ou de acessos, que mais não fazem do que aumentar congestionamentos e comportamentos de maior risco). parecer-me-ia mais útil analisar as práticas que foram sendo implementadas noutros países e que tiveram sucesso. E aplicá-las, adoptando-as à realidade de cada país. 

E, sobretudo, acabar com o mito de a c0vid estar a ser uma catástrofe equiparada à gripe espanhola, e que existe uma segunda onda pior do que a primeira. Nesta linha, um artigo do "inefável" David Dinis, no Expresso desta semana, é de uma ignorância criminosa... 

A c0vid, assuma-se, é um actualmente problema grave de Saúde Pública, não apenas por causa do SARS-CoV-2 mas sobretudo pelas estratégias políticas seguidas por muitos Governos. E temo cada vez mais que o lastro que deixará, em termos de mortes e de danos para a Economia, será sim catastrófico, se se mantiver o status quo dessas políticas, assente num histerismo generalizado.

O gráfico que em baixo apresento mostra como era a mortalidade por c0vid em finais de Maio e em finais de Novembro, que permite,  interpretando, verificar que Novembro fustigou sobretudo os países poupados aos "ataques" da Primavera, Oprtunamente, se possível, apresentarei aqui mais análises sobre a evolução da pandemia na UE-27.

Fonte: Worldometers (dados actualizados).