Em Março, no início da pandemia - e escrevi sobre isso -, não tenho dúvidas sobre as mortes por covid se terem iniciado ainda na primeira quinzena, por via do aumento anormal da mortalidade total antes do anúncio oficial da primeira morte.
Depois dessa primeira fase, e sobretudo com o recurso massivo aos testes PCR, sucedeu o oposto. Quem morresse com um teste positivo, a menos que tivesse sido trucidado por um comboio, certo e garantido que ficava catalogado como "morto covid".
Não sendo médico, estas certezas absolutas no número de mortes por covid causam-me bastante espanto e estranheza, sobretudo porque os contextos desses desfechos fatais não são "cristalinos, em especial em idosos. Os seus quadros clínicos nem sempre são claros e, como se destaca nas estatísticas mais detalhadas do CDC norte.-americano, à covid associa-se, muitas vezes, outras doenças, com as pneumonias à cabeça.
E escrevo aqui pneumonias, mas deveria acrescentar bronquites, gripes (que directamente matam pouco) e outras infecções respiratórias, que no conjunto "ceifam" que se fartam.
Porém, aquilo que me causa mais espanto, como escrevia, é a certeza absoluta da DGS (e de outras congéneres estrangeiras) na catalogação dos óbitos covid, ou seja, na identificação do SARS-CoV-2 como agente causador do óbito. Isto porque, na verdade, no caso das pneumonias e afins não se em conseguidos, nos cerificados de óbitos, tantas certezas.
Com efeito, analiando a Plataforma da Mortalidade, para os anos de 2014 a 2018, observa-se que, usando a classificação internacional da OMS (CID-19, abrangendo, para esta análise os códigos J100 a J22), pode ser declarado como agentes da morte por infecções respiratórias uma longa lista de vírus e bactérias, a saber: diversos vírus da gripe, adenovírus, vírus sincicial respiratório, Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenza, pseudomonas, estafilococos, estreptococos, Mycoplasma pneumoniae e até a babal Escherichia coli.
Pergunta de um milhão: mas consegue-se, em todos os casos, saber quais destas "bichezas" foi a culpada em cada caso? Resposta: nem pensar. Em 2014 apenas se identificou o agente em 3,5% dos casos de infecções respiratórias; em 2015 foi apenas 4,1%; em 2016 de 5,0%, em 2017 de 4,5%; e em 2018 chegou-se aos 6,3%. No resto (ou seja, em cerca de 95% dos casos), o agente infeccioso não foi identificado. Ou seja, a culpa morreu solteira.
Contudo, na actual pandemia, tem-se sempre a certeza absoluta, absolutérrima, que, se há teste positivo PCR, está garantido que o SARS-CoV-2 arcará sempre com as culpas se houver óbito... mesmo se outras "bichezas" se aproveitem para dar a facada final. O SARS-CoV-2 é, na verdade, um mordomo de um policial de série B.
Fonte: Plataforma da Mortalidade em Portugal (DGS), consultável aqui.