Carlos Antunes, doutorado em Geodésia (e que, entre muitos bons estudos na sua área, avaliou recentemente a probabilidade de inundações costeiras devido à subida do nível do mar e a eventos de tempestade extrema), tornou-se um guru da Matemática da Pandemia. E tão apaixonado anda com o seu novo interesse que, com unhas e dentes, defende a sua "dama" até ao nível do absurdo. E atira-se com garras e fúrias a quem lhe aponta, enfim, as limitações dos modelos matemáticos e, sobretudo, os pressupostos para os dados que utiliza. Foi ele que ajudou a fechar as escolas; é ele que agora está a forçar, com Pedro Simas, que Portugal passe habilidosamente de "besta" efectiva a fantasioso "bestial", limpando a imagem do Governo na péssima gestão da pandemia e no caos do SNS em Janeiro.
Já há dias, numa longa entrevista na RTP, fiquei abismado com a sua analogia entre o fecho das escolas e o uso de aviões pesados Canadair para a supressão de incêndios rurais à nascença. Absurda analogia, não apenas por ser impraticável usar aviões pesados em qualquer ignição, mas sobretudo por a realidade mostrar que o efeito do uso de aviões pesados não é um factor determinante para a variabilidade da área ardida em Portugal.
Também já ficara boquiaberto quando ele concluiu que os jovens dos 18 aos 24 anos são o grupo com maior incidência de infeção, quando, na verdade, são os mais idosos, porque a incidência deve sempre ser calculada em função da dimensão de um grupo etário (ou seja, como taxa relativa).
Agora, vejo que polemiza com "uma Raquel Varela", forma pouco cordata de alguém que se assume como académico se dirigir a uma colega académica, mesmo que de outra área científica. Carlos Antunes, no seu post, justifica logo porque não tem em nenhuma consideração os argumentos de Raquel Varela: "como a senhora não percebe nada de matemática dificilmente compreenderá a natureza dos dados a que se refere".
Não me considerando um especialista em qualquer área, uma das vantagens da minha (comprovada) formação académica e profissional (engenharia, conservação da natureza, economia, gestão, comunicação social, história, políticas públicas e até literatura) é ter um conhecimento suficientemente alargado para entender os "mecanismos" de muitas áreas e sobretudo a "retórica" dos que se assumem como especialistas, sobretudo quando falam para leigos. Quase sempre a retórica, quando imposta, se mostra com pés de barro.
Nessa "retórica", como bem fica patente no post de Carlos Antuns, que desanca na Raquel Varela, espraiam-se tiques de superioridade mas assentes num discurso que dá para rir. Fazer uma simples correlação entre temperatura média e mortalidade covid e não-covid, concluindo que a vaga de frio só matou quem não estava com covid é dos maiores absurdos que se pode ver. Aquilo devia dar para chumbar qualquer aluno, e nem era de Matemática.
Porém, quando se temperam argumentos com termos como "correlação numérica", "modelo bio-físico", e "2ª derivada da incidência", dá-se uma ideia de saber superior, ainda mais quando implicita ou explicitamente se faz entender que o opositor não domina esses conceitos. Porém, Carlos Antunes faz-me tão-só lembrar os padres que até ao século XVIII introduziam nos seus sermões, em portugês, frases em latim: os seus ouvintes não entendiam latim, mas essas palavras tinham apenas o propósito específico de granjear maior superioridade "intelectual" ao clérigo.
Nessa medida, eu quero dizer-vos que sei bem o que a "2ª derivada da incidência" pode indicar-nos, mas também desejo confessar-vos ("imodesticamente") que sou especialista em análises aos discursos de académicos, e que as faço muito bem até à "3ª derivada", que serve basicamente para detectar calhaus. E descobri um nas análises e modelos sobre a pandemia que têm sido apresentadas pelo digníssimo professor do Departamento de Engenharia Geográfica, Geofisica e Energia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Carlos Antunes. Aliás, este é um bom caso em que se aplica o adágio: quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão.