quinta-feira, 16 de abril de 2020

DO LUIS SEPÚLVEDA

Há longínquos 22 anos, em 1998, entrevistei-o para a revista Fórum Ambiente. O seu passado ambientalista era tão rico como o de escritor. Em sua homenagem, junto aqui o meu Serafim, apesar de não constar ter ele ensinado qualquer gaivota a voar.


quarta-feira, 15 de abril de 2020

DO PLANALTO (OU A QUIMERA)

Faço uma busca no Google usando as palavras "covid" e "planalto": dá-me uma lista de 22 400 000 resultados! A palavra "planalto", sobretudo na boca das nossas autoridades de Saúde, é pior que a pandemia. Aliás, leva-me a crer em três hipóteses: 1) eles sabem que mesmo que haja um "planalto" de casos, tal não significa nada em termos de evolução futura; ou 2) não sabem o que andam a dizer e a fazer; ou ainda 3) tratam-nos como crianças a quem se promete um rebuçado se se portar bem (e o rebuçado não existe).
Tal como se veio a verificar com as máscaras - que durante semanas, incluindo no site da OMS - eram indicadas como propiciadoras de contágio para agora se transformarem em "salvíficas" -, a insistência no "planalto" é nesta fase apenas, na melhor das hipóteses, uma canção de embalar. Como ainda não se conhece o comportamento do SARS-CoV-2 ignora-se se a sua actividade decairá com a aproximação do Verão no Hemisfério Norte. A vírus da gripe A (H1N1), em 2009, teve o seu pico de casos em Portugal no mês de Agosto.
Não sendo epidemiologista, sei pensar pela minha cabeça e fazer umas análises sem ser necessário curso de Medicina; pelo contrário. E assim, perante o que se ignora sobre o SARS-CoV-2, deu-me para observar como se comportaram outros vírus em surtos gripais mais intensos em Portugal para verificar se existe um único padrão, se houve sempre “planaltos” ou outros “acidentes orográficos”.
Escolhi assim, por terem sido os que causaram maior mortalidade (e, portanto, haverá uma forte correlação entre a actividade dos vírus e a variação dos óbitos), os surtos de 2011-12; 2014-15; 2016-17; 2017-18 e 2018-19, observando, para cada, os períodos de Outubro até 15 de Abril. Usei médias móveis de 5 dias para atenuar variações diárias.
Ora, como se pode observar nos gráficos que anexo, no surto de 2011-2012 verificou-se uma subida da mortalidade quase constante desde o princípio de Dezembro até à terceira semana de Fevereiro, tendo depois havido uma descida da mortalidade para níveis “normais” até Abril. Foi um surto longo e sem qualquer planalto.
O surto de 2014-2015 teve o seu início sobretudo em meados de Novembro, registando um incremento maior na mortalidade no início de Janeiro, até alcançar um pico nos 450 óbitos a meio desse mês, demorando depois disso três longos meses para se atingir níveis “normais”. Também não se observa qualquer planalto.
O surto de 2016-2017 principiou no início de Novembro, com um incremento mais significativo em meados de Dezembro, registando-se um pico extraordinariamente elevado no início de Janeiro. Iniciou-se depois uma brusca descida na mortalidade, mas apenas durante cerca de duas semanas, observando-se um segundo pico (menos intenso que o anterior), descendo finalmente a mortalidade para níveis “normais” no final de Fevereiro. Foi um surto muito intenso, mas de curta duração. Também não se observa qualquer planalto.
O surto de 2017-2018 iniciou-se em Novembro e teve uma evolução ´sui generis’, em “escada” (rápida subida abrupta, de curta duração, seguida de uma curta estagnação, seguida de nova subida abrupta), com dois degraus de Novembro e Dezembro. Em seguida observou-se, desta vez sim, uma espécie de planalto, com variações durante dois longos meses (Janeiro e Fevereiro), com níveis de mortalidade a rondarem quase sempre os 400 óbitos diários. Este surto gripal foi extremamente longo e intenso, sem um pico denunciado, e apenas terminou em finais de Abril (não incluído no gráfico). Muito por via desta situação, o ano de 2018 foi o mais mortífero em Portugal desde sempre (113.600 óbitos).
Por fim, o surto de 2018-2019 começou com maior intensidade na segunda quinzena de Dezembro, atingindo-se um pico na segunda semana de Janeiro, sucedendo-lhe um período de variações na mortalidade que, de certa forma, criaram duas “bossas” até quase finais desse mês. Por fim, nos meses de Fevereiro e Março observou-se um longa e suave descida da mortalidade até se atingir os níveis “normais”. Não se vislumbra qualquer planalto.
Em suma, o “planalto” não tem sido muito frequente em surtos gripais e, além disso, não me parece que indiquem coisa alguma, i.e., enquanto se se está a "viver" uma estagnação jamais se pode saber a priori se se está na antecâmara de nova subida ou na beira de um descida definitiva. Aliás, na verdade, observando o surto gripal de 2019-2020, a mortalidade causada pela covid-19 tem, até este momento, um “comportamento” muito similar, embora até muito menos intenso. No entanto, obviamente, não faz sentido estarmos a garantir que se está num qualquer planalto, ou que que isso é um bom sinal. Enfim, o planalto (não) é sinal de coisa nenhuma. É apenas uma canção de embalar. E eu, pelo menos, já não tenho idade para isso. Ou se tenho, não quero que seja o Governo a cantar.







DO REBANHO

E, portanto, se o Presidente da República diz que já vê a luz ao fundo do túnel, aí vamos nós...
Enfim, isto não anda nada controlado, mas já se está a preparar o povo para que, mansamente, muitos venham a ter de dar mesmo o “corpo às balas”, i.e., ao coronavírus, de contrário não morremos da doença, morremos da cura.

terça-feira, 14 de abril de 2020

DA DOCE GRIPE E DA COVID TERRÍVEL

Anteontem escrevi um post onde lamentava a indiferença com que as gripes são olhadas pela sociedade, por todos nós, por se julgar ser problema expectável e controlado. E que, por isso, qualquer comparação com a covid-19, argumentaram muitos (alguns rotulando-me com epítetos pouco abonatórios para a minha inteligência), não era ajustada.
Ora, primeiro, não foi minha intenção principal comparar a mortalidade da covid-19 com a dos surtos gripais, pese embora estudos indiquem que, a nível, mundial causam uma mortalidade média de 389 mil pessoas (vd. link em baixo). Na verdade, foi minha intenção principal chamar a atenção para o facto de, ao desleixarmos a gravidade de uma doença recorrente, mas que está longe de ser controlada e de efeitos expectáveis, não apenas “deixamos” morrer muitos (e muitos idosos) como ficamos assim menos preparados para enfrentar (como agora está à vista) um vírus (SARS-CoV-2), que é efectivamente mais perigoso do que os vírus da gripe (geralmente, Influenza).
Mas volto à liça para mostrar, aos mais cépticos, que a “gripezinha” não é uma pêra doce. Nem sequer de efeitos expectáveis, mesmo se sabemos que chega quase sempre no Inverno (analisarei isso mais tarde). Se olharmos para a variação da mortalidade em Portugal ao longo de um qualquer ano, verifica-se que, grosso modo, há uma “base de óbitos”, chamemos assim, que ronda as 260 mortes por dia (entre Junho e Outubro a média diária de óbitos situa-se entre os 250 e 270). Esta “base” corresponde, obviamente, às mortes pelas mais diversas causas que, por regra, provocam estragos em qualquer época do ano. Sobretudo nos meses de Inverno e uma parte do Outono e Primavera, o factor que mais determina o aumento nos números da mortalidade são a gripe, e em alguns contextos por “acumulação” o frio (no Verão também as ondas de calor, mas de forma mais esporádica). E aí, acreditem, as gripes podem ser um flagelo (muito diferenciado, e mais ou menos significativo em função dos anos), quase sempre imprevisível no número de vítimas e na amplitude temporal dos seus efeitos. Mas é previsível num aspecto comum: aniquilam sobretudo os mais idosos (idade superior a 75 anos), tal como a covid-19.
No primeiro gráfico (G1) que apresento hoje podem visualizar a evolução da mortalidade durante um dos surtos gripais mais intensos dos últimos nos últimos anos (2016-2017), que nem foi o mais mortífero, mas que se salienta pelo pico elevadíssimo no início de Janeiro (578 óbitos no dia 2). No período de Outubro de 2016 a 15 de Abril de 2017 registou-se uma média diária de 337 óbitos (mais de 70 óbitos por dia acima do habitual nos outros meses), atingindo, contudo, uma média diária de 409 óbitos nos meses de Dezembro de 2016 e Janeiro de 2017 (quase 150 óbitos a mais do que o habitual nos meses mais avançados da Primavera e no Verão). Note-se que durante essa época gripal (Outubro-Maio) foi estimado pelo INSA um acréscimo de 4467 óbitos devido a este surto gripal. Saliente-se, porém, que estes valores são estimativas que entram também em linha de conta valores expectáveis, com intervalos de confiança e períodos gripais anteriores.
No segundo gráfico (G2) mostro como evoluiu a mortalidade nas pessoas com mais de 75 anos a partir de 1 de Outubro de 2016, que começou a aumentar a partir da segunda semana de Outubro, ultrapassando aí os 200 óbitos por dia. Até ao fim da primeira quinzena de Dezembro desse ano, a mortalidade neste grupo etário subiu ainda mais, mas de forma mais ou menos errática, para níveis próximos de 250 óbitos diários. A partir dessa data nota-se que o surto gripal começou então a fazer enormes estragos. Com efeito, entre 22 de Dezembro de 2016 e 1 de Fevereiro (42 dias) registaram-se 33 dias com mais de 300 óbitos entre a população com idade superior a 75 anos. No dia 2 de Janeiro chegou aos 436 óbitos, mais 258 óbitos do que no dia 1 de Outubro, no início da série temporal em análise. É uma diferença muito significativa para uma doença tão menosprezada.
Note-se também neste segundo gráfico (G2), a variação dos óbitos na faixa etária dos menores de 75 anos: não acompanha a variação nos óbitos dos mais idosos, confirmando-se assim que geralmente as gripes comuns actuam como a covid-19, i.e., são especialmente mortíferas na população com mais de 75 anos. E muitíssimo mais. Aliás, para se destacar a vulnerabilidade deste grupo etário também à gripe, observe-se o terceiro gráfico (G3) onde se apresenta, para a mesma série temporal respeitante ao período gripal de 2016-2017, a relação entre óbitos da população com mais e com menos de 75 anos. Se antes do surto gripal esta relação rondava os 2 (i.e, por cada três óbitos, dois eram de pessoas com mais de 75 anos), quando a gripe começou a atingir maior letalidade a relação subiu sistematicamente, entre finais de Dezembro e primeira quinzena de Fevereiro, para valores acima de 3 (i.e., por cada quatro óbitos, três foram de pessoas de pessoas com mais de 75 anos).
Por fim, e fazendo isto de uma forma muito simplista – interessa-me aqui, agora, transmitir uma ordem de grandeza que reflicta a realidade –, se assumirmos que, sem gripe (associada a condições mais adversas típicas do Inverno), será expectável uma média diária de 200 óbitos no grupo etário com mais de 75 anos, então observe-se a área inferior limitada pela linha vermelha do gráfico 4. Mostra-se aí, pelo somatório, o número de óbitos causados exclusivamente pela gripe nesse período. Fazendo as contas, entre 1 de Dezembro de 2016 e 31 de Janeiro de 2017 contabilizam-se mais 6.330 óbitos de pessoas com mais de 75 anos (i.e, somando todos os óbitos acima dos 200 por dia). De uma forma simplista, significa que, sem qualquer gripe naquele período, haveria cerca de 6.330 idosos com mais de 75 anos que teriam continuado vivos.
Por tudo isto, e em tom de conclusão, penso ter mostrado aqui que a doce gripe afinal sempre foi, e continuará a ser, um flagelo se se achar que não se pode comparar as gripes à covid-19. Um flagelo é sempre um flagelo, mesmo se houver um flagelo maior. Menosprezar um flagelo porque afinal apareceu um flagelo maior é um erro grave [faz-me lembrar um pouco a situação dos incêndios florestais: quando começamos a pensar que afinal não era um flagelo termos incêndios de 5 mil hectares, acabámos por “reunir” condições para termos incêndios de 50 mil hectares…].

Por tudo isto, sendo certo que não foi o menosprezo às gripes que nos trouxe a covid-19, parece-me contudo uma evidência que se tivéssemos levado (aqui e em quase todo o Mundo) as gripes como um problema muito sério talvez tivessem sido salvas muito mais pessoas e, por outro lado, possuiríamos agora mais mecanismos, melhores estratégias, mais e melhores equipamentos e pessoal médico treinado e capaz para “atacar” pandemias como as da covid-19. A forma como temos abordado as gripes reflecte-se, e não pensem que não, na forma como podemos ser mais ou menos afectados pelo surgimento de um novo vírus. As fatalidades também somos nós que ajudamos a criar.







domingo, 12 de abril de 2020

DA IRRACIONALIDADE

Tem-se uma sensação estranha quando se confronta a mortalidade durante o surto gripal de 2016-2017 e o actual momento em redor da recente pandemia da covid-19. Há cerca de três anos, entre um sepulcral silêncio e uma indiferença completa, registaram-se 21 dias consecutivos - repito, 21 dias consecutivos -, entre 24 de Dezembro de 2016 e 13 de Janeiro de 2017, sempre com mais de 400 mortes diárias. No dia 3 de Janeiro desse ano atingiu-se um pico de 578 mortes!
Enquanto isso, na actual pandemia, o máximo de óbitos foi, até agora, de 379. Sendo um número elevado para a época do ano, não é catastrófico... Por exemplo, só em Janeiro deste ano, durante a habitual época gripal, registaram-se 17 dias com a mortalidade acima dessa fasquia dos 379 mortos.
E pergunto, sem colocar em causa a gravidade da situação: é preciso este omnipresente pânico? E faço outra pergunta: e porque somos indiferentes aos surtos mortíferos de gripe, que matam muito mais do que muitos, quase todos, imaginam?


DA IRREAL REALIDADE

Conseguir tirar uma fotografia num ensolarado domingo de Abril na Praça Camões e não precisar de usar Photoshop para fazer “desaparecer” pessoas.


DA INCIDÊNCIA DA COVID NO PAÍS

Tenho mostrado algum cepticismo no uso dos casos positivos para uma correcta avaliação da covid-19 em Portugal, embora possa constituir um indicador ao nível da incidência e da sua evolução.
Predispus-me assim a analsar com mais detalhe os casos positivos por concelho, cruzando essa informação com a população dos respectivos concelhos e, por outro lado, com a sua densidade populacional. Para essa informação utilizei os dados da população dos últimos Censos (2011) e as densidades populacionais indicadas pelo Pordata.
Apesar de Lisboa ter o maior número de casos (890), de forma clara o Norte do país é, como se sabe, aquele com maior prevalência, embora nem seja nas grandes cidades que a situação se mostra mais preocupante. Com efeito, se considerarmos o número de casos por 10 mil habitantes, eis a lista dos primeiros 10 concelhos:
1 - Vila Nova de Foz Côa (70 casos) - 96 casos / 10.000 hab
2 - Ovar (409 casos) - 74 casos / 10.000 hab
3 - Castro Daire (91 casos) - 59 casos / 10.000 hab
4 -Valongo (479 casos) - 51 casos / 10.000 hab
5 - Resende (53 casos) - 47 casos / 10.000 hab
6 - Maia (588 casos) - 43 casos / 10.000 hab
7 - Gondomar (681 casos) - 41 casos / 10.000 hab
8 - Matosinhos ((682 casos) - 39 casos / 10.000 hab
9 - Porto (885 casos) - 37 casos / 10.000 hab
10 - Braga (621 casos) - 34 casos / 10.000 hab

Como termo de comparação, a Espanha (todo o país, mas com regiões onde a prevalência é muito superior) apresenta 35,5 casos por 10.000 habitantes, ou mais precisamente 3.551 casos positivos por 1 milhão de habitantes.
Por curiosidade, Lisboa apresenta hoje 16 casos por 10.000 habitantes, estando na 33ª posição a nível nacional.
No gráfico em baixo apresenta-se a relação entre a prevalência de casos (número de positivos em relação aos habitantes) e a densidade populacional. A ideia era saber se os mais densos e maiores aglomerados populacionais apresentavam uma maior prevalência de casos positivos. E os resultados não fogem daquilo que seria expectável face aos objectivos do estado de emergência: reduzir significativamente o risco de contágio nas maiores cidades onde os contactos e a proximidade física (transportes públicos, por exemplo) é geralmente maior.
Assim, actualmente,a maior prevalência de casos atinge sobretudo alguns concelhos de mais baixa densidade populacional onde os contágios se iniciaram numa fase precoce e/ou em "nichos", como lares de idosos, propensos a elevado nível de contaminação geral. São, aliás, os casos de Vila Nova de Foz Côa, Castro Daire e Resende, que estão no top 10, mas também os de Alvaiázere (11º) e Torre de Moncorvo (16º), que têm menos de 20 mil habitantes e uma densidade inferior a 100 habitantes por Km2.
Para análises mais aprofundadas seria fundamental que a DGS disponibilizasse informação sobre a incidência dos casos em lares (onde parece ser o principal foco de contaminação nos pequenos aglomerados). Em todo o caso, parece evidente que, embora com enormíssimos custos económicos, parece-me que o estado de emergência terá tido um efeito positivo em evitar a propagação da pandemia. Mas isso é apenas uma pequena vitória. Na verade, como tenho repetido, o problema não é o input (nível de contaminação), mas os outputs, ao nível das mortes (totais, e não apenas por covid-19),a curto e longo prazo.
Nota final: um agradecimento ao Paulo Fernandes, que,de forma indirecta, me estimulou a fazer esta análise, depois de ele próprio a ter feito entre os países mundiais.



sábado, 11 de abril de 2020

DOS EFEITOS COLATERAIS

Desde a terceira semana de Março tenho vindo a alertar para o excesso de mortalidade em Portugal desde que a covid-19 começou a atacar. E nos últimos dias confirma-se uma terrível tendência: se os números oficiais sobre as mortes da covid-19 estão correctos, então o vírus é mesmo "inteligente", pois: 1) consegue matar pela própria doença que causa; 2) consegue matar indirectamente pelo pânico que lançou, que fez com que as pessoas recusem uma ida às urgências em caso de doença súbita; 3) consegue matar pela descoordenação dos hospitais, que não conseguem organizar-se para acudir ao excepcional e ao normal; e 4) consegue matar pela obsessão dos políticos que acham que apenas interessa evitar mortes por covid-19, pouco lhes importando se as pessoas morrem de outras doenças.
Felizmente, têm surgido diversos alertas, mesmo de médicos, sobre esta situação, e espero que não tenhamos que lamentar, no futuro, mais mortes por não-covid (evitáveis) do que por covid. Nesse aspecto, até agora olho com bastante preocupação para este problema, razão pela qual observo mais a mortalidade total do que a causada por covid-19.
Conforme podem observar no gráfico de hoje (e tenho procurado sempre fazer análises distintas), apresento a evolução da mortalidade desde Março até ao dia 9 de Abril. Como tenho referido, Março deste ano iniciou-se com uma mortalidade muito mais baixa do que a média dos últimos 10 anos, mas a partir da segunda semana encetou uma subida que indicia que a covid-19 começou a matar alguns dias antes da primeira morte oficial (15 de Março, divulgada no dia anterior).
Assumindo que a a base expectável de mortalidade a partir de Março deste ano exclui a covid-19 e é aquela que foi registada, se inferior à média dos últimos 10 anos, ou igual à média dos últimos 10 anos, se superior, o gráfico destaca assim sobretudo o acréscimo em cada dia que se tem vindo a observar, separando a covid-19.
Torna-se, portanto, particularmente notório que o excedente de mortalidade tem sido bastante elevado desde a terceira semana de Março, totalizando já 972 óbitos acima da média no período entre 24 de Março e 9 de Abril, i.e., um acréscimo médio de 57 óbitos por dia. Deste acréscimo, e no período em causa, a covid-19 "explica" apenas 41% das mortes. Ou seja, os efeitos colaterais representam já 59% do acréscimo de mortes, o que para o período em causa representa 549 óbitos. Atente-se que este valor deverá ser ainda superior, tendo em conta que estava a ser expectável que, sem covid-19, a mortalidade em Março e Abril seria mais baixa do que a média.
Em conclusão: o país, e o seu Serviço Nacional de Saúde, não tem apenas uma "guerra" a ganhar: a covid-19. Temos outra "frente de batalha", que são as outras doenças. E nessa outra "frente", claramente o SNS está a perder. E não tem desculpa.
Fonte dos dados: SICO - VIgilância da Mortalidade (DGS)

sexta-feira, 10 de abril de 2020

DAS IDADES – UMA (muito longa mas necessária) ANÁLISE ELEMENTAR

Para enquadramento, quatro factos conhecidos para se seguir para uma análise “surpreendente”, ou talvez não:
1) tem sido observado um excesso de mortalidade nas últimas semanas em Portugal, significando que estão a morrer mais pessoas do que a média da última década em período homólogo;
2) esse excesso de mortalidade é elevado para a época do ano, mas não exagerado se comparado com períodos de surtos sazonais de gripe; aliás, o dia mais mortífero de 2020 foi o dia 15 de Janeiro (426 óbitos), que confronta com os 379 óbitos de 7 de Abril, o máximo até agora atingido desde o registo oficial da primeira vítima do novo coronavírus. Relembre-se que o dia mais mortífero desde 2009 foi o segundo dia de Janeiro de 2017, num pico de gripe sazonal, que causou 578 mortos!
3) o incremento desse excesso de mortalidade, desde a segunda quinzena de Março, é superior a 800 óbitos, que confronta com os 409 mortes por covid (até 8 de Abril), podendo isto significar uma subavaliação das mortes por covid-19 ou a ocorrência de mortes “colaterais” por deficiências de assistência de socorro por doença súbita (por responsabilidade directa ou não do SNS)
4) por fim, o Mundo, e Portugal, anseiam por conhecer um “planalto” que depois permita uma inversão da mortalidade até níveis aceitáveis (politicamente existirá esse nível?).
Tenho vindo a abordar, com os meios possíveis e parcos conhecimentos, a evolução da covid-19, tentando sobretudo olhar para este problema de saúde pública como algo global. Já não me interessa saber quais os casos positivos (inputs), cujos valores jamais reflectirão o nível de contaminação da sociedade, nem tão-pouco o registo oficial de mortes por covid-19, uma vez que não exprimem nem explicam correctamente a mortalidade que se tem vindo a verificar (output).
De entre essas análises, uma destaquei ontem ao defender, com justificação, que não estaremos ainda num qualquer ‘planalto’ nem existem garantias de se ter atingido um ‘pico’. A análise que vos apresento hoje revela algumas situações interessantes e que fornecem pistas para uma eventual resolução política, sobretudo se se confirmar com avaliações mais detalhadas com outro tipo de dados (que não possuo) e se tal se observar em mais países.
Ora, a análise que fiz, a qual se sintetiza nos gráficos em baixo, pretendeu saber qual tem sido efectivamente o “efeito covid-19”, incluindo aqui os impactes colaterais, com mortes ocorridas nos diferentes grupos etários, tendo em conta a evolução desde o início de Março e a média dos últimos cinco anos. Como habitualmente procedi ao uso de médias móveis de 5 dias para atenuar variações bruscas entre dias.
De uma forma sintética, eis as principais conclusões:
1) Como já se sabia, o “efeito covid” está a fazer-se sentir sobretudo na faixa etária das pessoas com mais de 75 anos, mas de forma bastante agreste. Na primeira semana de Março, este grupo ainda apresentava uma mortalidade bastante inferior à média (223 vs. 251), mas inverteu rapidamente, passando a ser mais mortífero do que média a partir do dia 13 de Março, revelador de que as mortes por covid surgiram antes do indicado pelas autoridades de saúde. No dia 8 de Abril, a diferença da média móvel entre 2020 e a média dos cinco anos anteriores é de cerca de 52 óbitos por dia. O gráfico parece denunciar um “patamar” a partir do dia 27, mas é enganador, uma vez que a média dos últimos cinco anos mostra uma variação decrescente, que se justifica por a Primavera apresentar melhores condições de sobrevivência para este grupo etário. A excessiva mortalidade neste grupo, que se estima da ordem dos 770 óbitos entre 16 de Março e 8 de Abril, não encontra justificação nos números indicados pela DGS para as mortes por covid-19 quer para esta faixa etária quer mesmo para o global. Note-se que este grupo etário representa, geralmente, entre 70% e 75% do total das mortes registadas em Portugal.
2) Não se encontra este padrão de forte incremento da mortalidade e de divergência em relação à média, nem de forma leve, nos outros grupos etários.
3) No caso do grupo etário entre os 65 e 74 anos, aparentemente não se observa qualquer “efeito covid”. É certo que os níveis de mortalidade estão acima da média desde o dia 25 de Março, mas de forma muito ténue. Entre 16 de Março e 8 de Abril, este grupo etário teve somente um acréscimo em relação à média de 48 óbitos, o que dá apenas duas mortes a mais por dia.
4) A faixa etária dos 55 aos 64 anos é, porventura, a que regista uma evolução mais surpreendente. Ou talvez não. Embora se tenha observado em quase todo o mês de Março uma mortalidade abaixo da média, modificou esse padrão de uma forma brusca a partir do início de Abril, já muito depois da instauração do Estado de Emergência. A divergência para a média em 8 de Abril não é muito significativa (mais cinco óbitos), mas a meio de Março a diferença era também de cinco mortes mas mais favorável a 2020. Isto é, em três semanas observa-se uma significativa alteração. Serão os efeitos colaterais da covid? Ou seja, uma parte do acréscimo de mortes neste grupo etário dever-se-á ao facto de as vítimas, receosas de serem contaminadas em meio hospitalar, terem menosprezado sintomas de doença súbita fatal?
5) De resto, nas restantes faixas etárias em análise (entre os 45 e os 54 anos, e com menos de 45 anos), não se vislumbra qualquer variação relevante. Mesmo registando-se aproximações dos valores da mortalidade entre o presente ano e a média dos últimos cinco anos (com pontuais ultrapassagens), o mês de Março e o início do mês de Abril foram, para estes grupos etários, menos mortíferos. Com efeito, comparando as médias móveis, no período entre 16 de Março e 8 de Abril, o ano de 2020 contabilizou 291 óbitos na faixa dos 45-54 anos e 144 óbitos para os menores de 45 anos, que confronta com 300 óbitos (mais nove) e 186 óbitos (mais 38), respectivamente, na média dos últimos cinco anos.
6) Estes últimos dados parecem assim mostrar – exigindo uma análise mais fina e detalhada – que a covid NÃO ESTÁ a afectar a população jovem e em idade activa até pelo menos os 54 anos. Sendo expectável que a contaminação efectiva (desconhecida) pelo novo coronavírus tenha atingido de forma razoavelmente equitativa todos os grupos etários, esta análise mostra que o output (mortes) é extremamente reduzido, ao nível ou menos a um nível inferior ao de um surto gripal.
7) Convinha mesmo analisar politicamente tudo isto. Proteger os idosos e vulneráveis (de qualquer idade) - algo que deve ser feito também em períodos gripais, que matam por vezes mais de cinco mil pessoas em Portugal - mostra-se essencial, mas haverá certamente estratégias que não impliquem esforços colossais (logísticos e económicos) para proteger outros grupos que, afinal, não estão em risco. Até porque o "efeito covid" está a matar tanto por via do coronavírus como por "vias colaterais".~


quinta-feira, 9 de abril de 2020

DA ASSUSTADORA CURVA

De todas as análises que tenho vindo a fazer - e não uso modelos matemáticos de previsão complexos e que são, portanto, muito falíveis, e socorro-me 'apenas' dos dados da Vigilância da Mortalidade da DGS, i.e., da realidade -, esta que agora vos apresento é porventura a que melhor reflecte a actual situação. Muito desfavorável, convenhamos: o tão almejado 'planalto', ou o desejado 'pico', não existe ainda. Pelo contrário, só vejo uma interminável 'colina'.
Com efeito, o gráfico em baixo mostra a evolução da diferença da mortalidade (desde Dezembro de 2019 até ao dia 7 de Abril) entre o período em curso (2019-2020) e o período homólogo da década anterior. Usei a média móvel de 5 dias para atenuar variações bruscas diárias, mas sem retirar rigor na análise, já que é um período suficientemente curto. A análise desde Dezembro permite ter em consideração o período típico da gripe sazonal e da maior mortalidade no Inverno, e contextualizar com o último mês desde o surgimento da covid-19 em Portugal (primeiro caso 'descoberto' em, 2 de Março; primeira morte oficial em 16 de Março).
Pois bem (ou mal), aquilo que está a suceder começa a ser assustador. Desde a segunda semana de Março deste ano observa-se uma rápida e aparentemente ininterrupta subida da diferença da mortalidade em relação à média da última década. No dia 9 de Março, a diferença de mortalidade era favorável a 2020, com menos de 47 diários óbitos em relação à média; e no dia 7 de Abril a diferença era já desfavorável a 2020 em 61 óbitos diários em relação à média.
Se somarmos os óbitos acima da média a partir do dia em que a diferença se torna desfavorável ao ano de 2020 (dia 17 de Março), temos então um excedente total de 803 óbitos até 7 de Abril (última data usada). Como se sabe, a DGS reporta 'apenas' 380 óbitos por covid-19.
Note-se que o actual hiato é cerca de três vezes superior ao que se observou em Janeiro e Fevereiro, durante cerca de um mês, em virtude da gripe sazonal, um pouco mais intensa neste período. Nesse período, a diferença rondou no máximo os 20 e poucos óbitos a mais por dia.
Não há, pois, qualquer sinal, ao longo deste último mês, e muito menos na última semana, de qualquer alteração no declive nem tão-pouco qualquer sinal de abrandamento com vista à criação' de um planalto. Apontar um 'pico', no actual contexto, é fazer futurologia por mais catedrático que se seja.
O único aspecto menos negativo é estarmos num período do ano mais amenos em termos climáticos e, portanto, com menores taxas de mortalidade.
Conclusão: esqueçam a ideia de 'planalto' durante os próximos dias. Nada indica que o 'pico' tenha sido atingido. Pelo contrário. Enquanto não atingirmos um 'pico' na curva da diferença da mortalidade, e começarmos a ter níveis de mortalidade próximos da média, então continuaremos muito longe de controlar a epidemia.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

DA MIRAGEM DO PLANALTO

O Público (e outros media) noticia que «especialistas» reunidos com o Governo e PR terão dito que «a evolução do número de casos [de covid-19] parece indiciar que estamos no 'planalto' da curva e o pico pode ter já sido entre os dias 23 e 27 de Março». Enfim, já tenho salientado que se não se souber ao certo de que têm estado a morrer as pessoas (se de covid ou de outras afecções), não vale a pena andar em especulações sobre picos e planaltos da covid.
Aquilo, porém, que posso garantir é que não vejo 'planalto' algum na evolução da mortalidade total (e essa situação deveria preocupar muito o Governo). Pelo contrário, vejo um cadenciado crescimento desde a segunda semana de Março, depois de ter sido 'cavado' um 'vale encaixado', mostrando-se uma 'encosta' agreste. Na realidade, não há ainda vislumbre de 'pico' nem de 'planalto' nos últimos dias. O gráfico que apresento, com a média móvel de cinco dias (para atenuar as variações mais bruscas e visualizar mais rapidamente tendências), é extremamente elucidativo.
Explique-se o gráfico.
Como tenho referido, os meses de Inverno são tendencialmente mais mortíferos (e será extremamente grave se ultrapassarmos em Abril os óbitos de Janeiro), devido aos surtos de gripe e ao tempo mais frio. Mesmo com melhores condições climatéricas e um surto gripal menos agressivo, a mortalidade média (móvel) na segunda metade de Janeiro de 2020 rondou os 390 óbitos por dia (a média aritmética do mês situou-se nos 383). A partir de Fevereiro, a mortalidade registou uma consistente redução até 8 de Março (média móvel de 287 óbitos). Depois... bom, depois, a covid-19 começou a 'agir'. Com efeito, apesar da primeira morte oficial ter sido registada apenas em 16 de Março é muito provável que já tivessem falecido pessoas desta doença alguns dias antes. A média móvel nesse dia 16 (320 óbitos) já estava 11% acima do mínimo do dia 8. E, com ligeiras variações, a partir desse dia 8 de Março, o crescimento tem sido contínuo.
Enfim, se o gráfico da mortalidade fosse a evolução de uma cotação, nenhum 'trader' arriscaria dizer que se estava perante uma estagnação do 'preço' do título nem que havia sinais de descida a curto prazo. Jamais venderia o 'título' com esta evolução. Nem eu 'vendo' a ideia, por este gráfico, de estarmos num qualquer 'planalto' da covid. Infelizmente, temos que 'pagar' para ver os próximos dias. E estou mais tentado a ver uma subida do que uma descida, por muita fé que deseje ter.
E entretanto, o Governo poderia, e deveria, ver melhor do que andam os portugueses a morrer. Será de covid-19 (e nãos se sabe a dimensão real), mas não só. E para o 'não só' conhecem-se 'vacinas' e tratamentos. Basta que o SNS não aposte todas as cartas no mesmo jogo.

terça-feira, 7 de abril de 2020

DA VIDA E DA MORTE PARA ALÉM DA COVID

Tenho vindo a apresentar algumas análises onde chamo a atenção para a situação do excesso de óbitos não explicado pela covid-19, que se deverá à subcontabilização de casos fatais por esta doença e/ou a outras mortes decorrentes de uma excessiva concentração do SNS no tratamento da epidemia, associada aos receios de idas às urgências em casos de doenças súbitas que se mostram letais.
O gráfico que apresento expõe de uma forma bastante clara esse efeito, dia a dia, desde que foi declarada a primeira morte por covid-19 em 16 de Março. Nas colunas a vermelho apresenta-se o acumulado dos óbitos por covid-19 e a mortaldidade média nos últimos 10 anos, i.e., aquilo que seria expectável estar a suceder se apenas estivéssemnos a ser "afectados" pela covid-19. Na linha a amarelo mostra-se a evolução da mortalidade efectiva registada este ano. A diferença entre a linha e o topo da coluna, em cada dia, será o excesso de mortes não explicadas pela covid-19, que em alguns dias ultrapassa os 50 óbitos. No total, desde 16 de Março até 5 de Abril, estimo a ocorrência de 497 mortes não explicadas pela covid-19. Como até 5 de Abril estavam contabilizadas 311 mortes pela covid-19, há então outra "praga" mais letal que está a atingir Portugal e aparenta não ser tão combatida pelo SNS como devia.

DA IGNORÂNCIA DE AVESTRUZ

A BBC destaca que o Turquemenistão continua sem casos de covid-19... e também nunca teve casos de sida. Lá morre-se sempre cheio de saúde.


segunda-feira, 6 de abril de 2020

OS SANTOS DA CASA QUE NÃO FAZEM MILAGRES

Como sou um simples doutorando do ISCTE, e não trabalho no London Business School, ninguém me ligou. Chegaram à mesmíssima conclusão que eu já chegara desde 24 de Março... há quase duas semanas. E fiz tentativas para que a imprensa pegasse nisto.

https://sicnoticias.pt/especiais/coronavirus/2020-04-06-Ha-mais-mortes-em-Portugal.-Nem-todas-ligadas-a-Covid-19



DA IMPORTÂNCIA DAS AUTÓPSIAS

Num post de hoje apresentei a tendência da mortalidade por grupo etário, onde destacava que aparentemente somente a situação dos idosos com mais de 75 anos merecia maior preocupação, pese embora os ligeiros crescimentos nas outras faixas etárias. No entanto, como também tenho destacado, este incremento é superior ao dos números das mortes por covid, pelo que não se sabe ao certo qual o verdadeiro impacte da epidemoa nas população, em geral, e na população em idade activa, em particular. Por isso, insisto na suma importância de se saber com rigor o impacte "letal" por faixa etária, através de análises post-mortem. Se se concluísse, também por cruzamento com outros dados epidemiológicos, que "apenas" a população mais idosa (e reformada) estava em risco, por certo poder-se-ia estudar uma estratégia que passasse por retomar as actividades económicas reforçando em simultâneo a protecção das populações mais idosas (como aliás tem de ser feito em qualquer circunstância). Na verdade, entre uma quarentena global e uma quarentena apenas aos idosos, o sacrifício será sempre igual para os idosos, mas há uma vantagem crucial para a restante população. E para a economia, claro, cuja má saúde também causa vítimas mortais.