segunda-feira, 18 de maio de 2020

DO MAU RESULTADO SEM SER CATÁSTROFE (dos efeitos sobre os idosos com mais de 85 anos)

Não é já novidade para ninguém duas coisas:

a) a covid-19 é particularmente grave para os maiores de 85 anos;

b) a faixa etária mais «susceptível» a deixar o mundo dos vivos, independentemente da covid-19, é a dos maiores de 85 anos.

Ora, se juntarmos, na equação, covid + medo + isolamento + descontrolo do SNS, temos um resultado muito pouco satisfatório, mas que, numa análise mais detalhada, não se mostra catastrófico.

Nesta madrugada estive a calcular, com o detalhe possível, a evolução da mortalidade por faixa etária do período compreendido entre 1 de  Outubro de 2019 e 15 de Maio de 2020 (1out-15mai2020), que corresponde, grosso modo, ao período de vigilância gripal, seguindo o modelo do Instituto Nacional de Saúde.

Vou-me debruçar, por agora, na faixa dos maiores de 85 anos, que constitui o problema mais sensível, onde se detectam situações preocupantes, por um lado,.mas também não demasiado catastróficas, numa perspectiva de saúde pública.

No primeiro gráfico encontra-se espelhada a variação da mortalidade neste período, onde se destaca, a partir da segunda quinzena de Março:

a) a mortalidade "explicada", que até 15 de Março representa a mortalidade efectivamente verificada, e a partir de 16 de Março a mortalidade média expectável (mortalidade basal), considerando a média dos últimos cinco anos para esse período) - mancha verde 

b) os óbitos por covid dos maiores de 80 anos (a DGS não faz coincidir as faixas etárias entre os boletins da covid e o SICO, não sei porquê, pelo que assim se pressupôs que todos os óbitos de maiores de 80 anos eram efectivamente só de pessoas com mais de 85 anos) - mancha vermelha

c) SINPADE (Síndrome de Pânico e de Descontrolo do SNS (como há dias referi), e que representa o acréscimo de mortalidade, em relação à não explicada pela covid - mancha amarela

Significa isto que a soma destas três componentes constituem a mortalidade total, por dia, para este grupo etário. Obviamente, antes de 15 de Março, como não se registaram oficialmente óbitos por covid (embora se registe já um incremento na primeira quinzena desse mês, o que denuncia que a covid já estaria então a causar vítimas), o total de óbitos é apenas a da mancha verde (mortalidade "explicada").

Ora, uma breve análise visual mostra que a área da mancha vermelha (covid) é ligeiramente inferior à da mancha amarela (SINPADE), sendo que a soma das duas representa o excesso de mortalidade no período, Em termos numéricos, entre 16 de Março e 15 de Maio morreram este ano 9.136 pessoas deste grupo etário contra uma média em período homólogo de 7.337, o que significa um acréscimo de 1.799 óbitos. Destes, 807 foram por covid (um valor que pecará por excesso, devido a se ter contabilizado todos os óbitos dos maiores de 80 anos como se fossem da faixa dos maiores de 85), enquanto 992 óbitos terão sido devidos ao SINPADE. Ou seja, a covid explicará, nesta perspectiva estatisticamente simplificada, menos de metade do acréscimo de mortalidade. Aliás, para o período da pandemia em análise (16mar-15mai), a covid terá sido responsável, no máximo, por 8,8% das mortes nesta faixa etária (807/9.136).

Um exemplo evidente de não ter sido a covid a explicar a totalidade do acréscimo de mortalidade observa-se no dia 4 de Abril, quando morreram 199 pessoas com mais de 85 anos, mas a DGS indicou apenas 20 óbitos de pessoas com mais de 80 anos (repete-se que se pressupôs que este grupo integrava totalmente a faixa de maiores de 85 anos). Para esse dia seria expectávela ocorrência de 131 óbito neste grupo etário. Ou seja, para este dia estimou-se 48 óbitos para o SINPADE.

Para mostrar, noutra perspectiva, que a pandemia, nas suas duas vertentes (covid e SINPADE), foi particularmente agreste para este grupo etário, saliente-se que, em média, para este período (16mar-15mai), os óbitos de maiores de 85 anos representam 40,5% do total, mas este subiram para 44,1% .

Para o período em análise mais longo (1out2019-15mai2020), que inclui portanto o surto gripal desta época e a pandemia da covid (e seus efeitos colaterais), contabilizam-se 32.621 óbitos no grupo dos maiores de 85 anos, um acréscimo de 2.172 óbitos em relação à média dos últimos cinco anos. Significa isto que o acréscimo de óbitos pelo surto gripal desta época (com pico em meados de Janeiro, mas com incidência a partir de Outubro) foi apenas ligeiramente acima da média.

Saliente-se, contudo, que, apesar da pandemia da covid (e seus efeitos colaterais), a época 1out2019-15mai2020 (com 32.621 óbitos para o grupo dos maiores de 85 anos) foi pouco mais mortífera do que a época 1out2017-15mai2018 (com 32.474 óbitos), que teve um período gripal bastante longo. O Instituto Nacional de Saúde viria mesmo a estimar, para essa época de gripe 2017/2018 um excesso de mortalidade por todas as causas, entre as semanas 52/2017 e 9/2018, de 3.714 óbitos (15% superior em relação ao esperado). 

Em todo o caso, diga-se, a mortalidade no período 1out2019-15mai2020, apesar de elevada, ainda está dentro do intervalo de confiança de 95% (25.956-34.943), ou seja, do ponto de vista estatístico, não constitui uma situação anormal. 

Conclusão: apesar da covid, apesar do medo das pessoas em se dirigirem às urgências, do pânico quase geral, e também de um certo descontrolo do SNS (que baptizei de SINPADE), e pese embora o drama que sempre representará a perdade de entes queridos, até agora a pandemia causada pelo SARS-CoV-2 não se mostra catastrófica mesmo para o grupo mais sensível (maiores de 85 anos). Na minha humilde opinião, os resultados poderiam ter sido melhores se, porventura, o SNS tivesse conseguido dar maiores garantias de segurança para as idas às urgências e se não tivesse descurado as rotinas nos tratamentos aos mais vulneráveis, onde se encontram os idosos. Aliás, a situação continua a ser algo preocupante na faixa dos maiores de 85 anos, porquanto, apesar do surto da covid estão regredir, a mortalidade neste grupo continuava ainda bem acima da média no final da primeira quinzena de Maio, conforme aliás se pode observar no segundo gráfico.

Nota 1: Para uma comparação mais adequada considerou-se o período de 1 de Outubro do ano N até 16 de Maio do ano N+1 sempre que o ano N+1 não era bissexto, ou seja, sempre que o ano em causa tivesse apenas 28 dias no mês de Fevereiro.




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