Desde muito cedo, em Julho, alertei para o mortícinio, sem precdentes num mês de Verão, que se estava a registar. Ninguém ligou, porque os alertas foram feitos num blog e no FB. E eu sou quem sou, e não sou um reconhecido epidemiologista, nem virologista nem sequer médico. Sou, segundo consta, um não-especialista, um curioso, um tipo que está comodamente no sofá.
Entretanto, mesmo sendo um suposto não-especialista, analisei em Agosto o relatório do IPMA, o índice ÍCARO e a mortalidade do mês de Julho, tendo concluído que o excesso de mortalidade não podia ter sido provocada por qualquer suposta onda de calor, e que o tempo quente iria servir sim como bode expiatório. Escrevi, por exemplo, aqui e aqui.
Dito e feito. Em meados de Setembro, veio o Doutor Baltazar Nunes, responsável pela divisão de epidemiologia do Instituto Ricardo Jorge (INSA) e consultor da DGS (este sim um verdadeiro "especialista"), garantir que a "culpa" das mortes em excesso em Julho tinha sido do tempo quente. Dizia ele então: “Se o excesso de mortalidade estivesse relacionado com, ou se a principal causa da mortalidade fosse a ausência ou diminuição do acesso aos cuidados, o aumento de mortalidade não teria um comportamento de subida e descida. É essa a principal razão pela qual acreditamos que o aumento da mortalidade tem a ver com estes três fatores.”
Um tipo comum ouve um especialista e fica convencido que o dito sabe mais do que um não-especialista... E, pronto, vaticina que o especialista tem razão, e que o suposto não-especialista (eu, neste caso) tem má-vontade contra o Governo, contra a DGS, contra a Ciência e contra tudo e contra todos, é um negacionista e um histérico.
Sucede, porém, que há outros investigadores que, enfim, não sendo consultores da DGS, fazem Ciência. Alguns estão na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa. Esta semana, um desses grupos - constituídos por André Vieira, Vasco Ricoca Peixoto, Pedro Aguiar, Giorgio Zampaglione, paulo Sousa e Alexandre Abrantes - veio confirmar o que eu (um suposto não-especialista) havia já escrito em Agosto, explicitando que as temperaturas alcançadas em Julho "dificilmente podem explicar alterações fisiológicas que causem excesso de mortalidade desta magnitude", assentando baterais na redução dos cuidados médicos como explicação. Pronto, desmentiram o especialista Doutor Baltazar Nunes.
Mas o mais curioso disto tudo - ou mesmo bizarro e trágico - é saber que o Doutor Baltazar Nunes - o tal especialista, o tal que é responsável pela divisão de epidemiologia do Instituto Ricardo Jorge (INSA), o tal que é consultor da DGS, o tal que para safar o Governo culpou o Sol - também acumula funções de professor auxiliar convidado da dita Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa e membro integrado do Centro de Investigação em Saúde Pública (CISP). Tantos pergaminhos para depois vir ele, travestido de cientista, culpar o Sol apenas para desculpar o Governo... É por estas e por outras que adoro o modelo sueco. Lá não há destas torpes promiscuidades.
Nota: Relatório da Escola Nacional de Saúde Pública (vd. aqui).
Página do Doutor Baltazar Nunes na Escola Nacional de Saúde Pública (vd. aqui).
Notícia do jornal i de 18/8/2020 em que o Doutor Baltazar Nunes culpa o Sol pelo excesso de mortes e desculpabiliza o SNS (vd. aqui).
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