Apesar de as minhas análises serem sempre consubstanciadas por dados oficiais (alguns muitos escondidos), sou brindado, por vezes, com epítetos pouco dignificantes, além obviamente de muita gente (mesmo amigos fora do contexto facebookiano) colocarem em causa a minha idoneidade e as minhas capacidades, simplesmente por não ser virologista, epidemiologista ou o "diabo a quatro". Ataca-se o mensageiro face à incapacidade de encontrar falhas na qualidade da mensagem, para que, assim, se negue uma evidência, e assim se continue na espiral de medo. E a espiral de medo sustenta a inacção. E a morte.
Mais uma análise. E desta vez quase podem esquecer a covid, porque a análise é sobre o Verão, onde a doença quase se tornou irrelevante. Ou melhor: tenham em consideração que matou 398 pessoas durantes os 92 dias dos meses de Julho, Agosto e Setembro, que é muito menos do que a pneumonia matava em anos anteriores em período homólogo (sem que o Doutor Filipe Froes nos quisesse pôr de máscara nas ruas). E depois comparem a mortalidade total nestes meses de Verão com a ocorrida em anos anteriores desde 1996.
O mês de Julho de 2020 ultrapassou pela primeira vez os 10.000 óbitos, com um total de 10.430. Chegou mesmo a ultrapassar a mortalidade de Agosto de 2003, tristemente célebre por uma onda de calor que atingiu toda a Europa, matou mais de dois mil portugueses (relatório da DGS de 2004) e contribuiu para a queima de 350 mil hectares de área florestal nacional. Nem por sombras tivemos um Julho de 2020 similar aos de Agosto de 2003, quando se chegou a ultrapassar os 42 graus em Lisboa (e imaginem no interior do país). Além de Julho, Setembro deste ano, com temperaturas amenas, bateu recordes: nunca antes neste mês, o menos mortífero do ano em situação nornal, houve uma média diária de 300 mortes por dia (o total do mês foi de 9,008). Foi mais um morticínio silencioso e silenciado.
Enfim, olhando para estes dados (oficiais), quem acha que a responsabilidade por esta hecatombe no recente Verão foi um acaso, ou foi por causa do tempo quente (não houve sequer onda de calor nos distritos do litoral) ou foi por dedo de Nosso Senhor que decidiu castigar os portugueses, e não foi o "estado de sítio" em que se encontra o Serviço Nacional de Saúde (SNS), só pode ser um negacionista.
A evidência da mortalidade não associada à covid neste Verão, que ainda por cima atingiu sobretudo os mais idosos, é de tal modo avassaladora, é de tal modo superior à propria mortalidade causada pelo coronavírus (desde Março), que somente por uma dissonância cognitiva das graves se pode conseguir encontrar uma explicação. Achar que os morticínios do último Verão não tem relação directíssima com um SNS a meio gás é, sim, a atitude de um verdadeiro negacionista. E, neste caso, ser negacionista (e por se ser facção largamente maioritaria, e pactuar assim com a estratégia de um SNS em serviços mínimos) é contribuir passivamente para muitas mais mortes. E, ironicamente, mortes daqueles que essas pessoas estão a querer salvar a todo o custo de morrerem de covid.
Nota: Limite inferior do gráfico: 20.000 óbitos.